Capítulo Dezoito

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Kate

Achei que toda aquela história de namoro fosse uma brincadeira de mau gosto de Evan, mas hoje pela manhã tive a certeza de que não foi. Não depois daquele beijo quente que ele me deu enquanto me pressionava contra a parede fria do quarto.
Só de lembrar, eu me contorço sobre o banco do carro.
— Está tudo bem? — Evan pergunta enquanto me olha rapidamente.
— Sim, estou ótima! — respondo tentando disfarçar a excitação.
— Você está vermelha — comenta e não sei dizer se sabe o motivo de eu estar assim.
— Olhe para a frente, você está dirigindo! — dou uma leve bronca, apenas para mudar de assunto.
— Minha namorada é brava! — brinca, fazendo-me rir.
Após alguns minutos, Evan vira em uma estrada de terra, em uma área rural da cidade. É um lugar muito lindo, com um extenso campo verde, além de plantações de flores e de alguns legumes, em um pedaço de terra.
Quando o carro para, percebo que há uma pequena casa de cor azul, com uma chaminé cuspindo fumaça. Olho para o lado e vejo Evan sério. Aquela alegria de minutos atrás sumiu. Ele parece tenso.
— Vamos almoçar aqui? Não parece ser um restaurante — digo sentindo que há algo errado.
— Está enganada, querida. Hoje será o melhor almoço de sua vida — avisa e se vira para o Henry. — Eu acho... — sussurra, mas acabo escutando e o acho ainda mais apreensivo.
Saímos do carro e Evan pega o sobrinho,colocando-o na cinta canguru, como sempre. A cada passo que damos, sinto as pernas pesarem e o coração acelerar; o mais bizarro é que não sei porquê.
Assim que paramos em frente a uma cerca branca, desgastada pelo tempo, Evan bate palmas. Então um homem de cabelos ralos e grisalhos sai da casa. Ele para bruscamente, assim que nos vê.
Pressiono com força, contra o corpo, a bolsa pendurada no ombro, como se quisesse me defender de algo ou alguém.
Quase como em câmera lenta, o homem caminha em nossa direção e abre o pequeno portão, dando passagem para entrarmos. Assim que o fazemos, ele entra na casa rapidamente e Evan o segue; eu faço o mesmo.
A casa é simples, sem nenhum luxo. Os móveis são velhos, mas é tudo muito limpo. Evan não tira os olhosde mim, enquanto observo tudo.
O homem também parece tenso, ele olha para todos os lados, evitando nos encarar.
— Evan, o que está acontecendo? — pergunto ansiosa.
— Kate, esse é o Paul. — Aponta para o homem, que agora me olha nos olhos.
Seu olhar se fixa no meu e é como um ímã. Nós mal piscamos. Ele engole em seco e, de repente, seus olhos brilham, marejados.
Parece que o tempo para de passar e tudo fica em câmera lenta, quando os olhos desse homem me lembram de um passado distante. É como se eu já tivesse visto esse olhar.
Flashes do passado invadem a minha cabeça, fazendo com que uma dor aguda atravesse o meu cérebro. Conheço esse olhar... Eu já vi esses olhos antes.
Paul...
Olho ao meu redor sentindo o coração acelerar. E, para a minha surpresa, meus olhos pousam em um porta-retrato com minha foto dentro. Uma foto de quando eu era muito pequena, pendurada no pescoço de um homem.
Paul!
Meus olhos ardem, minha garganta arde e uma tontura me atinge. É a pior sensação que já senti em minha vida.
— O que a minha foto está fazendo aqui? — pergunto pausadamente.
— Kate, fique calma — Evan pede e eu ergo a mãointerrompendo-o.
— Por que esse homem tem uma foto minha com... com... — As lágrimas descem pelo meu rosto.
— Querida, eu tenho essa foto porque sou o seu pai.
É claro que eu já sabia, a esta altura, que esse homem é o meu pai. Mas ouvir isso é como criar outra realidade. Uma realidade triste e cheia de traumas.
Olho para o homem, que tenta se aproximar de mim. Dou alguns passos para trás, mantendo distância.
— Não chegue perto de mim — peço exasperada.
— Meu ursinho, deixe-me explicar tudo o que aconteceu, por favor — o homem pede, quase desesperado.
Ursinho...
Mais lembranças invadem a minha memória e a dor fica ainda mais aguda.
— Não me chame assim! Eu não sou seu ursinho! Não sou nada sua! — grito, fazendo Henry chorar assustado.
Evan embala o sobrinho tentando acalmá-lo.
— Eu só quero uma chance, filha — Paul suplica e eu o ignoro.
— Por que você fez isso? Por que me trouxe aqui? — Mais lágrimas insistem em cair.
— Kate, eu só quis fazer uma surpresa para você — ele responde.
— Surpresa? Parabéns! Conseguiu! — digo e saio correndo.
Escuto Evan gritar o meu nome, mas não olho para trás. Só consigo correr, mesmo sentindo as pernas pesarem mais que chumbo.
Corro o máximo que posso, mas logo escuto o barulho de um carro freando ao meu lado. Continuo caminhando, sem olhar para o lado. Não quero ter que olhar para a cara do Evan.
— Kate! — Evan diz ao sair e bater a porta do carro.
— Não quero falar com você! — tento continuar a caminhar, mas as mãos grandes e fortes dele me seguram.
Olho para o lado do carro e enxergo um pedacinho do Henry, sentado na cadeirinha, no banco de trás. Sinto-me um monstro ao me lembrar de como ele se assustou quando gritei.
— Ei, olha para mim! — Evan ergue o meu queixo e eu fecho os olhos. — Kate, olha para mim! — pede mais uma vez.
— Não quero — digo apertando os olhos com força. — Estou com muita raiva de você.
Ele tira a mão do meu queixo e me puxa para um abraço apertado. Sinto seu corpo quente contra o meu e o seu perfume é muito bom.
— Desculpe. Juro que não fiz por mal — diz e parece chateado.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, mas logo começo a chorar contra o seu peito.
Experimento um misto de sentimentos, é algo surreal.
— Vamos para casa. Paramos para almoçar no caminho — diz e beija o topo de minha cabeça.
Evan pega em minha mão e caminhamos até o carro. Assim que entramos, ele confere se está tudo bem com o Henry e, antes de girar a chave, pensa por um breve momento.
— Não sei se tenho o direito de me meter tanto nessa história, mas gostaria que soubesse de algo.
— O quê? — pergunto sem saber se realmente quero saber.
— Kate, Paul está doente. Muito doente. E acho que o fato de o terencontrado a esta altura é uma chance de resgatarem algo que ambos não tiveram.
Conforme Evan vai falando, absorvo cada palavra. Mas a parte em que ele menciona a doença do meu pai me deixa incomodada.
— O que ele tem? — pergunto.
— Acho que isso você deveria perguntar a ele pessoalmente— responde.
— Evan... — Meus olhos ardem novamente.
— Não sou a pessoa mais sensível e afetuosa do mundo, mas, se tivesse a oportunidade de estar mais uma vez com os meus pais, diria o quanto os amo.
Encaro-o.
— Mas eles nunca te abandonaram!
— Nenhuma família é perfeita — limita-se a dizer.
Evan gira a chave e coloca o carro em movimento. A cada metro de distância que ganhamos, sinto meu coração doer mais.
Por que diabos estou me sentindo assim? Aquele homem não significa nada para mim, ou pelo menos não deveria. Mas por que me sinto triste por estar indo embora? Que dor é esta que atravessa a minha alma?
— Pare o carro — digo e Evan freia, sem entender.
— Você está bem? — pergunta preocupado.
— Quero falar com ele — minha voz sai muito baixa, mas Evan entende, pois sorri discretamente.
— Tem certeza?
— Volte lá antes que eu me arrependa — respondo com determinação.
Evan dá a volta e segue pela mesma estrada, estacionando no mesmo lugar que antes. Paul está parado ao lado da casa, olhando para o céu. Se eu o conhecesse o suficiente, diria que está conversando com Deus.
Assim que desço, uma nova onda de emoções me atinge. Se ele estivesse conversando com Deus, o que estaria falando? Será que seus olhos marejados se devem a mim?
São tantas perguntas! São vinte e um anos sem respostas e agora estou prestes a ter todas elas. Será que estou preparada?
— Katherine, você voltou. — Paul se aproxima com gesto contido.
Olho para trás e vejo Evan, já do lado de fora do carro, apontando para alguma direção, distraindo Henry. Seus olhos cruzam com os meus e sei que ele quer dizer que está tudo bem, que está aqui para o que eu precisar.
De repente, toda a raiva que senti pelo meu namorado se esvai. Realmente acredito em suas boas intenções, mesmo que preferisse que me perguntasse antes.
Mas Evan já me conhece tão bem, mesmo em pouco tempo, que provavelmente não quis arriscar me perguntar, já que a minha resposta seria um grande não.
Volto a atenção para o homem parado a minha frente. Vejo lágrimas escorrerem por sua face cansada. Será que está assim devido à doença? Ele parece tão mais velho do que deveria aparentar, parece realmente cansado.
— Sei que tudo o que eu disser vai te machucar. Sou o homem que deveria estar com você em todos os momentos de sua vida, mas parti o seu coração. Da mesma forma que o meu pai partiu quando abandonou a nossa família.
Fico surpresa diante dessa revelação,não sabia que o meu pai também tinha sido abandonado.
— Sei que nada justifica o fato de eu ter cometido os mesmos erros. Apenas sou o reflexo do homem fracassado que abandonou a esposa e cinco filhos — continua enquanto tento processar tudo.
De fato, sei da existência dos meus tios, todos homens. Nas raras vezes que conversei com mamãe sobre o meu pai, ela mencionou algo sobre ele ter se afastado da família.
—Fiquei com medo de ser um pai ruim e, no fim, cometi os mesmos erros. Fui covarde e fugi de toda aquela responsabilidade, por ser jovem e imaturo. Por ser fraco.
— Mamãe também era jovem e pouco experiente — comento e ele concorda.
— Como eu disse, nada justificará o que eu fiz, e pode ter certeza de que estou pagando muito caro por isso. Minha segunda esposa me abandonou, mas antes roubou tudo o que eu tinha. Tenho essa casa porque era de minha mãe, sua vó, que Deus a tenha. — Ele faz uma pausa. — Meus irmãos me deixaram ficar aqui até que me recupere, para depois a vendermos.
— Evan comentou que está doente...
Ele me olha surpreso.
— Ele não deveria — diz e fica sério.
— E por que não? Acho que mereço saber de tudo, não? Chega de segredos! — minha voz falha.
— Você tem razão, filha. Chega de segredos. — Eu me arrepio ao ouvi-lo me chamar de filha. É um misto de dor e alegria. — Estou com câncer, Kate. Tenho pouco tempo de vida. Quando Evan me encontrou, senti que Deus estava me dando uma última oportunidade de corrigir os meus erros.
Câncer? Sinto as pernas amolecerem e é impossível segurar as lágrimas. Eu odiava meu pai e muitas vezes desejei que estivesse morto, mas, agora que está nessa situação, vejo o quão errada estava.
Não o odeio e não quero que ele morra.
— Perdão, filha. Me deixe partir em paz, sabendo que tive o seu perdão — Paul pede aos soluços.
Quando me dou conta, estou me atirando em seus braços.E ele me abraça apertado, beijando o topo de minha cabeça. Como se estivesse me embalando, sussurra várias coisas, entre elas que sente muito, pedindo perdão inúmeras vezes.
Eu choro como uma criança, porque é assim que me sinto. Neste momento, não sou uma adulta rebelde com raiva do pai que a abandonou, e sim aquela menininha inocente que chorava noites pedindo pelo pai, pelo seu abraço. Este abraço.
— É claro que eu te perdoo, pai.
O homem explode num choro quando o chamo de pai.
— Eu te amo, Kate, eu te amo, meu ursinho.
— Eu também amo você e quero estar ao seu lado neste momento difícil, pai — digo.
Olho para trás e vejo Evan. Está encostado no carro e nos olha com um sorriso no rosto. Não sei se é impressão minha, mas acho que está segurando as lágrimas.
E tudo parece estar voltando ao seu devido lugar.
Reencontrei meu pai, tenho um namorado e a lanchonete está a salvo. Eu me sinto feliz e completa, como há muito não me sentia.

Impetuoso (Livro 4) - Série The Underwood's.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora