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Pela primeira vez, desde que os sonhos começaram, não acordo assustada, com medo, ou machucada. Pelo menos não mais do que eu já estou. Na verdade, é como se eu tivesse tido a chance de dar o adeus a Gustavo que eu não consegui na vida real.

Deixa-lo não foi ruim por si só, pois revê-lo todas as vezes em que durmo é ainda pior – como se eu estivesse cutucando minha ferida, não dando tempo para cicatrizar.

Tento parecer normal e bem – já estou preocupando Larissa e sua mãe por tempo demais. Elas têm seus próprios problemas para lidar, sem pensar na minha desolação. Decidi que iria até o hospital, ver meus pais. Apesar de todo o resto que acontece na minha vida, meus pais também são importantes, e no momento, a única coisa "boa" que tenho. Ficará bom de verdade quando eles tiverem alta. Quando minha mãe acordar.

Já nos falaram que ela provavelmente não poderá mais andar – as lesões à sua coluna são irreversíveis. Mas decidimos cruzar essa ponte quando chegarmos lá, e no momento, nosso maior desejo é que ela simplesmente acorde.

Larissa me dá uma carona para o hospital, insistindo que eu vá com ela para a faculdade depois, ou então direto para sua casa – ela está aterrorizada com tudo que tem acontecido, e quer me manter por perto de qualquer jeito.

Mas está na hora de eu cuidar de mim mesma, e deixar de depender dos outros. Não quero parecer ingrata ou nada do tipo, mas não é justo que eu continue trazendo pessoas inocentes para os meus problemas. Foi justamente por pensar apenas em mim que condenei Gustavo a esses destinos horríveis.

Ligo para André e peço para que ele me busque no hospital – pensei em ficar com ele, já que é o mais próximo de família que eu tenho disponível no momento. Meus irmãos ainda não sabem exatamente quando voltam, então eu tenho que me virar. Ninguém vai permitir que eu volte para a minha casa – e eu mesma não estou muito feliz com essa opção, imaginando Fernando rondando o lugar como um abutre esperando a carniça feder mais.

A visita é a mesma de sempre: meu pai está sonolento, mais um tratamento sendo feito em seu braço; minha mãe ainda conectada a milhões de aparelhos, sua melhora quase imperceptível. Fico o máximo que posso, aproveitando os momentos em que tinha sozinha para continuar tentando achar uma solução para o meu maior problema – sem muito sucesso.

Saio para esperar por André, e aproveito para acender um cigarro – não consegui deixar o vício de lado, principalmente agora que não tenho Gustavo para segurar minha mão quando tenho vontade. Ficar na rua desse jeito não é muito sensato, ainda não me esqueci de Fernando, mas é um horário bem movimentado, e considerando que tem pelo menos mais umas 10 pessoas fumando, tenho uma falsa, mas satisfatória sensação de segurança.

Fecho os olhos e tento criar um pequeno santuário de sanidade e felicidade, e o momento mais apropriado que me vem à mente é o piquenique improvisado que Gustavo fez para mim. Nunca me senti tão feliz como naquele momento. Era como se não importasse nada de ruim que existisse no mundo – a humilhação de sua família comigo, o acidente dos meus pais, as ameaças de Fernando – apenas eu e ele, e o nosso amor louco.

Sei que é louco porque não nos conhecemos há tanto tempo – certo, se considerarmos esta vida, mas mesmo assim. Como é possível que o ser humano seja capaz de entregar todo o seu ser a outra pessoa, ao ponto de fazer magia negra para reencontrá-la... ou ainda, se sacrificar para que ela possa viver.

Eu decidi encontrar outra maneira, mas não vou me reaproximar dele enquanto não a encontrar. Não posso arriscar... tudo de ruim guardado para nós pode vir à tona justo nesse período de procura, e eu não posso arriscar.

— Melinda...

É incrível que, quando a gente ama tanto uma pessoa, até conseguimos escutar a voz dela, como se ela estivesse logo ao nosso lado. Não sei como me sinto em relação a isso – escutá-lo sempre pode fazer com que eu não foque nas coisas mais importantes.

A Chance do TempoWhere stories live. Discover now