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— Melinda? Pelo amor de Deus acorda... a gente tá quase lá — a voz de Gustavo me guia até a realidade, e o vento gelado que bate em meu rosto ajuda. Estamos do lado de fora do casarão, e ele me carrega no colo como se eu fosse uma criança – não deitada, mas sentada.

Provavelmente porque minhas costas estão doendo que nem o inferno.

— Onde... pra onde... — eu tento perguntar para onde ele está me levando, já que em vez de sairmos da propriedade, estamos indo mais e mais fundo nela, mas não consigo encontrar forças.

— Ajuda, Melinda... vamos atrás de ajuda. Preciso que você fique acordada comigo, tá bom? — ele me aperta um pouco mais, e eu dou um pequeno guincho de dor.

Deixo ele me levar, tentando ficar acordada. A dor é tanta que as lágrimas descem sem controle. Não sinto a maior parte do meu corpo, meus braços caem tortos e sem vida nas costas dele. Consigo ver o casarão meio apagado de longe, e pelo silêncio, aposto que é o meio da madrugada.

Gustavo para de repente, batendo na porta de alguém. A pessoa lá dentro demora um pouco para atender, e ele fica me balançando, pedindo para eu ficar calma e acordada.

— Vó... por favor me ajuda. Ela... — sua voz parece tremer. Ele está com medo.

Claro, eu também estaria. Primeiro um dedo cortado, e agora as costas açoitadas. Sem qualquer explicação plausível.

— O que aconteceu? — a voz da velha faz com que um enjoo balance tudo o que eu comi mais cedo. Não acredito que ele me trouxe para ela... quero me sacudir, sair do seu colo e ir embora. Ela é a última pessoa que quero ver agora.

— E-eu não sei... ela acordou assim... por favor, me ajuda — eu ouço a tristeza em sua voz, e mesmo sem conseguir ver seu rosto, sei que ele está chorando.

— Coloca ela no sofá. Tira essa camiseta cheia de sangue —  a voz dela se afasta de nós, e Gustavo a obedece.

Ele me senta no sofá com delicadeza, pegando meu rosto com as mãos. Levanta meus braços e tira a camiseta com cuidado – ela gruda nas feridas e eu solto um resmungo involuntário. Não quero assustá-lo mais.

Me deito no sofá, as costas para cima, e luto contra a inconsciência que tenta me levar de novo. Não posso deixar que essa loucura vença. Se a criada não morreu, eu também não irei.

— Melinda? Por favor, continua comigo — Gustavo está sentado no chão, apertando minha mão com força. Eu olho para ele, cansada, mas consigo fazer o que ele me pede.

— Saia daí, meu menino. Preciso de espaço — a velha voltou, e com dor no meu coração, sinto Gustavo se afastar de mim.

Ela limpa as minhas costas com um pano molhado, sendo mais delicada do que imaginei que seria. Um cheiro acre começa a queimar meu nariz, e antes que eu possa fazer alguma objeção, ela lambuza minhas costas com uma pasta, fazendo com que tudo arda insuportavelmente.

Solto um grito de dor e vejo Gustavo hesitando, querendo se aproximar novamente.

Volto para a inconsciência mais uma vez.

***

As costas da criada doem, cada ferida dilacerando a pele, mas isso não a impede de continuar correndo. Quando Signora Filomena acabou sua punição, deixou Melinda chorando sozinha, jogada no meio do quarto, em cima de seu próprio sangue.

Nunca recebeu um castigo tão pesado – e tudo o que fez foi sair do jantar mais cedo. As súplicas que fez para ela parar não adiantaram, e a vara desceu com impiedade.

A Chance do TempoWhere stories live. Discover now