Capítulo Dezesseis

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Kate

Não sei por que motivo Evan me fez essa pergunta. Não contei muita coisa a ele, apenas o mínimo; que meu pai abandonou nossa família e que o odeio por isso; que, por causa dele, faço tratamento com uma psicóloga, porque ele me deixou uma marca terrível na alma e no coração.
— Kate? — Evan me chama.
— Por que essa pergunta do nada? — questiono e ele dá de ombros.
— Apenas curiosidade.
Noto que ele fica desconfortável com a minha reação.
— Por que eu iria querer encontrar o homem que me abandonou com quatro anos de idade e partiu o coração de minha mãe? — pergunto sentindo um nó se formar em minha garganta.
— Porque ele é o seu pai? — Evan levanta as mãos, como se fosse algo óbvio.
— Seria como um suicídio... — murmuro.
Os ombros de Evan caem diante de meu comentário. É como se ele tivesse se decepcionado, ficado triste, e eu não entendo o porquê de sua reação.
— Mas você não me respondeu — insiste e eu paro de caminhar abruptamente.
— Não! Eu não quero encontrar o meu pai! — respondo exasperada. — E, mesmo que quisesse, como isso seria possível? Ou você se esqueceu da parte em que ele foi embora e sumiu do mapa?
Evan para a alguns passos a minha frente e se vira lentamente, ainda muito pensativo.
Por que ele está agindo como um idiota esquisito hoje?
— O que está pegando, Evan? Por que você está me fazendo essas perguntas sobre o meu pai? — Cruzo os braços esperando uma resposta aceitável.
Ele dá meia-volta e fica em minha frente. Passa a mão gentilmente em minha cabeça, colocando uma mecha de cabelo atrás de minha orelha.
— Apenas curiosidade, juro. — Sorri fracamente. — Mas, no fundo, acho que você tem medo de conhecê-lo. Toda essa raiva é só seu amor reprimido. Afinal, quem não quer ter o pai ao lado?
Fecho os olhos ao sentir o toque de sua mão em minha face, mas, assim que assimilo suas palavras, viro o rosto, como uma forma de rejeitar tudo o que acabou de me dizer.
— Não quero mais falar sobre isso — digo e viro-me, caminhando pela direção contrária à que estávamos indo.
Segundos depois, percebo que Evan não me acompanha. Olho para trás e o vejo mexer no celular, depois guardá-lo no bolso da jaqueta. Ele parece um pouco triste.
Será que fui muito rude com ele?
— Desculpe, eu estava apenas enviando uma mensagem a um velho amigo — diz ao se aproximar.
Continuamos a caminhar em silêncio. Nada mais é dito, até que chegamos à porta da lanchonete.
— Então eu vou indo, sei que está cheia de trabalho — anuncia e beija o topo de minha cabeça.
— Está bem — digo e um clima estranho surge entre nós.
Enquanto ele se afasta e entra em seu carro novo, repito todo o nosso breve passeio em minha cabeça, ficando ainda mais confusa.
— Kate, Josh disse que vai se atrasar um pouco. Consegue vir me dar uma ajudinha? — Mamãe aparece na porta de entrada.
— Ótimo! Mal o contratamos e ele já está se atrasando. — Bufo e ela sorri.
— Achei que ver Evan te deixaria de bom humor — ela brinca.
— Mãe! — exclamo fazendo-a gargalhar.
Entramos e logo esqueço a conversa bizarra que tive com Evan há pouco, pelo menos por enquanto.
Graças aos bons céus, a lanchonete está com um bom movimento e todas as nossas dívidas estão quitadas. E, no momento, é isso o que importa.
 

 
No dia seguinte, acordo com o meu celular tocando. É Evan!
— Espero que tenha um bom motivo para me acordar tão cedo — digo ao atender.
— Bom dia, Kate! Lindo dia, não é? — cumprimenta animadamente.
O que fizeram com o Evan? Desde ontem ele não é ele exatamente.
— Não sei se o dia está lindo, porque eu estava dormindo. — Sinto-o sorrir do outro lado da linha.
— Você sempre acorda de mau humor assim? — pergunta, e sei que é apenas para me irritar.
— Não! Só quando trabalho até duas da madrugada e vou dormir às três.
— Kate, querida, já são quase nove horas da manhã.
— E?
— E eu quero te convidar para tomar um café. O que acha? — pergunta, ansioso.
— Está bem! Onde te encontro ? — Sento-me na cama, ainda com o corpo mole.
— Querida, você não precisa me encontrar. — De repente, a campainha toca.
— Só um minuto — peço.
Estou vestindo um pijama curto. Coloco o meu roupão preto e saio do quarto para atender a porta.
Onde será que mamãe está? Não a vejo pela casa.
Abro a porta e quase caio dura ao ver Evan parado, apoiando-se no batente. Assim que me vê, seus olhos percorrem o meu corpo e sinto como se estivesse nua diante dele.
Seu olhar é intimidador e selvagem.
— Não precisa me encontrar, porque eu já vim até você — diz com o celular ligado.
Então percebo que ainda estamos em ligação.
Ele sorri lindamente. Um sorriso enorme, de orelha a orelha, com dentes perfeitos e lábios rosados.
Deus! Como ele é lindo!
Evan guarda o celular no bolso e eu tiro o meu da orelha, encerrando a ligação.
— O que você está fazendo aqui? Minha mãe pode te ver! — exclamo me sentindo uma adolescente.
— Sua mãe está ali na lanchonete e já sabe que eu estou aqui.
Arregalo os olhos e penso se minha mãe tem alguma coisa a ver com isso ou não. Essa é uma das desvantagens de morar ao lado do trabalho; todo mundo sabe onde você mora.
— Eu até gostaria de continuar te olhando com esse roupão de cetim extremamente sexy, mas hoje nós só vamos tomar um café e conversar — Evan brinca, dando uma risadinha debochada.
— Você achou que aconteceria algo mais que isso? — Ergo as sobrancelhas, encarando-o.
— Kate, Kate, Kate... Você me surpreende a cada dia mais. — Seus olhos verdes brilham e me sinto vulnerável mais uma vez.
— Bem, já que você está aqui, entre e fique à vontade. Quer dizer, não tão à vontade. — Sorrio e ele faz o mesmo. — Vou me trocar e jogar uma água no rosto. Devo estar parecendo uma bruxa.
— Uma bruxinha muito fofa — acrescenta e se senta em um dos sofás.
Reviro os olhos e saio rapidamente da sala. Ao me trancar no quarto, encosto-me contra a porta e sorrio igual a uma idiota. Meu coração está acelerado e sinto minha pele queimar. É como se um fogo tivesse surgido entre nós.
Sinto-me muito envolvida por Evan. Ao mesmo tempo que quero manter distância, também desejo vê-lo todos os dias. Já não sei como fugir dessa situação ou se realmente quero escapar dele.
Visto uma calça jeans rasgada, uma camiseta do Queen, botas e uma jaqueta de couro. Hoje está um pouco frio, mesmo com um sol lá fora.
— Uau! Você está poderosa — Evan diz ao me ver.
— Para de ser um babaca! — digo e aperto a minha bolsa contra o corpo.
— Gosta de Queen? —pergunta e aponta para a minha camiseta; em seguida fica em pé.
— É a melhor banda de todos os tempos — respondo, pois sou muito fã deles.
— Concordo — diz e saímos de casa.
Quando estamos chegando perto do seu carro, mamãe aparece, com um sorriso no rosto.
— Cuide bem dela, Evan.
— Mãe, é apenas um café. Nós somos amigos — explico quase rosnando.
— Pode deixar, dona Leila. — Evan sorri e entra no carro.
Dou um beijo em minha mãe e também entro.
Após alguns segundos, o carro está em movimento e um som familiar preenche meus ouvidos. Evan coloca Queen para tocar e, enquanto dirige, batuca os dedos no volante e sussurra, cantarolando algumas palavras.
Parece ter o espírito tão jovem, mesmo que já tenha tido muitas perdas na vida. Perdeu a noiva, os pais e, para piorar, sua irmã está internada em uma clínica para viciados em álcool. E, para completar, cuida do sobrinho sozinho.
Acho que pela primeira vez, sinto admiração por esse homem ao meu lado. Evan tem um bom coração e desconfio de que, às vezes, age como um homem das cavernas só para esconder esse seu lado.
— Chegamos! — anuncia ao estacionar o carro em um café muito frequentado em Seattle.
Sweet Coffee? — pergunto, com cara de surpresa.
— Conhece? — Ele se vira para mim, assim que abre o cinto de segurança.
— Sabia que aqui estão as rosquinhas mais gostosas de todo o Universo? — Ergo as sobrancelhas e ele sorri.
— É claro que sei! Por isso te trouxe aqui! — brinca. — Agora vamos tomar um café bem quente e devorar algumas rosquinhas de chocolate com creme.
— Também quero de doce de leite! — digo e sinto a boca salivar.
Saímos do carro rindo como dois idiotas, e como é bom me sentir assim. Estou conhecendo um lado de Evan que jamais imaginei que veria. Na verdade, nem sonhei que esse lado existia. Mas existe. E estou completamente ferrada por isso.
Após entrarmos e escolhermos uma mesa, fazemos nossos pedidos e vejo Evan mais feliz que uma criança. Acho que ele realmente ama rosquinhas mais do que eu.
— Evan... — chamo-o.
— Eu! — brinca e depois me olha fixamente.
Que olhar!
— Gostaria de pedir desculpa por ontem. É... — tento buscar as palavras certas. — É que é um assunto delicado para mim. Gostaria de viver a minha vida sem ter todo esse rancor e raiva dentro de mim. Mas eu simplesmente não consigo.
— Ei, eu sei. Não precisa se desculpar. Eu que forcei a barra um pouco. Só desejo que seja feliz e acredito que você conseguirá ser, mas apenas quando perdoar o seu pai. E um dia, quem sabe, aceitar vê-lo.
Franzo a testa.
— De novo você está falando como se isso fosse fácil — digo e ele pensa por um breve momento.
— Fácil não é, mas não é impossível. — Pisca e sorri.
A atendente chega com uma bandeja cheia de gostosuras e nossos olhos brilham. Isso aqui é como um parque de diversões.
Após bebericar um pouco do meu café e dar generosas mordidas nas rosquinhas, eu me perco em pensamentos. Evan também está pensativo e é impossível decifrar o que se passa por trás dos seus lindos olhos.
— Eu não sei — digo ao soltar a xícara sobre a mesa.
— O que você não sabe? —pergunta confuso.
— Se eu gostaria de vê-lo. Claro, caso isso fosse realmente possível. Não sei se eu teria coragem de encará-lo.
— Você não tem culpa de nada, Kate. Portanto, não precisa sentir esse medo. Você deve enfrentar o medo e entender que, para seguir em frente, precisa perdoar seu pai — Evan aconselha enquanto acaricia minha mão.
— Você parece Marie conversando comigo — brinco e ele não entende. — Marie é minha psicóloga e amiga.
— Longe disso! — Ele sorri. — Não levo jeito para essas coisas, não. Sou uma das piores pessoas para dar conselhos.
— Pois não parece — refuto. — Você é uma boa pessoa, Evan. Pena que deixa as pessoas te odiarem primeiro.
Ele solta uma gargalhada.
— Você me odiava, então? Eu sabia! — Damos risadas durante alguns segundos. — E agora, não me odeia mais?
Fico muda diante de sua pergunta. Não sei o que responder. É claro que não odeio! Muito pelo contrário...
— Bem, você gosta de Queen, gosta das rosquinhas aqui do SweetCoffee, cuida do Henry como se fosse seu filho; também me ajudou na lanchonete quando precisei, comprou a Ruby e me deu de presente... — Dou de ombros. — É, acho que gosto de você, Evan Baker.
Ele abre um sorriso enorme.
— Já é um bom começo, não é? — pergunta e morde mais uma rosquinha.
Não tenho certeza se é um bom começo ou se é apenas o começo do meu fim. Mas, sim, eu já não imagino a minha vida sem Evan.

Impetuoso (Livro 4) - Série The Underwood's.Where stories live. Discover now