Capítulo Doze

183 24 1
                                    

Kate
 

Hoje alguns compradores virão olhar a Ruby. Eu me sinto nervosa, ansiosa e triste. Fiquei um mês relutando, mas as coisas pioraram na lanchonete e não aguento mais ver a minha mãe desanimada, para baixo.
— Você não precisa fazer isso, filha! — mamãe ainda tenta me convencer a não vender o carro.
— Sim, eu preciso! — digo sentindo a garganta e os olhos queimarem.
— Sua mãe tem razão — uma voz grave e rouca invade o ambiente.
Evan!
— Oi, Evan! Faz algum tempo que não te vejo mais — mamãe diz e ele sorri sem graça.
— Eu estive muito ocupado — explica e olha para o sobrinho, que está confortável na cinta canguru.
— Fiquei sabendo que esteve ajudando quando adoeci. Muito obrigada, Evan. — Minha mãe sorri e me fita. — Bem, vou limpar a cozinha antes que os clientes comecem a chegar para o almoço.
— Eu te ajudo, mãe —ofereço na tentativa de escapar do homem que mexe tanto comigo.
— Não se preocupe! Fique aí com o Evan, acho que vocês precisam conversar. — Não entendo suas palavras e ela percebe. — Ora, filha! Posso sempre estar trancada naquela cozinha, mas vejo tudo. Principalmente quando se trata da minha única filha. — Sorri, pisca e sai.
— Sua mãe é esperta — Evan comenta, enquanto passa a mão no cabelo do Henry.
— O que você quer? — pergunto, curta e grossa.
— Henry sente a sua falta — sua resposta me faz gargalhar.
— Ele é só um bebê! Nem sabe que eu existo! — digo, exasperada.
— Mas eu sei que você existe. — Ele fica sério, seus olhos verdes penetrando todo o meu ser. — Kate, sei que fui um babaca quando saí com aquela mulher, eu...
— Evan, chega! Eu não quero saber. Realmente não quero saber! — interrompo-o.
— Sim, você precisa saber! — Ele se aproxima. — Eu fiz aquilo para provar para mim mesmo, que não existia nenhum sentimento meu por você.
— Evan... — minha voz quase não sai, estou desesperada.
— Kate, escute! — Ele fica levemente irritado.
— Então me conte, Evan! Conseguiu comprovar que nesse seu coração não existe sentimento por mulher alguma? Muito menos por uma mulher gorda e fora dos seus padrões? — A raiva toma conta de mim.
Após um longo silêncio, que parecia que não teria mais fim, Evan me encara; parece um pouco tímido, respira fundo e se aproxima, quase sussurrando.
— Muito pelo contrário, querida. Eu percebi que sinto algo, mas é difícil para mim. — Ao mesmo tempo que suas palavras me fazem derreter, elas me congelam.
— Porque eu sou gorda... — deduzo num fio de voz.
— Não. — Ele pensa. — É porque faz muitos, muitos anos, que não me sinto assim.
Antes mesmo de eu conseguir falar alguma coisa, um homem baixo e magro chega. É um dos compradores.
— Kate? — pergunta ao se aproximar.
— Sim, sou eu.
— Podemos ver o carro? — o baixinho pergunta e eu confirmo balançando a cabeça.
Graças a Deus esse homem chegou antes que eu dissesse alguma besteira sentimental para Evan.
Preciso fugir daqui, agora.
Percebo que Evan fica em silêncio e nos observa sair da lanchonete. Mas não demora muito e ele nos segue, paralisando em frente a Ruby.
Seu comportamento é muito estranho.
O que esse carro tem de tão especial,ou aterrorizante,para ele?
— Ela não vai mais vender o carro — de repente, Evan se mete em nossa conversa.
— Como não? Eu atravessei Seattle só para ver esse carro! — o homem contesta.
— É uma pena, senhor. Mas ela não vai vender o carro para você e nem para ninguém.
Fuzilo Evan com os olhos.
— Saia daqui, Evan! Você vai estragar tudo! — cochicho mortalmente, querendo matá-lo.
— Kate, querida, como você vai vender para ele se eu cheguei primeiro?
Fico sem reação.Evan só pode estar ficando louco!
— Então você já decidiu comprá-lo? — o homem pergunta a Evan, que sorri de canto.
— Sinto muito, cara, mas eu cheguei primeiro e vou ficar com esta belezura aqui. — Bate no capô do carro sentindo-se o macho alfa.
— Fazer negócios com mulher nunca dá certo! — o homem resmunga.
— Desculpe... — peço sentindo-me a maior palhaça da face da Terra.
O baixinho sai rapidamente, pisando duro, bufando para o Universo. Olho-o se distanciar e tento manter a calma, contando até cem para não esganar Evan.
— E aí, como posso pagar? À vista? Cartão? Transferência? — Evan pergunta animado.
—Não vou vender a Ruby para você! — eu praticamente grito, o que chama a atenção de Henry. — Desculpe, anjinho, você não merece ouvir toda essa merda.
O bebê me olha fixamente e abre um enorme sorriso, fazendo-me sentir ainda mais idiota.
— Diga o valor e eu transfiro agora mesmo para a sua conta — Evan insiste.
— Olhe aqui, pelo pouco que sei, você fugia desse carro como o Diabo foge da cruz! Por que decidiu comprá-lo de uma hora para a outra? — questiono e ele pensa antes de responder.
— Se há uma coisa que aprendi com você, Kate, é a superar alguns medos.
Aperto os olhos com força e mil pensamentos invadem a minha cabeça. Em que momento nos permitimos chegar a esse ponto?
Até semanas atrás, Evan era só mais um macho idiota que ia à lanchonete para beber, jogar e sair com alguma mulher. Lembro-me das tantas vezes que ele me provocou e que caí em suas provocações.
Então, de repente, nos aproximamos e algo mudou. Algo aconteceu e não sei se foi mágico, divino ou um castigo.
—Não quero parecer invasiva ou algo assim, mas eu só aceito vender a Ruby para você se me contar porque esse modelo de carro mexe tanto com você. — Sinto-me um pouco mal por pedir isso, mas é o que o meu coração pede.
Evan respira fundo algumas vezes. Olha para o céu, parecendo buscar alguma força divina para me responder.
Será que é algo tão ruim assim? Agora me sinto a pior das mulheres.
— Olha, Evan, desculpe. Não precisa me contar nada, eu só quero...
— Há mais ou menos vinte anos, conheci uma mulher e me apaixonei loucamente por ela. Um tempo depois nós ficamos noivos e eu me sentia feliz, completo, mesmo sendo jovem. Eu só tinha vinte anos, mas tinha a certeza de ter encontrado o amor da minha vida.
A cada palavra que me diz, fico imaginando as cenas dessa história. Evan já amou alguém? Isso realmente é novidade para mim. Sem contar que me faz pensar em nossa diferença de idade. Eu tinha apenas cinco anos quando ele já era um adulto.
— Ela tinha um carro igualzinho ao seu e o adorava. Toda vez que te vejo falar da Ruby, com tanto carinho e amor, eu a vejo falando.
— Mas o que houve? Vocês não terminaram bem? — pergunto, curiosa.
— Ela morreu. — Sinto-me congelar. — Morreu num acidente, dentro do carro que tanto adorava.
Meus olhos queimam ao tentar imaginar a dor que Evan passou quando era mais jovem. Perder um grande amor para sempre, não deve ser algo fácil.
— Evan, eu sinto muito — é a única coisa que consigo dizer neste momento tão melancólico.
— Já faz muitos anos, já superei. Mas, quando vi seu carro e a paixão que você sente por ele, esses sentimentos vieram à tona.
— Estar em minha presença deve ser uma tortura para você — digo, e isso me soou tão triste.
— Muito pelo contrário, Kate. Ver você me faz sentir vivo. Como há quase vinte anos eu não me sentia.
Eu me aproximo e passo a mão em seu rosto.Sinto a sua pele quente e, pela primeira vez, vejo o homem maravilhoso que há atrás dessa armadura.
— Obrigada por dividir a sua história comigo. — Eu me afasto. — Vou buscar os documentos do carro, anota com o valor e o número da minha conta bancária — mudo de assunto, para evitar que me jogue em seus braços.
Evan sorri e brinca com o sobrinho, enquanto eu entro na lanchonete, praticamente correndo, com o coração acelerado.
Minutos depois, entrego tudo a ele, que parece nem se importar com o valor. Na mesma hora, pega o seu celular e faz a transferência, mostrando-me a confirmação na tela do aparelho.
— Você deve estar se perguntando do que eu vivo, né? — pergunta tirando sarro da minha cara.
— Eu não... Quer dizer, nunca vi você comentar sobre trabalho e tal. — Dou de ombros sentindo-me sem graça.
— Meus pais deixaram uma herança para mim e minha irmã. Eles morreram faz alguns anos, com um intervalo de tempo curto. Desde então, aprendi a investir, fazer aplicações, essas coisas chatas. Também sou sócio em uma grande oficina de motos.
Se fosse outra mulher, estaria encantada em saber que ele é bem-estruturado financeiramente. Mas fico pensando no fato de ter perdido os pais, a noiva e de agora cuidar do sobrinho porque a irmã está internada.
Quanto mais o seu coração aguentará, Evan?
— Bem, pelo menos você não é um bandido — brinco tentando quebrar esse clima pesado que criamos.
— É, eu não sou. — Sorri.
Tiro a chave do carro de dentro do meu casaco e entrego em suas mãos. Neste momento sinto uma dor tão fortecomo nunca senti na vida.
Parece que vou morrer.
— Você pode guardar os documentos e a chave para mim? Depois eu volto para pegar o carro; é que estou sem a cadeirinha do Henry — Evan pede e eu concordo.
Minutos depois o táxi chega e os leva embora. Fico parada igual a uma estátua durante um bom tempo, até que minha mãe me chama para ajudá-la, pois os primeiros clientes já começam a chegar para almoçar.
Agora, tudo o que quero é pagar nossos fornecedores e algumas contas pendentes para, enfim, respirar tranquilamente.
Eu vendi a Ruby por uma boa causa.

Impetuoso (Livro 4) - Série The Underwood's.Where stories live. Discover now