Capítulo 10: Não foi bem assim

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Quando Adriana voltou para Belo Horizonte no fim de semana, me senti mais leve. Ela me mandou uma mensagem perguntando se podia passar lá em casa e eu respondi com um ansioso sim!

- Então fiquei sabendo que você é agora monitora de matemática – falou Adriana assim que chegamos no meu quarto – Isso é ótimo!

- É bem legal, na verdade – eu disse, tentando segurar minha real empolgação. – Quer dizer, tem que esclarecer as dúvidas dos moleques do fundamental, mas tem o grupo na sexta-feira. A gente faz uns exercícios e discute. O professor Bernardo é bem legal.

- Deve ser – comentou Adriana com a sobrancelha arqueada fingindo acreditar que passar a tarde resolvendo equações pudesse ser divertido.

- E como foi lá em Ouro Branco? –perguntei, um tanto sem graça, mas sentindo que devia perguntar. Amizade nem sempre é sobre fazer piadinhas e assistir filmes.

- Foi bom. Quer dizer, foi ruim, mas de um jeito estranho foi bom – respondeu Adriana com a voz um tanto rouca. – Fui ver as irmãs da minha mãe e isso foi muito legal. Vi umas fotos, alguns primos, ajudei meu pai. Acho que a gente vai se sentindo melhor aos poucos.

- Você sabe que pode contar comigo, né? Pode me ligar no meio da noite, pode invadir meu quarto pela janela. Mas pense bem antes de fazer essa porque você sabe que nunca mais fui a mesma depois de assistir O Chamado.

- Nada de janela, então – riu Adriana. – Mas obrigada. Eu sei que você é minha amiga. E por isso mesmo tenho que te contar uma coisa.

Do nada o quarto ficou uns cinco graus mais frio. Por que as pessoas simplesmente não contam as coisas ao invés de anunciar um suspense? Acho que devia existir um projeto de lei para que frases como "tenho que te contar uma coisa" ou "senta, vou te falar um troço importante" seguidas de uma longa pausa fossem proibidas.

- É sobre o Patrick.

- Oh – eu fiz, tentando não parecer uma insensível. Quer dizer, quem se importava com aquele idiota do Patrick?

- Eu nunca te disse a verdade sobre o que aconteceu.

- Ele nunca retornou suas mensagens. Ele é um babaca de marca maior. E eu digo mais: não é você que tem que ficar se escondendo dele pelos lugares. Ele é quem devia ter vergonha de falar com você!

Adriana estalou o céu da boca com a língua. E foi aí que eu entendi: Patrick nunca tinha ignorado Adriana. Era Adriana que tinha ignorado Patrick esse tempo todo! Por causa disso aquela manobra bizarra no posto de gasolina no dia da festa!

- Por quê? – eu perguntei, estupefata. Taí uma palavra que sempre quis usar. Descreve exatamente o momento.

- Eu fiquei com medo. E se eu começasse a gostar muito dele e depois ele terminasse comigo? Entrei em pânico! E eu não conseguia conversar com ninguém. Fiquei me sentindo uma idiota por causa disso e quando vi, já era tarde demais. Já estava ignorando ele, então achei que seria melhor continuar ignorando. E foi isso.

- Você gosta dele? –perguntei, muito devagar.

- Eu não sei – respondeu Adriana mexendo as mãos, desconfortável. – Acho que nunca vou saber. Não fiquei com ele tempo suficiente para descobrir.

- Por que você não liga pra ele? Explica o que aconteceu?

- Não é questão disso, Luísa. Acho que a gente nem era muito compatível. É só que eu fiquei com medo e não descobri. Eu fugi. E lá naquela roça em Ouro Branco, ouvindo minhas tias fofocarem e vendo meu pai guardar fotos antigas, percebi que fui uma idiota. Quer dizer, meu pai sabia que minha mãe estava doente e que ela ia piorar cada vez mais. Desde criança sei da esclerose da minha mãe. Meu pai podia ter dito não, podia ter corrido, mas ele ficou. Até o fim. Ele tem uma caixa enorme de fotos com os momentos especiais que eles viveram juntos porque ele não fugiu. E não importa que a dor seja grande agora, ele viveu. Eu também quero viver e fazer as coisas mesmo sem saber se vai dar tudo certo no final.

Nada mais que o normalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora