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Os gritos são tão insistentes que eu começo a me desligar lentamente do que acontece ao meu redor. Sei que Rodrigo e Miguel gritam seu pior vocabulário para Gustavo e André, que estão do outro lado da mesa, meio que gritando de volta, enquanto que eu estou confortavelmente sentada em uma das minhas cadeiras velhas na cozinha, saboreando a minha teta de nega como se a terceira guerra mundial não estivesse se desenrolando ao meu lado – eu fiquei assustada quando Gustavo voltou na manhã seguinte ao seu pedido, me trazendo duas caixas enormes de papelão, cheias do doce barato, me deixando mais animada do que minha alta do hospital.

Nem mesmo eu sou capaz de comer tudo o que ele me trouxe, então a pequena mesa da cozinha da casa dos meus pais está atulhada com os doces, depois que Rodrigo teve um ataque histérico ao ver quanto açúcar Gustavo se atreveu a dar para uma pessoa doente.

E agora a sua histeria se deve ao fato de que Gustavo veio buscar minhas coisas para começar a minha mudança à sua casa. Ele e Miguel não aceitaram muito bem a história de que agora estou noiva – logo após ter sido sequestrada pelo meu ex-namorado. Mas eu não me importo – afinal, eles não conhecem nossa história. Não sabem do amor que eu sinto por ele.

Não sabem que ainda podemos morrer a qualquer momento por causa deste mesmo amor.

— Mas é muita cara de pau a sua, meu irmão. Vir na minha casa, falando que vai levar a minha irmã embora, e que vocês vão se casar. Eu nem te conheço! E eu não sou tão idiota quanto o Miguel não. Nunca confiei nessa sua cara de garotinho privilegiado.

— Já chega. Eu acho que vocês têm que ficar fora disso, Rodrigo... ela é a sua irmã, e todos nós entendemos muito bem o que ela passou nos últimos dias, mas ainda é a vida dela. Ela não é mais uma criança — André está do lado de Gustavo, e eu nem sei como isso aconteceu – como eles ficaram tão amigos. Provavelmente foi enquanto procuravam por mim...

— Não se meta, André. Ela não é a sua irmã. É a nossa...  Miguel, eu vou socar a cara do seu namorado se você não mandar ele ficar na dele. Isso é entre nós dois e o idiota aqui — ele dá um passo ameaçador até os dois, mas eu conheço quando ele está falando sério ou não.

E acho que é porque ele nunca conseguiria realmente socar a cara de André – ele é muito maior do que qualquer um dos homens que atulham a minha cozinha.

— Mas que saco, André... ele tem razão! Você não entende... a Melinda não pode estar falando sério. Nossos pais ainda estão no hospital, ela não pode fazer isso pelas costas deles. Não pode nos deixar — Miguel olha para mim, e vejo em seus olhos escuros que ele está muito magoado. Não são os meus pais que o fazem brigar para que eu fique – mas ele mesmo.

— Bom, se vocês vão continuar a briga de galo como um bando de idiotas sobrecarregados de testosterona, eu vou pegar o seu carro, Gustavo, e buscar os meus pais — faço uma pausa dramática, enquanto vejo todos olharem para mim como se tivesse de repente me teletransportado até ali.

Não que eu realmente queira dirigir o carro dele – sério, o negócio tem tantos botões que acho que vou bater só de tentar ligar.

— Eu te levo, vamos — Gustavo é muito prático e já está com as chaves na mão, esperando eu me levantar e colocando a mão nas minhas costas enquanto nos dirigimos até a saída.

— Melinda! Não se atreva a ir embora dessa casa até nós terminarmos a nossa conversa! Você me deve pelo menos isso — Rodrigo nos segue, bloqueando nosso caminho, e algo dentro de mim ferve.

Com a raiva, com a insatisfação... com o medo. Ele não pode saber da nossa história, mas também não merece ficar no limbo. O que estou querendo fazer pode parecer extremamente estranho para alguém que não imagina o que se passa em meu coração.

A Chance do TempoWhere stories live. Discover now