Capítulo 6: Do jeito que as coisas são

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Voltei para casa de ônibus, como costumava fazer quando tinha aulas à tarde. Minha cabeça estava doendo e eu podia jurar que era por conta de todos aqueles elementos químicos que tinha decorado para a prova.

Toda aquela conversa sobre ser normal não estava ajudando meu bom humor também. Por que a vida não podia ser simples? Por que a gente não podia viver um roteiro de Doctor Who ao invés de Breaking Bad de vez em quando?

- De novo na rua...

- Eu estava na escola, vó – respondi não dando muita atenção e batendo a porta da frente com mais força do que deveria.

- Sempre uma desculpa na ponta da língua, não? – fez ela saindo resmungando qualquer coisa.

Minha avó era fogo.

E eu não estava com paciência para aquilo no momento. Sentia que poderia explodir um cargueiro imperial só com o olhar.

Resolvi que era melhor ligar pra Adriana, estava preocupada com ela, mas logo desisti da ideia. Preguiça. Eu tinha meio que uma falta de paciência básica pra falar no telefone. Sempre corremos o risco de passar por um intermediário antes de chegar na pessoa com quem realmente queremos falar, o que é um perigo.

As pessoas ficam sempre puxando assunto, muitas vezes sobre coisas inúteis: o tempo, gente que você acabou de ver, pessoas que você não faz a mínima questão de ver... Fora que sou péssima em cortar a conversa. Não sei, sempre fico nervosa, sem saber o que dizer, o que normalmente faz com que a pessoa do outro lado da linha fique falando para todo o sempre. Eu sei que meu telefone fixo fala de graça para o telefone da Adriana, mas nem todo crédito grátis do mundo compensa o drama, então vamos à beleza da modernidade:

Preocupada com vc. Tá tudo bem? Prova de química foi treta.

Adicionei um emoji dramático. Pronto. Agora era só esperar aquelas coisinhas ficarem azuis.

Tomei um banho demorado (minha avó ficou gritando do lado de fora do banheiro sobre a conta de luz e o perigo de uma pele excessivamente hidratada) e fui jogar The Sims. Depois de um tempo fiquei entediada porque o filho da minha personagem ficava fazendo xixi pela casa e ele ia crescer com a barra vermelha da infelicidade, então deixei o jogo pra lá.

Téeeeeeeeeeeedio.

Caramba, eu estava parecendo o Théo!

Okay, isso é um bom assunto para um tweet:

Luísa Freitas – @luisaf29 15 abr

Vc sabe que está no fundo do poço quando fica com uma rotina parecida com a do @theotl. #GritaMaisAlto

Definitivamente eu não estava com bom humor para fazer dever de casa. Será que se eu fosse mais normal ficaria menos entediada? Será que o Rafael fica entediado assim? Quando comecei a imaginá-lo em casa jogando uma bolinha de borracha laranja contra a parede decidi que era hora de parar.

Eu estava quebrando a minha regra. A mais importante de todas!

Nunca, nunca, nunca se apaixone.

E é fácil se apaixonar. Começa assim. Com uma imaginação fértil colocando carinhas de All Star jogando bolinhas contra a parede! E aí a próxima coisa que você sabe é que está miserável morando numa casa com sete gatos, colecionando livros da Meg Cabot e marcando fotos de corações de pelúcia no Pinterest.

Essa não era Luísa Freitas. E nunca seria.

Peguei o livro que estava lendo, então. Era a história de um cara que volta no tempo para ficar com a mulher que ele ama (ou é o contrário? A história de um cara que fica com a mulher que ele ama e assim ele pode voltar no tempo?), mas era uma bobajada sem tamanho. Depois de ler a palavra "toque macio" pela 39483948394 vez, resolvi aposentar aquela coisa e fazer um lembrete mental para nunca mais fazer troca de livros com a minha prima Clarissa.

Nada mais que o normalOù les histoires vivent. Découvrez maintenant