Capítulo Quinze

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Três dias após a inundação de homens na casa Macclesfield, Charlotte acordou com um sussurro em seu ouvido. Era sua irmã, Lucy. Charlotte assustou-se. Pensou por um segundo que seria Edward, pois ela estava sonhando com ele. Aliás, nos últimos dias a única pessoa que visitava seus sonhos era Edward Crane.

Mas feliz ou infelizmente, quem sussurrava em seu ouvido era apenas Lucy, a chamando para um piquenique.

Charlotte esfregou os olhos com a costa da mão.

- Não está muito cedo, Lucy? - perguntou sonolenta.

- Na verdade, não. Acho que você passou um pouco da hora. - ela fez uma careta divertida. - Tens dormido muito ultimamente.

Charlotte resmungou algo inaudível, que Lucy apenas presumiu não ser nem um pouco agradável, e levantou-se. Depois de meia-hora as duas estavam arrumadas, cada uma com uma cesta cheia de frutas, pão e sucos, prontas para um piquenique de última hora. Nada havia sido programado, e Charlotte não tinha pensado bem, mas era um pouco estranho. Um piquenique assim tão cedo, apenas com a irmã. Perguntou-se se algo estava errado. Provavelmente não. Lucy não tinha cerimônias com notícias ruins. Quando sua tia Evelyn morreu, Lucy entrou no quarto berrando aos sete ventos que sua tia falecera. Quando foi a vez do pai, ela não berrou, mas não fez suspense. Charlotte peguntou chorando o que havia de errado e ela simplesmente anunciou que o pai batera as botas. Nem um disfarce como "Foi morar no céu" ou "Está com os anjos agora e não voltará mais para casa", levando em conta que Charlotte era uma criança; ela simplesmente soltara: papai morreu. m-o-r-r-e-u. E assim sempre seria, sem cerimônias.

- Lucy? - ela pigarreou. - O que está havendo?

- Ora, nada. - Lucy sorriu sem graça. - Por que pergunta?

- É bem estranho essa ideia de piquenique.

- Claro que não é, Charlie. Não seja boba.

- Não estou sendo boba. - Charlotte falou mais para si mesmo, com a testa franzida num sinal de interrogação.

Chegaram ao local do piquenique minutos depois. Não era longe; apenas uma colina acima. Estenderam a toalha quadriculada na grama e depositaram nela a cesta com a comida. Lucy se apressou em comer uma maçã fresquinha e Charlotte pôs limonada num copo, depois deitou-se na grama. Não conhecia sentimento melhor do que aquele: estar ao ar livre, deitada sobre a grama, com um corpo de refresco ao seu lado e o céu inteiro para si. Se olhasse para cima por muito tempo poderia jurar que ao redor dela só havia a imensidão azul do céu.

Perdida em seus pensamentos, ela foi desperta somente por uma voz grave que parecia ir em sua direção. Pôs a mão aberta cobrindo os olhos e tentou enxergar algo. Só viu um corpo andando graciosamente. Pertencia a um homem, isso ela tinha certeza, mas não sabia que homem. Conforme ele se aproximava, sua visão ficou mais clara e ela pôde ver Linus parado a sua frente, sorrindo de orelha à orelha. Quando olhou para Lucy ela estava com o mesmo sorriso débil no rosto. Charlotte estava um pouco desconcertada, e então demorou um pouco para perceber que Linus trazia algo que não era comida. Pelo menos não para eles. Era uma coisa viva, com pelos macios, orelhas grandes e dentes afiadinhos - os quais ela não queria sentir em sua pele. Era um filhote de cachorro da raça bichon frisé, com pelos fofos todo em branco e o focinho pequeno. Charlotte quase limpou os olhos com a costa da mão para ter certeza que não estava delirando. A imagem de um homem alto e forte segurando um cachorrinho tão minúsculo parecia miragem. Segundo o que Linus disse mais tarde, ele não iria crescer muito e era alegre, saltitante e muito inteligente, capaz de reproduzir truques e obedecer facilmente.

Essas mesmas características - com a exceção dos truques - poderiam ser relacionadas à Lucy naquele momento. Ela estava alegre e saltitante. Muito. Abanava os braços no ar e dizia coisas impossíveis de serem compreendidas, numa voz que imitava um bebê. Linus sorria mais do que quando chegara.

Charlotte levantou-se da grama, limpando a saia do vestido leve com as mãos. Acariciou a cabeça do cachorrinho ainda sem nome e virou-se para Lucy.

- Ele é lindo, Lucy! Mas onde iremos tratá-lo?

Linus respondeu por ela:

- Digam que o acharam correndo por aí e sentiram pena.

- Mas... nossa mãe não irá aceitá-lo. Irá mandá-lo para adoção.

Lucy grunhiu.

- Você pode dizer que é seu, Charlie. Mamãe não rejeitaria isso de você.

Charlotte concordou. Não tinha muita coisa para dizer, não podia protestar. Achou o ato de Linus muito adorável, de uma fofura extrema. Algo que ela queria para si. Ficou feliz pois pelo menos o cachorrinho não seria apenas de Lucy. Ela iria desfrutar do presente da irmã como se fosse dela.

Mas, se aprofundando neste pensamento, o que ela queria mesmo era o ato. Alguém que lhe trouxesse algo além de flores, ou até mesmo um poema. Alguém que aparecesse de surpresa, ou que concordasse em lhe encontrar às escondidas.

Charlotte estava muito calada no meio da conversa, mas Lucy chamou sua atenção.

- Charlie, por que não estás falando? Tive a ideia do piquenique para dar um jeito de vocês se conhecerem. São duas das pessoas que mais adoro no mundo todo. - ela abriu os braços ao dizer "no mundo todo", como uma criança faria.

- Ah, Lucy. Só estou pensativa. - Charlotte cruzou as pernas, endireitando a postura para não ficar curvada ao sentar-se sem encosto. - mas estou aqui, e gostaria de conhecer o senhor. Turner.

- Por favor - Linus estendeu a mão no ar - só Linus. Não suporto quando damas de chamam de Senhor. Sinto-me velho, um ancião.

- O que você não é! - protestou Lucy - Não mesmo.

- Quantos anos tens, Linus?

- Vinte e seis, miss.

- Uma idade um pouco... antecipada para apaixonar-se.

- Será mesmo? Tenho vinte e seis anos, moro sozinho, além dos meus criados. Nunca gostei da vida de libertino; sempre gostei da companhia de outras pessoas, e mulheres em particular me encantam. Por que adiar o coração de se sentir bem quando eu encontrei uma pessoa que me faz feliz? Devo isto à ele também.

- À ele?

Linus apontou para o peito com o dedo indicador.

- À meu coração. Eu devo esta felicidade à ele.

Charlotte sentiu as lágrimas encherem seus olhos no momento, mas não gostou disso. Nunca apreciava sentir-se tão vulnerável.

- Você realmente encontrou alguém que te faz feliz, Linus? - Lucy perguntou com a voz embargada.

- Claro. - disse Linus sorrindo.

Charlotte sorriu timidamente, sentindo-se deixada de lado. Parecia exagero, mas ela fora deixada de lado mesmo, após alguns minutos tentando puxar assunto e ele sempre caindo para o casal. Charlotte descobriu que Linus morava no campo mas não aguentou a solidão de uma casa imensa, sem nenhuma outra ao redor como se via muito na cidade. Sentiu falta de pessoas para conversar, familiares e amigos à quem contar as novidades e angústias, e não se arrependeu de mudar-se para Londres, pois logo nos primeiros dias encontrara Lucy, uma pessoa que ele podia se abrir a qualquer momento.

- Eu só me sinto triste quando penso que casarmos será um obstáculo.

Eloise estava estragando uma parte do romance dos dois, mas não totalmente, pensou Charlotte. Até nisso a mãe conseguia se meter!

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Leia Um Clichê Para Chamar de Meu, da mesma autora. Uma comédia romântica sobre uma escritora independente em busca do seu clichê perfeito; seja na vida real ou na ficção.

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