Epílogo

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— Melinda?

Olho para a vendedora como se ela estivesse falando comigo do além, e mando embora as imagens que rodeavam a minha mente. Imagens antigas, de um passado que eu acredito ter vencido – mas que parecem de algum modo diferentes para mim.

Faz alguns dias que essas imagens têm invadindo minha mente incessantemente, me mostrando futuros para passados que não existiram. Uma criada vivendo feliz com seu mestre numa cabana escondida. Um soldado renegado protegendo sua cigana e seus irmãos dos horrores da guerra e da perseguição ao seu povo.

Uma princesa que nunca enfiou uma adaga em seu coração e vive feliz com seu plebeu ao lado.

Eu não contei nada disso ao Gustavo, com medo que ele fique preocupado demais com as imagens, a minha possível reação e também ao meu estado delicado – palavras dele.

Mesmo já estando casada com ele há 3 anos, Gustavo gosta de cuidar de mim como se eu ainda fosse a mesma menina assustada com os terrores dessa e de outras vidas. Eu acho adorável, mas nos últimos 5 meses ele tem surtado um pouco a mais.

Tive que ter uma briga séria com ele de que eu não teria um segurança andando comigo para cima e para baixo. Gravidez não é doença, eu continuei insistindo para ele. Mas meu marido é obtusamente teimoso.

E esse é um dos motivos pelos os quais eu o amo incondicionalmente.

Consegui algumas horas de paz – conquistadas com muita insistência e uma ajudinha de André, que confirmou que eu estou ótima para dirigir e sair sozinha – e estou agora numa loja tentando comprar o berço e algumas roupas para o meu bebê.

— Oi, desculpa... estou um pouco distraída. Pode repetir? — tento esquecer as imagens e me focar no modelo que ela me mostra. Se eu não me concentrar na vida real, vou acabar fazendo exatamente o que Gustavo acredita que eu vá fazer sozinha: sofrer um acidente e matar seu precioso filho.

Ou sua filha. Estamos tentando fazer à moda antiga e só descobrir o sexo do bebê quando ele nascer.

O que acaba deixando a vendedora que está me atendendo extremamente frustrada, porque ela não pode me indicar nada azul ou rosa.

— Claro, querida. Este modelo de berço é um pouco mais tradicional, madeira branca, impecável, resistente e...

Um arrepio toma conta de mim, e eu tento continuar prestando atenção do que ela diz, enquanto sinto um suor frio escorrendo pelas minhas costas.

— Por que você não vai dar uma volta? Ela parece cansada do seu lenga lenga chato, criatura — uma voz estranha vem por trás e eu me viro assustada com as palavras brutas e mal-educadas — vai logo, mano. Vaza. 

A garota que está olhando para nós parece saída de um outdoor de moda de rua. Os cabelos castanhos claros são revoltados na medida, tão longos quanto os meus, a pele pálida com um aspecto um pouco doente e os olhos... furiosos, meio mortos. Ela é bem mais baixa que eu, mas continua esperando que a vendedora vá embora como se mandasse no lugar.

Meu coração dispara com o que eu acredito ser medo e eu fico indecisa sobre o que devo fazer: será que eu sigo a vendedora ou vou até meu carro? Instintivamente coloco a mão na minha barriga, tentando proteger meu bebê dessa garota.

— Não precisa ficar com medo de mim, não sou eu que to tentando te empurrar um berço de... — ela se estica para ver a placa minúscula que está pendurada na cabeceira e seus olhos ficam gigantes com o espanto — três mil reais... caralho, você é louca?

— Desculpa... eu te conheço? — minha voz falha com o medo que percorre o meu corpo e eu dou uma tossida, tentando me recompor. Já passei por situações horríveis na vida, e não devo demonstrar fraqueza.

A Chance do TempoWhere stories live. Discover now