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A viagem de carro para Novo Hamburgo está sendo extremamente incômoda. A Luíza dirige um 500 e meu Deus como o banco traseiro está apertado com Juliana ao meu lado, olhando para a janela com a cara mais emburrada que eu já vi na vida.

Gustavo está no banco do passageiro, completamente inconsciente do que está rolando entre eu e sua amiga de infância, e conversa com Luíza sobre o que acontece na tal fazenda dos pais deles, como uma tal de Neide está.

Eu nem tento entrar no assunto, e quando Luíza me faz perguntas pontuais sobre como foi a viagem, como eu estou me sentindo, respondo rapidamente, sentindo o olhar feroz de Juliana em mim toda vez que abro a boca. Ela não diz uma palavra o caminho todo, e por causa dessa tensão, eu não consigo aproveitar a paisagem ao meu redor.

Nunca fiquei tão feliz de sair de dentro de um carro, e aperto o casaco no meu corpo quando um vento forte e frio bate em mim com tudo – nunca senti tanto frio na vida. Gustavo pega nossas malas na traseira minúscula do carro, e vem em minha direção, perguntando se eu estou bem.

Faço que sim com a cabeça, logo percebendo que Juliana nos observa com atenção, e me afasto dele, indo para perto de Luíza, que abre a porta de um prédio baixo de dois andares. Ela parece sentir que algo não está certo, e sorri para mim com o que parece ser um pedido de desculpas.

Claro que ela sabe o que está rolando – mulheres são muito mais sensitivas e inteligentes que homens. Principalmente com as coisas que dizem respeito a eles.

— Vamos sair da rua, está bem frio hoje a noite! Você nunca veio para o Sul, não é mesmo Melinda? Em São Paulo, não é assim — ela aperta meu braço em cumplicidade, e me empurra para uma escada de madeira num corredor. Eu subo na sua frente, não querendo mais continuar na rua sob o olhar vigilante da amiga deles.

Seu apartamento é o completo oposto do de seu irmão, e tem tantas cores e vida que por um momento eu me sinto acolhida. Eu vou até a janela para observar a noite gelada e dou um sorriso tímido. Mesmo à noite é possível ver como a cidade é linda. Em um certo aspecto, ela é muito parecida com São Paulo e seus prédios, mas ao mesmo tempo ela tem um charme de cidade do interior que a minha cidade natal não tinha.

Sinto que Gustavo está perto e me viro antes que ele chegue até mim – talvez seja necessário manter distância enquanto a amiga dele estiver por perto. Continuo com meu sorriso e encontro certo abrigo em seus olhos, que parecem engolir os meus completamente.

— Eu vou sair para jantar com a Juliana, você vai ficar bem aqui com a Luíza? Ela sabe cozinhar muito melhor do que eu... — sua voz está baixa – como se ele também não quisesse que sua amiga escute nossa conversa.

Faço que sim com a cabeça e dou o sorriso mais convincente que consigo. Ele tinha me dito que tinha planos para o jantar, e pela maneira que foi dito, eu já sabia que não me incluíam. E a possibilidade de ficar longe dela era gratificante.

Não quero abrir minha boca, não quero que ele saiba que tem algo de errado. Pela primeira vez, desde que nos conhecemos, o que está acontecendo agora tem relação com ele e não comigo. Cansei de ser o centro das atenções.

Ele faz menção de levantar a mão, e eu sei exatamente o que ele quer fazer, pois o faz todos os dias quando estamos próximos o suficiente: acariciar meu rosto, mas antes que possa, meus olhos vão em direção à Juliana, que fuzila as costas dele com o olhar, e eu me afasto, dando um pedido mudo de desculpas. Volto a me virar para a janela, ouvindo os dois saírem e Luíza se despedindo deles.

— Melinda! Finalmente a sós! O que você acha de um risoto? Acho que pode ajudar nesse friozinho com um vinho também... vem cá! Senta aqui comigo enquanto eu cozinho — a voz de Luíza deixa a entender que ela também está aliviada pela saída dos dois e pela leveza que o ambiente adquiriu com isso.

A Chance do TempoWhere stories live. Discover now