A Pílula (versão 2.0)

By ViniciusSRocha

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Se você pudesse deixar de ser gay apenas tomando uma pílula, você o faria? A vida e o relacionamento de Cassi... More

A Pílula está de Volta - (Versão 2.0)
Prólogo
Parte 1 | Capítulo 1: Marcus
Parte 1 | Capítulo 2: Cássio
Parte 1 | Capítulo 3: Marcus
Parte 1 | Capítulo 4: Cássio
Parte 1 | Capítulo 5: Marcus
Parte 1 | Capítulo 6: Cássio
Parte 1 | Capítulo 7: Marcus
Parte 1 | Capítulo 8: Cássio
Parte 1 | Capítulo 9: Marcus
Parte 1 | Capítulo 10: Cássio
Parte 1 | Capítulo 11: Marcus
Parte 1 | Capítulo 12: Cássio
Parte 1 | Capítulo 13: Cássio
Parte 2 | Capítulo 14: Marcus
Parte 2 | Capítulo 15: Marcus
Parte 2 | Capítulo 16: Marcus
Parte 2 | Capítulo 17: Marcus
Parte 2 | Capítulo 18: Marcus
Parte 2 | Capítulo 19: Marcus
Parte 2 | Capítulo 20: Marcus
Parte 2 | Capítulo 21: Marcus
Parte 2 | Capítulo 22: Marcus
Parte 2 | Capítulo 23: Marcus
Parte 3 | Capítulo 24: Cássio
Parte 3 | Capítulo 25: Cássio
Parte 3 | Capítulo 26: Cássio
Parte 3 | Capítulo 27: Cássio
Parte 3 | Capítulo 28: Cássio
Parte 3 | Capítulo 29: Cássio
Parte 3 | Capítulo 30: Cássio
Parte 3 | Capítulo 32: Cássio (antepenúltimo)
Parte 3 | Capítulo 33: Cássio (penúltimo)
Capítulo 34: Cássio e Marcus (Último)
Agradecimentos e Curiosidades
SINOPSE próximo livro: "Os Provocadores"
Próximo livro: O Clube da Cerveja (Romance Gay e Hétero)
LEIA TAMBÉM: Depois do Final Feliz

Parte 3 | Capítulo 31: Cássio

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By ViniciusSRocha

— Filhos da puta! – Lucas exclamou alto no restaurante.

Era a noite seguinte à gravação. Gustavo, minha mãe, ele e eu estávamos jantando. Gustavo acabara de contar a Lucas que a pastora foi uma convidada surpresa para um debate.

— Ele foi bem! – Disse Gustavo para acalmá— lo. – Com certeza os apoiadores dela falarão que ela venceu, que o Cássio foi covarde por ter deixado a pastora falando sozinha, mas foi lindo, senti orgasmos múltiplos com a cara dela.

— Eu não tenho mais raiva dela. – Complementei – Toda a raiva que eu tinha alimentado com os dois vídeos dela acabaram no momento que a deixei falando sozinha. Inclusive pararei de dar audiência ao canal dela. Não vou ver mais nada, não vou responder. É uma página virada em minha vida, já!

— Mesmo assim, caralho, como puderam? – Lucas balançava a cabeça indignado.

— Audiência! – Respondi. – Depois de amanhã você verá tudo o que rolou, espero que eu supra suas expectativas.

— Só de ir lá, cara, todas as expectativas foram supridas. Mas acho melhor falarmos de coisa boa. – Lucas se virou para minha mãe e perguntou. — Dona Irene, a senhora vai participar do protesto?

— Não, vou embora amanhã, preciso voltar pra casa, o pai do Cássio tá sozinho e vou ter que segurar alguma explosão da fera quando o programa for ao ar – Ela falou com pesar.

Gustavo começou a rir sozinho.

— O que foi, lindo? – Perguntou Lucas.

— Lembrei da cara de tacho da pastora – ele respondeu rindo, eu comecei a rir, minha mãe também e depois disso a conversa ficou mais tranquila.

No dia seguinte minha mãe acordou junto comigo. Fui para a faculdade e ela foi para casa. Na faculdade a expectativa de todos estava a mil quanto a minha participação no programa do Júlio Ribeiro. João Paulo contou para todo mundo que eu estaria no programa da sexta-feira. Eu respondia com um enigmático "vocês verão", quando alguém me perguntava como foi.

Gustavo estava a mil na organização do protesto, algo que eu não estava a fim de me preocupar e ele nem fazia muita questão que eu o ajudasse também, Lucas e ele estavam vendo isso.

Quando cheguei em casa naquela noite, resolvi correr, deixei celular em casa e voltei para a pista. Não corria havia algumas semanas, devido a loucura que as coisas ficaram. Depois de uns vinte minutos correndo voltei a sentir aquele prazer inenarrável de endorfina no corpo.

Quando corro é um dos momentos que mais penso em meus problemas e meus erros. Fiquei o percurso inteiro mastigando a burrice que dei de ter falado para o Brasil inteiro que eu ainda amava o Marcus.

Aquilo era a mais pura verdade e era difícil assumir para mim que meu amor por ele não tinha diminuído um centímetro. Além disso, eu não tinha planejado falar sobre ele no programa, mas a raiva que eu senti da Sarah foi tão grande que eu acabei soltando inconsequentemente o maior segredo que mantinha. Não tinha noção de qual seria a reação do Marcus ao assistir aquilo, mas tentei evitar pensamentos negativos.

Quando voltei para casa, ao entrar em meu prédio, o porteiro disse que tinha gente me esperando no corredor do lado de fora do meu apartamento, disse que os deixou subir porque era perigoso que as pessoas ficassem na rua me esperando.

Na mesma hora já tinha certeza que era o Marcus que estava lá, chamei o elevador tenso, minhas mãos tremiam, estava suando e sentia o coração batendo muito forte no peito. A subida do térreo até o sétimo andar nunca pareceu tão longa em minha vida.

Quando saí do elevador e vi que não era o Marcus que estava lá e sim a Chiara, o noivo dela e o Carlos, não fiquei nem um pouco decepcionado, acredito que possa ter ficado até um pouco aliviado.

Chiara veio correndo em minha direção e se jogou com os braços abertos em cima de mim. Cumprimentei Carlos com um abraço caloroso também.

— O que vocês estão fazendo aqui? – Perguntei com um sorriso gigante.

— Viemos participar do protesto no sábado! – Carlos respondeu. – Estamos aqui para te apoiar.

— Decidimos fazer uma surpresa e passar a noite de hoje e de amanhã aqui com você, tudo bem? – Chiara perguntou.

— Não tem problema nenhum! Tenho uma cama de casal e um sofá-cama, quatro dormem aqui tranquilamente. – Falei me sentindo aliviado com a presença deles.

— Vamos dormir juntinhos então – Disse Carlos passando a mão pelo meu peito enquanto falava isso.

— Vamos! A gente pode fazer sexo a noite inteira. – Respondi brincando. – Vamos, entrem!

— Você não tem noção do rebuliço que foi quando saiu o seu primeiro vídeo no grupo de nossa antiga turma na internet. – Dizia Carlos sentado no sofá, enquanto Chiara e eu fazíamos algo para jantarmos. Maykon saiu para comprar refrigerante. – Muitas pessoas chocadas com o fato de você ser gay, acho que ninguém desconfiava. Menos os que foram no seu aniversário quando aquele babaca do seu ex-namorado te tirou do armário.

Veio em minha mente eu falando que ainda o amava em rede nacional como uma facada, senti meu rosto queimando de vergonha.

— Não vamos falar sobre isso, né Carlos! Já tem quase três anos que isso aconteceu. – Desconversei.

— Como vai ser a manifestação? – Ele perguntou.

— Quem tá cuidando disso é meu amigo, Gustavo. – Respondi. — Não quis me envolver tanto com isso não, para ser sincero. Você não tem ideia do quanto me estressei esses dias.

Nesse momento ouvi a TV da sala passando a chamada do programa do Júlio Ribeiro.

"Amanhã no meu programa entrevisto Cássio Prado, aquele rapaz que viralizou na internet acusando a pílula GHX— 100 ou antiqueer de ser uma propaganda enganosa, também falo com a pastora Sarah Malaquias, que é a favor da pílula e só tem elogios sobre ela. Além disso, Cássio e a Pastora debaterão sobre esse assunto e ânimos se exaltarão. Não percam, amanhã às 22 horas no programa Júlio Ribeiro entrevista."

Eu não acredito que você participou desse programa e debateu com a pastora! – Carlos falou assustado.

— Não sabia que iria debater com ela – Falei enquanto picava tomate. — fui pego de surpresa e me ferrei nesse debate, o Gustavo acha que não, mas é algo que acredito que sentirei vergonha pelo resto da vida.

— Nossa, conte, conte, conte o que aconteceu! – Disse Chiara ansiosa.

— Amanhã à noite vocês saberão. – Eu disse.

— Quero spoilers! – Insistiu Carlos.

Alguns minutos depois Maykon que saíra para comprar bebidas chegou carregado de cervejas.

— Vamos celebrar esse reencontro de amigos com álcool. – Ele disse.

Brindamos nosso reencontro e alguns minutos depois finalizamos a janta. Comemos conversando animadamente, a TV ficou ligada e a chamada para o programa do Júlio Ribeiro passou em todos os comerciais.

— Eles estão apostando na polêmica. – Disse Chiara.

— Programa de merda! – Respondi.

— Você não tem ideia de como estou ansioso para ver o que aconteceu! – Disse Carlos. Bebemos madrugada adentro.

No fim da noite Maykon e Chiara dormiram no sofá cama e Carlos e eu dividimos minha cama. No momento que ficamos sozinhos me dei conta de que essa seria a primeira vez desde a noite no karaokê. Não deu trinta segundos que estávamos deitados na cama e Carlos foi direto na jugular..

— Você tinha tesão por mim quando era gay? – Ele perguntou.

— Sim! Sim e não – ponderei – Tipo, você é muito gostoso e eu só consegui transar com aquela menina no meu aniversário porque fiquei de olho em você o tempo todo, mas nunca passaria dos limites contigo.

— Bom saber disso. – Ouvi ele falando – Faz um bem danado pro ego.

— Baixa a bola que você não tá com isso tudo não. – Disse brincando.

— Nunca pensei em você dessa forma, nada contra, mas foi uma surpresa. – Ele disse. – Você podia ter me falado, eu não ia achar ruim.

— Você tem que entender que ser gay e não se aceitar é uma merda, é um período permeado por mentiras para sobreviver no mundo. — Expliquei olhando para ele na penumbra.

— Tudo bem! – Carlos falou com tranqüilidade. — Eu não tô te cobrando sinceridade alguma daquela época. — Ficamos em silêncio por um tempo e ele perguntou. — Amanhã você vai na aula?

— Acho que não – Respondi. – Ao que tudo indica vou perder esse semestre, minha frequência tá uma bosta, minhas notas ruins porque não tô conseguindo focar nos estudos, talvez eu tranque por este ano e volte ano que vem. – Soltei algo que estava em minha mente há alguns dias: Eu  iria me ferrar nesse semestre na faculdade.

Carlos e eu ficamos horas conversando amenidades naquela cama, o papo foi cheio de assunto por termos anos de histórias para contar um para o outro.

No dia que a entrevista iria ao ar muita gente me ligou e mandou mensagem querendo saber o que iria acontecer no programa de televisão. Não quis dizer a ninguém porque me sentia mal com o que tinha acontecido. Chamadas não paravam de passar na televisão.

Fiquei sabendo que a pastora fez mais um vídeo falando sobre minha atitude no programa, mas nem me dei ao trabalho de assistir e provavelmente jamais assistiria. Já tinha passado da minha fase masoquista em que procurava saber da opinião negativa dos outros, elas faziam muito mal a mim e estava muito sensível naquele dia, acredito que qualquer coisa me faria muito mal.

Gustavo me ligou convidando para ir a casa do Lucas para assistirmos ao programa do Júlio Ribeiro juntos, como eu tinha três pessoas em minha casa chamei os dois para se reunir a nós quatro. Ia ser bom ter apoio moral de quem gosta de mim.

A expectativa crescente de todo mundo ao meu lado em relação ao programa era palpável, eu não sabia se era a entrevista ou o protesto que estava me deixando mais ansioso. Maykon fez questão de comprar bebida para assistirmos ao programa e depois de um tempo voltou com muita cerveja, tivemos que descer para ajudá-lo a trazer tudo.

Meia hora antes do programa, Lucas e Gustavo chegaram, o clima era de festinha e expectativa, somente o Gustavo sabia o que iria acontecer. Parecíamos que estávamos em alguma pré-estreia de algum filme há muito esperado. Todos ansiosos para o início do programa. Eu estava com o estômago um pouco embrulhado, não conseguia comer. Bateu um pavor em imaginar que poderiam editar tudo para me queimar.

Quando o programa começou, todos estavam sentados em silêncio com a expectativa a mil, ao fim do primeiro bloco, que não houve nenhuma edição para me prejudicar, todos aplaudiram, falaram que eu estive ótimo e que soube defender bem meu ponto de vista, eu achei que fui inseguro, meio chato e não consegui falar tudo o que devia, em cada resposta dada, via como poderia ter falado melhor.

Quando o segundo bloco começou, tensão total entre todos, foi muito rápida a parte em que eu fiz parte do "debate", eu saí muito rápido, mas todos gritaram de alegria quando deixei a pastora falando sozinha, comemoraram como se fosse um gol da seleção Brasileira em Copa do Mundo. Depois disso, ela fica lá, defendendo sozinha seu ponto de vista visivelmente frustrada, mas não prestamos muita atenção. O pessoal ficou conversando.. Todos que estavam ali, genuinamente acharam que eu tinha feito o melhor possível tirando a pastora de seu centro e a fazendo perder as estribeiras ao sair do palco no meio do programa.

No terceiro bloco, não estávamos nem mais prestando atenção, não era necessário. Ninguém queria saber o que a Pastora tinha a falar. Fiquei tranquilo, todos ignoraram ou fingiram ignorar a parte em que falo que ainda amava o Marcus e se perguntassem eu falaria que era mentira, que tinha inventando isso apenas para desarmá-la em seus argumentos, mas não foi necessário.

Para mim isso bastava, a Pastora Sarah Malaquias já era passado, não me interessava mais saber o que ela falava sobre o assunto ou sobre mim, para os meus amigos eu tinha "vencido" o debate, não nos argumentos e em sua opinião firme que não mudaria, mas em tê-la feito de idiota em rede nacional.

O meu foco se tornou a manifestação no dia seguinte.

Acordei com a Chiara batendo na porta do quarto, tive a impressão que dormi menos de meia hora, mas mesmo assim me sentia elétrico, estava com a expectativa e ansiedade a mil.

Levantei-me da cama fui tomar banho, depois liguei para o Lucas que avisou que tinha conseguido alguns megafones e uma pick— up de um amigo com sistema de som bom para quem quisesse usar o microfone.

Após comermos, Carlos, Chiara, Maykon e eu fomos de metrô para a Praça da República, minha primeira surpresa aconteceu no momento que cheguei na plataforma do metrô, que estava muito cheia para um sábado, e vi vários jovens segurando cartazes enrolados nas mãos, ou com sacolas cheias deles, alguns com camisetas brancas com algumas frases escritas. Uns conversavam animadamente em grandes grupos, outros estavam sozinhos e em silêncio. Senti um arrepio que me deixou eletrizado. Estava acontecendo! Iríamos gritar e mostrar o que pensávamos.

Conseguimos entrar somente no terceiro metrô que parou na estação, o vagão estava lotado, e só via pessoas que iriam participar de nosso protesto. Tentei manter a cabeça baixa o tempo inteiro, para que as pessoas não me reconhecessem, mas foi em vão. Uma moça de uns vinte anos que estava em pé ao meu lado no vagão, olhou para mim e gritou.

— O Cássio está em nosso vagão!

O vagão estava muito cheio. No momento que ela gritou, foi ouvida apenas pelas pessoas que estavam a nossa volta, um rebuliço tomou conta e todos começaram a se virar para verem se eu era eu mesmo.

As pessoas queriam falar comigo, dizer que estavam felizes e apoiando a causa, que torciam para que eu voltasse a ser gay, que se sentiam inspiradas por mim e que sentiam orgulho de ser quem eu era, ou diziam que adoraram o vídeo que já estava bombando na internet em que eu deixava a pastora falando sozinha em rede nacional.

Os minutos dessa confusão de pessoas se revezando para falarem comigo dentro do vagão, me deixou ainda mais elétrico com tudo o que estava acontecendo. Quando chegamos à praça e vi aquele local lotado, com milhares de pessoas de todas as idades, não conseguia parar de sorrir. Eu não tinha noção de quantas pessoas estavam lá, muitos que me reconheciam tentavam me parar para falarem comigo, mas Carlos e Chiara me puxavam para que eu não perdesse muito tempo, já que faltavam menos de meia hora para começamos.

Quando encontrei com Lucas e o Gustavo, os abracei muito empolgado, assim como eu, os dois estavam surpresos com a quantidade de pessoas que estavam prontas para protestarem contra a pílula. Gustavo pegou um megafone colocou na boca e sua voz ecoou para todos que estavam próximos:

Eu vou adorar isso aqui! – Ele falou.

— Nós vamos ficar com esses megafones aqui – Lucas disse a mim – E o Gustavo fica com o microfone. Vamos sair daqui, seguir pelo centro da cidade até a praça da Sé, finalizaremos lá o protesto. Antes de começar vou procurar saber qual a estimativa de pessoas. – Após isso ele saiu.

— Vai gritar aí no megafone? – Perguntou Maykon.

— Vou sim! Tô me sentindo tão vivo neste momento. – Respondi.

— Que coisa grande! Não esperava ver isso tudo nunca! – Comentou Carlos.

Estávamos esperando o momento começar, adrenalina estava correndo pelo meu sangue, as pessoas em volta estavam com os cartazes empunhados prontas para saírem atrás da gente, aguardávamos apenas o Lucas retornar.

— Somos nove mil pessoas aqui! – Lucas informou ao voltar.

— Que loucura! Conseguimos reunir nove mil pessoas! – Eu disse.

— Tá na hora, vamos lá! – Gustavo pegou o microfone subiu ao lado da caixa de som na pick— up, num pequeno espaço que cabia somente ele.

Atenção pessoal! Está na hora de começarmos.

As pessoas mais próximas prestaram atenção.

Fui informado que somos nove mil pessoas aqui!

Gritos vindos de todos os lados. Gustavo continou:

Então está na hora de mostrarmos que essa maldita pílula tem que ficar longe de nosso país, porque vai enterrar na cabeça de todos esses conservadores e homofóbicos de vez a possibilidade de nos respeitar por sermos quem somos. Nós podemos perder o respeito deles porque eles podem argumentar que escolhermos ser gays. Quem aqui é gay e tem orgulho de ser ou é amigo, pai, mãe, irmão, filho, filha de quem é e quer que essa pessoa continue sendo, sem ser oprimido por essa sociedade ignorante e preconceituosa vem com a gente! Vem gritar por nossa liberdade, por nosso orgulho de ser quem somos. Vamos mostrar pra todo mundo que não somos nem queremos ser heteronormalizados e principalmente mostrar que a homossexualidade não é uma doença e que não existe cura pra isso. Vamos mostrar pra essa pastora desgraçada que somos mais fortes que ela, que amamos quem somos e que, podemos sim, impedir que essa merda de pílula seja aprovada aqui no brasil.Vamos todos mostrar pra esses babacas que comentam absurdos homofóbicos em sites de internet ou nas conversas de bar, nas cozinhas das empresas, nas salas de aula ou em qualquer lugar, que os doentes são eles por acharam que precisamos de cura!

Gustavo estava empolgado, o olhar do Lucas para ele era um misto de paixão e admiração, ele tinha um poder magnético quando estava com o microfone, eu podia ficar assistindo ao Gustavo falando por muito tempo.

Fomos andando no percurso e quando ele se cansava de falar puxava algum grito que Lucas e eu ajudávamos nos megafones. Gritamos muitas coisas de que orgulhávamos em sermos gays até ataques aos conservadores. Eu sempre achei esse tipo de grito a coisa mais brega do mundo. Mas ali, no calor do momento, era o máximo.

Ninguém que estava próximo do carro me tratou como um revolucionário ou como alguém diferente dos nove mil que ali estavam gritando pelo seu orgulho em ser gay e contra a pílula. Eu era mais um, que somava no meio de tantas pessoas que não viam problema algum em gostar de pessoas do mesmo sexo.

Eu estava muito feliz naquele momento.

Quando paramos no ponto final, Gustavo esperou grande parte das pessoas terminarem o percurso, que continuava animado e assim que o pessoal foi se aglomerando na praça, ele pegou o microfone e começou:

Eu tô arrepiado aqui, pessoal! Muito bom ver esse povo lindo, aqui, gritando e fazendo valer nossa voz, mostrando pra esses filhos da puta que não abriremos mão de um estilo de vida lindo que é esse nosso. Não vamos dar razão a esses conservadores que acham que somos criminosos ou que iremos destruir a família tradicional brasileira somente por gostarmos de pessoas do mesmo sexo. É ridículo isso, eu fico envergonhado por eles. Não entendo porque tem tanta gente preocupada com nossa vida sexual. É lindo vermos que estamos unidos, que estamos juntos para mandar um grande foda-se. Eu tô muito orgulhoso de ser quem eu sou e estou muito feliz em ver que vocês também têm orgulho de ser quem são. Muito obrigado mesmo por terem vindo aqui, tirado um pouco do seu tempo nesse sábado ensolarado para fazer parte dessa manifestação. Muito obrigado mesmo!

Palmas, assovios e gritos foram ouvidos de muitos dos que estavam presentes.

Para finalizar, vou chamar uma pessoa que é uma engrenagem muito importante da luta contra a aprovação dessa pílula aqui no brasil. Pessoal, aplaudam meu amigo, Cássio!

Eu não queria pegar no microfone nem falar nada, mas depois que ele me chamou não tinha como eu falar não. Gustavo desceu do pequeno espaço ao lado das caixas de som na pick— up e eu subi em seu lugar. As pessoas estavam aplaudindo muito.

Oi, pessoal! – Pigarreei para clarear um pouco a voz, o barulho das pessoas diminuíam um pouco. – Estou vivendo um momento muito feliz da minha vida, vendo vocês aqui, gritando e batendo no peito o orgulho de serem gays, lésbicas, transexuais e simpatizantes. Muito obrigado mesmo pela presença de vocês, eu não tenho muito a falar, porque meu amigo Gustavo já disse tudo, mas vou ser breve e comentar algo que está passando em meu coração neste momento. Eu nunca tive tanto orgulho na minha vida em fazer parte de um grupo de pessoas, como estou tendo neste momento, de fazer parte da comunidade gay. Posso não ser mais gay, mas sou um simpatizante, um ex-gay, tanto faz, que apoia demais essa causa. Saibam que estou muito feliz por vocês e espero que eu sirva de mau exemplo a não ser seguido! Obrigado! Voltem para a casa em paz e tranquilos. Vamos mostrar que esse protesto foi exemplar e que não precisamos de violência para fazer valer nossa opinião. Tchau!

Desliguei o microfone, Lucas, Gustavo, Carlos, Chiara e Maykon vieram em cima de mim e me deram um abraço coletivo. Lucas se despediu e disse que iria embora com o dono da pick— up e do som e que em pouco mais de uma hora se encontrava conosco. Estávamos morrendo de fome e decidimos ir a uma hamburgueria que tinha ali perto chamada Ponto do Hambúrguer.

No caminho até lá as pessoas passavam por mim e me cumprimentavam, me abraçavam, me desejavam felicidade, tiravam fotos e eu apenas agradecia com um sorriso gigante no rosto.

Quando chegamos à porta da hamburgueria, ouvi uma voz conhecida me chamando:

— Cássio! — Virei-me para dar de cara com Marcel, que não via há anos. — Oi! – Ele disse e me deu um abraço. Achei estranho o gesto, por isso fiquei paralisado com o abraço dele. – Cara, lembra de mim, né?

— Lembro sim, o amigo do Marcus que me odiava.— Falei sem pensar.

— Isso mesmo, que te odiava no passado! — Ele me olhou empolgado. — Cara, parabéns por isso tudo! Muito feliz em ver que eu estava errado sobre você, após tudo isso que você armou

— Obrigado. – Disse realmente satisfeito.

— O Marcus tá aqui – Ele disse. Senti automaticamente um frio na barriga — A gente tentou se aproximar de você, mas não conseguimos, chegamos tarde e estávamos muito atrás no protesto. Ele quer muito falar contigo!

Ontem à noite eu tinha dito em rede nacional que eu ainda amava o Marcus e hoje ele estava me procurando. Eu iria morrer de vergonha de falar com ele, mas não podia deixar passar batida essa oportunidade.

— Claro que quero falar com ele sim! – Falei. — Alias Marcel, naquele debate ontem, quero te informar que eu não estou apaixonado por ele.

— Não importa cara! – Ele abanou a mão — Foi legal você ter dado aquele choque nas pessoas falando que a pílula pode deixar de fazer você homossexual, mas que não manipula seus sentimentos. – Ele disse sorrindo e colocou a mão em meu ombro. – Eu vim ao banheiro aqui, não consigo fazer nada nesses banheiros químicos, o Marcus tá com o marido dele um pouco longe daqui, me passa seu telefone para que eu possa te localizar assim que eu estiver com ele.

— Ok. – Passei meu telefone. Confesso que quando ouvi que o Marcus tinha um marido, senti como se tivesse levado um tapa bem violento em minha cara, mas o nervosismo de falar com ele mais de um ano depois de nossa última conversa foi maior.

— Cássio, nós vamos entrar, guardamos um lugar para você, ok? – Disse Chiara, que entrou na hamburgueria junto com os demais.

— Vai lá! – Marcel deu um tapinha em meu ombro. – Te ligo daqui a pouco, assim que me encontrar com Marcus.

Fiquei parado vendo o Marcel sumir no meio das pessoas. Entrei na hamburgueria, todas as mesas estavam cheias. Chiara, Gustavo, Maykon e Carlos estavam perto das imensas paredes de vidro que circundavam toda a lanchonete. Ficamos quase uma hora lá, entre o pedido, comendo e conversando sobre como foi o protesto. Eu olhava para meu celular a cada dois minutos para me certificar de que eu não tinha perdido uma ligação do Marcel.

Observando pelos vidros imensos que davam para fora, vi que a movimentação era muito grande, muitas pessoas que saíram do protesto ainda estavam andando pelos arredores.

Quando decidimos pagar a conta e ir embora, o nervosismo em ver o Marcus se transformou em frustração, já que havia passado tempo o suficiente para que Marcel o encontrasse e que viessem atrás de mim. Ao passar pela porta de vidro e ir para a rua, notei três jovens andando de mãos dadas, uma mocinha de uns 18 anos, com dois rapazes ao lado, aparentemente da mesma idade que ela, notei em seu olhar obstinado e sorriso largo ao me ver, que ela viria falar comigo, por isso apenas fiquei parado esperando ela se aproximar.

— Oi! – Ela disse quando chegou perto o suficiente.

— Oi? – Respondi com um ar de curiosidade.

— Meu nome é Lara e esse aqui é o meu irmão gêmeo Ismael — disse ela olhando para o rapaz que estava segurando sua mão direita – e esse aqui é o nosso melhor amigo, Iran. – ela olhou para o rapaz que segurava a sua mão esquerda. – Meu irmão quer falar com você.

O rapaz que estava segurando sua mão direita ficou vermelho.

— Eu queria agradecer – Ele disse com a voz insegura – Pelo vídeo que você fez, depois que vi, percebi que ser gay não é ruim e me assumi para minha irmã e meu melhor amigo.

A sensação maravilhosa que encheu meu peito era indescritível, era tão bom poder ajudar um rapaz que devia ter passado pelos mesmos problemas que eu quando tinha essa idade, meus olhos marejaram.

— Que isso cara! Não precisa agradecer! – Respondi.

Nisso ele soltou a mão da irmã e me deu um abraço, o abracei de volta e ele disse em meu ouvido.

— Agora preciso saber se meu amigo também é gay, porque eu sou tão apaixonado por ele[¹].

— Não esquenta – Respondi baixinho no ouvido dele e dei uma olhada para o amigo que nos olhava com um ar de curiosidade. – Isso acontece e se ele não corresponder seu amor, em pouco tempo você encontrará alguém que corresponda, tá? Eu já passei por isso.

— Obrigado! – Ele me soltou do abraço.

— Eu que agradeço. – Respondi.

— Quer tomar uma cerveja com a gente? – Perguntou Lara apontando para a porta da hamburgueria.

— Não, acabei de comer. – Respondi sorrindo.

— Vamos lá então, tchau! – Ela disse.

— Valeu, cara! – Ismael falou. E os três entraram.

Voltei-me para meus amigos que estavam parados ao meu lado, Gustavo um pouco distante ao telefone, Carlos, Chiara e Maykon próximos observando os três amigos entrando na lanchonete.

— Quantos fãs, Sr. Prado. – Brincou Carlos. Apenas ri em resposta. Gustavo desligou o celular, veio até nós três e disse:

— Vocês podem esperar aqui uns cinco minutos? Lucas tá vindo para cá, disse que estaremos aqui na porta do Ponto do Hambúrguer.

— Por mim tudo bem! – Respondi. Era mais uma desculpa para eu ficar por lá e, quem sabe, ver o Marcus aparecendo atrás de mim.

Olhei para dentro da lanchonete e observei os três amigos se sentando em uma mesa, eles conversavam animadamente, vi meu reflexo sorrindo ao observá- los. Ismael me viu e deu uma piscadinha. Pisquei de volta.

Senti uma mão firme pegando em meu ombro e uma voz grossa falando.

— Mas que prazer ver você parado aqui! – Com uma ênfase bem grande na palavra "prazer".

Virei-me e vi a cara do metrô, Érique, lindo, barbudo, forte e com uma regata que valorizava os braços gigantes e cheios de tatuagens. Ele veio me abraçar e o abracei de volta.

— É hoje que você vai me dar uma chance! – Ele afirmou sorrindo.

Eu soltei o abraço e disse rindo:

— Você  não desiste, hein!

— Acho que estou destinado a reverter aquela pílula que você tomou! – Ele respondeu com um sorriso bem cafajeste. – Me dê só uma chance que você vai ver, te encontrei aqui não foi por coincidência.

Antes que viesse alguma resposta em mente, vi que o Lucas acabara de chegar e estava conversando com o Gustavo.

— Vem aqui comigo! – Puxei Érique pelo braço e fui em direção aos dois.

— Olá Lucas! – Eu disse.

— Cara, tava vendo algumas notícias, vários portais comentando positivamente do nosso protesto. – Lucas disse muito empolgado.

— Que ótima notícia! – Comentei animado. – Depois vou ler tudo!

Notei o olhar do Gustavo para Érique e aproveitei a deixa.

— Esse aqui é meu amigo Érique ele é piranha como vocês dois. Conversem. Érique eles são um casal que curte um convidado – Disse empurrando o grandão para falar com meus amigos.

— Adoro casais! – Comentou Érique já sorrindo e olhando os dois de cima a baixo.

— Calma que não somos pedaços de carne! – Disse Lucas para Érique.— Para pegar nós dois aqui tem que fazer por merecer. – Mas já notei no olhar do Lucas e do Gustavo e tive certeza que os três estariam transando no final da noite. No máximo Lucas ia falar que eles precisavam tomar um vinho, conversar, mas sabia que os três ficariam juntos. Eram tudo farinha do mesmo saco. Comecei a rir ao ver os três já engatando uma conversa, mas não pude acompanhar o desenrolar do que eles falavam porque meu celular tocou, era um número desconhecido. Implorei para que fosse o Marcel ou o Marcus.

— Alô? – Atendi com o coração indo a mil.

Cássio? É o Marcel! – Senti alivio... depois mais tensão.

— Oi Marcel! – Falei com a voz firme.

Desculpe a demora, mas o pessoal estava comendo em uma lanchonete, e tá tudo muito cheio aqui, até sermos atendidos demorou um pouco. – Ele falou.

— Tranquilo! – Respondi, tentando dar um ar muito casual no que disse.

Então, onde você tá? – Ele perguntou.

— Tô em frente àquela hamburgueria que nos encontramos, Ponto do Hambúrguer. – Respondi.

Estamos perto! Aguenta aí que chegamos em menos de dois minutos. – Marcel informou.

No momento que tirei o celular do ouvido, Carlos que estava conversando com Chiara, próximo, se vira para mim fala:

— Vamos embora?

— Calma, tem um amigo meu vindo aqui falar comigo. – Falei tentando não transparecer meu nervosismo.

— Ok! Você tá muito pop agora! Toda hora aparece alguém para falar com você. – Carlos comentou com um sorriso e voltou-se para falar com Maykon e Chiara.

Minhas mãos tremiam, estava olhando para todos os lados para ver de onde ele viria. Mais de um ano que não conversava com o Marcus e eu estava prestes a saber qual a opinião dele sobre todo esse circo que armei.

Durante o tempo que aguardei a chegada do Marcus, o tempo se alargou, tudo começou a ir em câmera lenta. Vi Carlos, Chiara e Maykon conversando bem próximos a mim, rindo e bem tranquilos. Olhei para Lucas e Gustavo, eles estavam de costas para mim, virado para Érique que estava sem camisa e escorado no vidro da lanchonete mostrando as tatuagens no peito e no abdome definido. Daria tudo para ver a cara dos dois naquele momento, tentei ver pelo reflexo no vidro da lanchonete, mas não consegui, observei o trio de jovens que me cumprimentou brindando com garrafas de cerveja em punho dentro da lanchonete, os olhos do menino que disse que era gay estavam brilhando ao olhar para o amigo. Perguntei-me como todos podiam estar tão tranquilos e animados enquanto eu estava extremamente tenso à espera do Marcus.

Olhava para todos os lados ansioso, esperando vê-lo e finalmente o vi. Ele e o Marcel se aproximavam, eles vinham um pouco longe ainda, estavam no início da quadra, mas mesmo há uns cem metros de distância, o jeito de andar do Marcus era muito característico para que eu confundisse.

Então tudo aconteceu muito rápido, um barulho muito alto, cacos de vidro voando para cima de mim, gritaria, pessoas correndo e o alarme dos carros em volta começaram a disparar. Fui jogado ao chão. Naquele microssegundo não entendi o que estava acontecendo, mas alguém explodiu uma bomba na hamburgueria. 

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1 - Lara, Ismael e Iran são os três protagonistas do meu livro Clube da Cerveja que se encontra aqui no Wattpad também. Quer saber se o amigo de Ismael corresponde o amor por ele? Só ler ;)

Se você chegou até aqui neste livro tenho muito a agradecer. Faltam apenas três capítulos para fechar a história do Cássio e do Marcus e para quem leu a primeira versão do livro, saiba que o último capítulo foi estendido :)


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