Capítulo 4: O que vem depois

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Domingo era dia de faxina.

Não tinha como fugir.

Quando eu ia para a área de serviço buscar vassoura, Veja Multiuso e pano de chão, quase podia ouvir o tema de Escrava Isaura na cabeça. Ah, vai, Escrava Isaura. Lerê lerê lerê...

Quem diz que domingo é dia de descanso nunca esteve na minha família. O almoço saía três da tarde e depois eu ia dormir de exaustão. Não, não por causa do trabalho duro, mas por ter que ficar ouvindo a falação de todo mundo. Às vezes ao mesmo tempo.

Minha avó ficou falando que eu estava perdida e em desgraça durante o dia inteiro. Eu sempre me pegava imaginando que ela ia superar essa coisa de família tradicional, mas ela nunca largava o osso. Quando o papo de moça prendada começou, eu meio que desliguei e me voluntariei para lavar o banheiro.

O que foi uma péssima ideia. Veja bem, o banheiro é no corredor que dá pra cozinha e minha mãe estava limpando os armários.

Ela queria saber todos os detalhes da festa. Todos. Cor do vestido da Beattriz, quem estava lá, quem não estava, que músicas tocaram, se eu dancei ou não dancei e blá blá blá. Quando eu disse que não tinha prestado muita atenção se os enfeites eram de papel ou seda ela ficou muito aborrecida e me deu uma escova de dente velha para limpar entre os azulejos. É, essa é minha mãe.

Aí vem meu pai. Falando desesperadamente como ele sempre fazia. De futebol ele passava para política e de novo para futebol e depois pra filosofia e depois pra trabalho e depois pra TV... Aquilo tudo me deixava zonza! Quem são essas pessoas que moram comigo?

Muita gente – inclusive a Priscila – acha que só porque minha mãe é médica nós somos ricos e não entendem, por exemplo, porque a gente não tem empregada, porque nosso carro não é de luxo, porque a gente não viaja pra Fernando de Noronha assim de bobeira no fim do ano. Família, amigos, vizinhos, todo mundo cobra o motivo de porque a gente não tem um padrão de vida fantástico, afinal, poxa, sua mãe é médica! Como se isso significasse ser a única herdeira de uma rede de bancos internacionais ou uma celebridade de reality show.

Minha mãe dá plantão em dois hospitais. Um deles fica numa cidade do interior a 100km de Belo Horizonte! Ela também tem um consultório no centro, mas tem tido algumas tretas por lá já que alguns planos de saúde suspenderam o contrato com ela. Meu pai é contador numa empresa de macarrão de manhã e à tarde é web design para sites empresariais por conta própria. A mensalidade do colégio é alta, tem a prestação da casa e ainda os remédios caros da minha avó. No fim das contas não rola empregada, carro de luxo, nem viagens pra Fernando de Noronha.

Ano passado o nono ano fez uma excursão pra Buenos Aires. Eu não pude ir por conta de grana. Priscila brigou comigo dizendo que eu estava fazendo drama, que não queria ir, que não queria passar um momento incrível com o pessoal da sala, que eu era anti-social e blá blá blá blá. Claro, claro, eu não queria ir, afinal, ir pra Buenos Aires deve ser muito chato mesmo!

Incrível a capacidade que as pessoas têm de entender a situação dos outros.

Luísa Freitas - @luisaf29 30 mar

To morta. Simples assim. #paia #surto #ProntoParei

* * *

Estava no quarto comendo um pedaço de bolo depois daquela soneca suave quando minha avó bateu na porta avisando que Théo tinha chegado. Ele costumava ir lá em casa pelo menos uma vez por semana, normalmente aos domingos, e a gente ficava jogando no celular e conversando.

- Desliga essa porcaria, pelo amor de Deus! – ele falou assim que entrou no meu quarto.

- Não é porcaria, é Joy Division – defendi.

Nada mais que o normalWhere stories live. Discover now