Capítulo 7: Silêncio

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Já era noite quando resolvi ligar pra Adriana em casa. O celular dela não atendia e eu estava com um gosto ruim no fundo da língua. Como se tivesse comido um doce estragado.

O telefone chamou umas dez vezes. Aquele TU TU TU quase acompanhava a minha respiração. Caramba, eu devia ter ligado mais cedo. Por que eu não tinha ligado mais cedo?

- Alô.

Era uma voz estranha do outro lado da linha. Tentei ser rápida:

- Oi! Eu queria falar com Adriana. Aqui é uma amiga dela, Luísa.

- A Adriana não pode falar agora. Eu vou dizer que você ligou.

- Fala com ela que não precisa ligar – acrescentei um tanto incerta. – Eu só queria saber se tá tudo bem porque ela faltou na prova hoje e eu fiquei pensando...

- A Júlia faleceu agora à noite.

Eu demorei um tempo para processar. De repente fiquei engasgada e não conseguia mais falar.

Júlia era a mãe da Adriana. Ela tinha esclerose múltipla há muitos anos. Estava em casa nos últimos meses. Lembrei de seu rosto gentil sorrindo pra mim da sala de estar, onde ela costumava ficar quando eu e Adriana estudávamos juntas.

- Eu... eu... sinto muito.

Foi o que consegui dizer.

- O enterro é amanhã às treze horas no Cemitério da Boa Vista. Você pode dar seus pêsames à Adriana lá.

Tu tu tu tu tu tu tu.

A voz do outro lado da linha tinha sumido e eu fiquei estática, ainda com o aparelho equilibrado no ombro. Aquele gosto na boca se tornava cada vez mais amargo.

De repente me vi descendo as escadas correndo, segurando uma bolsa qualquer. Comecei a procurar na gaveta do hall as chaves da porta, mas não conseguia encontrar. Que droga, por que nunca deixavam aquelas malditas chaves no lugar?

Fui até a sala e comecei a procurar na estante. Chaves de casa, chaves de casa... Será que é tão difícil ser organizado nessa casa? Encontrei um chaveiro do Papa-Léguas, sinal das chaves do meu pai. Teria que servir esse mesmo.

- Alguém me leva na casa da Adriana? - comecei a gritar. – Alguém me leva na casa da Adriana?

Ninguém respondia. Deviam estar se arrumando pra ir dormir ou coisa assim.

- Ei! – eu gritei em direção à escada. – Alguém me leva na Adriana? Não? Então estou indo. Vou pegar um ônibus na Estação Pampulha. Ligo quando chegar.

E comecei a enfiar a chave na fechadura da porta da frente, mas a tarefa parecia absurdamente difícil naquele momento.

- Mas que droga de porta! Que porcaria de porta!

Chutei a porta. Bati na porta. Em algum momento, comecei a chorar. Foi quando meu pai veio correndo lá de cima.

- Luísa, Luísa, o que é isso, minha filha? Desse jeito você vai jogar a casa no chão.

- Eu estou indo na Adriana agora. Ligo quando chegar – respondi mecanicamente enquanto surrava o vidro da porta.

- Luísa, o que aconteceu?

Meu pai colocou a mão no meu ombro, mas eu tirei com força. Estava com raiva. Da porta. Da vida.

- Filha, pelo amor de Deus, o que está acontecendo?

Nada mais que o normalWhere stories live. Discover now