Capítulo Vinte

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Kate

Mamãe ficou bastante abalada com a notícia, eu sei. Eu senti. Pude ver através de seus olhos vermelhos e pelas lágrimas que insistiam em cair.
Será que ela ainda o ama?
Evan já foi embora, mamãe e eu estamos sentadas na varanda de casa, em plena madrugada. Estamos quietas, bebendo uma cerveja e olhando as estrelas.
- Mãe, como a senhora se sente? - pergunto, preocupada com o seu silêncio.
- Eu estou bem - responde e bebe um longo gole de cerveja; eu faço o mesmo.
- Você vai querer conversar com ele?
Ela me encara.
- Com Paul? - Pensa por um momento. - Nós não temos o que conversar, filha. - Fica séria.
- Você me parabenizou por falar com ele e perdoá-lo. Não acha que deveria fazer o mesmo? - insisto, então ela suspira.
- Meu caso é diferente, Kate. Ele era o meu marido e foi embora. É o seu pai, e não existe ex-pai. Vocês estarão ligados para sempre, entende?
- Sim, entendo - concordo sentindo os olhos arderem. - Eu sinto tanto por nossa história ser assim, mãe! Você sabe... Depois do papai, você se fechou e não quis saber mais do amor.
- Quem disse que não? - Olho-a surpresa. - Eu sempre estive ao lado do meu amor, Kate. O grande amor de minha vida é você, filha.
Olho para minha mãe com gratidão e nós duas começamos a chorar. Ficamos em pé e nos abraçamos, olhando para o céu uma última vez antes de entrarmos para dormir.

Com o passar dos dias, percebi o quanto estou feliz. Tenho um namorado incrível. Encontrei o meu pai e os negócios da lanchonete vão muito bem.
Fui visitar papai mais duas vezes e na última vez mamãe foi comigo.Assim como eu, após ver a sua real situação, ela o perdoou. Nós o acompanhamos ao médico. O câncer está muito avançado, deixa-o bastante debilitado, o que partiu o meu coração.
Em uma conversa séria com mamãe, quando voltamos para casa, no mesmo dia, perguntei se poderia trazê-lo para morar conosco, num quartinho que há no fundo de casa e que não usamos.
Não consigo dormir em paz sabendo que ele está lá sozinho, sem ninguém para cuidá-lo. Acho que evoluí muito em relação a ele.
- Estou tão orgulhosa de você, Kate! - Marie diz, enquanto me observa deitada no divã.
- Sinto que a minha vida deu um giro de trezentos e sessenta graus - comento e ela ri.
- Você percebeu que aceitou o amor em sua vida? - Abro os olhos e sento-me de um jeito confortável; eu poderia ter um divã em minha casa tranquilamente.
- É, eu acho que sim.
- Você aceitou o amor de Evan por você e admitiu que o ama. Também aceitou conversar com o seu pai e o perdoou. Aliás, que história é essa, hein? Eu sou psicóloga, mas fiquei quase sem fôlego.
Sorrio.
- Daria para escrever um livro, não daria? - pergunto brincando. - Realmente me sinto em uma história louca, sabe? E devo tudo ao Evan. Esses últimos meses foram uma verdadeira roda-gigante, com altos e baixos.
- O que ele fez por você é admirável. Embora fosse melhor que a tivesse avisado, acredito que Evan pensou estar fazendo o melhor. Encontrar o seu pai e te dar a oportunidade de curar essa ferida foi uma atitude muito nobre, Kate.
- Na hora eu quis matá-lo, mas depois... eu só pude sentir amor e gratidão - digo sentindo o coração se aquecer.
- E como está o seu pai?
Sua pergunta me faz suspirar.
- A cada dia pior. Ele tenta mostrar que está forte, mas está muito fraco, Marie. Isso está partindo o meu coração. Por isso o levamos para casa, para tentar dar o máximo de dignidade ao que lhe resta de vida. - Uma lágrima escorre em meu rosto.
- Você é um ser humano incrível, Kate. Que bom ser sua amiga.
Marie fica em pé e me puxa para um abraço apertado, como costuma fazer. Mas hoje sinto que é diferente. Ela está emocionada, tanto como psicóloga quanto como amiga.
- Acho que encerramos um ciclo aqui - comenta e me aperta mais ainda.
- E iniciamos outro, não? - Nós nos afastamos, seguramos as mãos uma da outra e ela sorri lindamente.
- O ciclo que você merece, amiga. - Abraçamo-nos mais uma vez antes de eu ir embora.
Quando entro na Ruby, meu celular toca.
É Evan!
- Kate! - fala antes mesmo que eu diga oi.
- Aconteceu algo? Você está ofegante.
- Acabei de sair da audiência. - Desligo o carro e me encosto contra o banco.
Hoje foi a audiência sobre a guarda de Henry. Eu até cogitei desmarcar o meu horário com Marie, mas Evan achou melhor que eu não faltasse. Ele disse que podia encarar aquilo sozinho, mas mesmo assim me sinto péssima por não estar ao seu lado.
- E o que foi decidido? - pergunto, curiosa.
- A guarda de Henry foi passada para mim - diz e faz uma longa pausa. - Minha irmã sai amanhã da clínica e realmente parece bem. Mas eles temem por uma nova recaída e, como cuidei muito bem do meu sobrinho e tenho condições para isso, acharam melhor não adiar o inevitável.
- Agora o pequeno Henry é tipo o seu filho - brinco com leveza, para não o assustar.
- É, sim - limita-se a dizer.
- Como você está se sentindo?
- Eu me sinto... estranho. É como se no fundo eu estivesse torcendo para isso acontecer. Não imagino mais a minha vida sem aquele anjo.
Sorrio diante do que escuto.
- Você é maravilhoso, Evan! -digo sentindo o coração se aquecer.
- Devo muito a você pelo homem que sou hoje, amor.
Ficamos mais uma vez calados.
- E sua irmã? Já sabe disso tudo? -quebro o silêncio.
- Antes de ir para a audiência, fui visitá-la na clínica. Ela meio que já sabia que isso poderia acontecer - explica.
- Mas estava tranquila quanto a isso?
- Aparentemente, sim. Claro que ela ficou chorosa, é o filho dela! Mas minha irmã sabe que dou a minha vida por aquele menino e que nunca vou afastá-lo da mãe.
- Ela sabe o irmão maravilhoso que tem - digo e sinto-o sorrir do outro lado da linha.
- Agora estou indo lá novamente, para contar a ela a decisão do juiz, e depois vou para casa, preparar o quarto de visitas para ela. Quero cuidar da minha irmã, pelo menos no primeiro mês após a sua saída da clínica.
- Eu já te disse que você é incrível? - pergunto.
- Ah, querida! Esse sou eu. Não consigo ser diferente - responde brincando.
- Eu te amo, Evan.
- Eu também te amo, ursinho - brinca me chamando pelo mesmo apelido com que papai me chama.
- Saiba que estarei com você para o que der e vier.
Ele suspira. Será que ficou emocionado?
- Eu sei e te amo mais ainda por isso - diz e depois desligamos.
Fico olhando para a tela do celular durante alguns segundos. A fotografia que está de papel de parede é uma foto que tirei ontem, após termos feito amor loucamente.
Estávamos deitados, suados, vermelhos, descabelados, cobertos e sorrindo. Há brilho em nossos olhos e acho que isso é amor. O amor faz a gente ficar com cara de bobo.
Mas o amor também liberta, salva e traz felicidade. O amor me salvou, salvou o Evan, meu pai, Henry... Salvou muito mais pessoas e relações do que eu poderia imaginar.
Mesmo com o meu pai muito doente e que eu esteja sofrendo por isso, não me permito pensar no pior. Num passado obscuro ele me abandonou, mas não vou abandoná-lo. Vou cuidar dele até o fim. Isso se chama amor.
Evan era o oposto de tudo que me atraía em um homem. Não pelos quinze anos de diferença de idade, mas pela forma como levava a vida. Enxerguei através dele e pude ver o homem incrível que é. Isso se chama amor.
O amor é calmaria, mas também é ímpeto. Ele acalma e queima. Ele cura e arde.
O passado é uma grande ferida, e o amor é a salvação.

Impetuoso (Livro 4) - Série The Underwood's.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora