A aurora dava o ar de sua graça em tons laranja e violeta e eu continuei ali, a correr, alienado ao tempo.
Mantive o ritmo seguindo o trajeto demarcado há muito tempo para as rondas, uma coisa desnecessária já que desde a batalha sombria não havia mais sinal da existência de leviatãs.
Mas era uma maneira de gastar o tempo e evitar agir precipitadamente, precisava por os pensamentos em ordem, pensar de forma mais objetiva, mas a fúria continuava a instar meu caçador a vir à tona, continuava a me fazer enxergar tudo vermelho.
Não estava bravo com Jena, nunca delegaria a ela qualquer culpa, e mesmo sabendo que a ratazana de minha irmãzinha tinha feito de propósito para me causar uma sincope nervosa, também não estava bravo com ela.
Minha raiva era da situação, do maldito lobo que tinha reivindicado a alma de Jena para si quando não tinha esse direito.
Ela tem outro companheiro...
A frase ficava martelando em meus ouvidos, roendo minhas entranhas como ácido. Mas o significado dela para mim era completamente diferente, Jena não tinha outro companheiro, ela foi vítima de uma coisa cruel, aprisionada contra sua vontade, presa pela alma... Uma violação das regras naturais tamanha que não dava para encaixar em nenhum pensamento.
Nunca fui bom para lidar com a raiva, por isso eu precisava ficar longe, gastar energia e pensar sobre toda essa merda.
Pensar que dentre os lobos que tinham costumes semelhantes em relação a união de companheiros existiu um alfa que ofertou Jena aos seus lobos como se fosse um mero pedaço de carne fazia com que a sede de vingança viesse com força.
Mas se vingar de quem? O lobo nem mais existia.
Kinag... Eu sempre tinha ouvido falar sobre ele e suas crueldades, sobre a maneira torta com que ele guiava sua matilha, mas ouvir não era o mesmo que ver.
Em minha tenra idade sombria não pude participar das guerras, no ápice da mesma fui posto a dormir como meio de proteção e só recebi a ordem de sublevação quando apenas focos de batalhas aconteciam, e mesmo nessa época não participei de nada, só me era permitido participar das notícias que chegavam.
Na época eram conversas que muito me interessava e inclusive fascinava. Pois meus irmãos viveram essa época obscura, puderam participar de perto e lutar contra isso enquanto eu, novo demais para tal apenas ouvia o nome dele que era citado muitas vezes, justamente pelo grau de sua crueldade.
Na época quando ele foi derrotado pelo próprio filho me contentei em saber que tal inimigo dos sombrios não mais caminhava na terra. Sentia um tipo de orgulho por meus irmãos terem lutado contra a matilha dele e ficava decepcionado quando eles contavam que a guerra da Supremacia os forçou a uma trégua até eliminar o perigo maior para as raças que eram os leviatãs.
Então as coisas acalmaram quando as raças assinaram o Tratado.
Tudo isso, as histórias sobre o pai de Laican sempre me enojaram e fascinaram a mesma medida, mas nunca, até agora eu tinha imaginado que eles forçavam o laço de companheiro.
Isso não era muito diferente do que os humanos faziam na época do rei Júlio onde vendiam suas mulheres, leiloando as virgens e negociando as já "usadas".
Não, não era diferente, o que Kinag fazia era desrespeitoso e cruel, pois mesmo não vendendo as lobas, ele as oferecia como troféu para seus melhores lobos, como reconhecimento por sua lealdade.
A desculpa para começar essa prática? Havia menos chances de se encontrar companheiros, porque a guerra reduziu a raça Lican para menos da metade, era isso o que o pai de Laican dizia.
Cuspi no chão sentindo nojo de ter tido um vizinho tão maldito, como ele conseguia tratar a própria raça assim?
Eu já devia estar calejado de ver tanta crueldade, mas não se acostuma a tal coisa, pelo menos eu não conseguia aceitar, e pelos antigos... Jena tinha sido vítima desse...
Vingança...
Meu peito inflamava e eu só conseguia pensar nisso, em me vingar e pensar assim não era bom, nem para mim nem para a amizade que existia entre os lobos e os sombrios.
Eu precisava de mais tempo para separar vítima e carrasco, Jena não tinha culpa, nem mesmo Laican ou os seus, era uma prática que tinha acontecido e morrido junto com Kinag, eu tinha que me lembrar disso para não rumar até lá.
Mas não sei como agiria se encontrasse com ela agora e eu não podia estragar tudo agindo de modo precipitado.
Um confronto com ela, um monte de perguntas motivadas por raiva poderia ser interpretado de forma errada, ela poderia pensar que eu a culpava e jamais queria colocar esse tipo de peso em cima da minha companheira.
Jena podia ser forte, a alfa de uma matilha, mas ainda havia fragilidade dentro dela, eu já a conhecia e tinha testado suas barreiras o suficiente para saber que ela sofria, então não seria justo trazer a tona as coisas assim, em um confronto infantil, eu devia protegê-la e esse instinto nunca foi tão forte como agora.
Protegê-la de mim mesmo por hora.
Pela primeira vez um instinto cru me dizia que deveria pensar muito bem antes de agir.
Um passo em falso e poderia destruir toda a frágil construção de relacionamento com a lobinha e ela, nesse momento era tudo que me importava, mesmo que eu tivesse que engolir uma lagoa inteira de sapos para resolver esse problema, eu faria por ela e por mim.
Parei no lago e respirei fundo, por um longo tempo fiquei observando a mansão ao longe.
Pensei em meus irmãos, Rael e Nicolae, ambos estavam lá com suas companheiras.
Hoje estavam em paz, Nicolae as voltas de Diana e sua frágil gestação, Rael com Eva nas covas mais profundas da mansão passando o primeiro decênio de minha sobrinha.
Quem olhasse para os dois não diria que ambos lutaram na guerra da Supremacia, que tiveram contato mais próximo tanto com Kinag e sua matilha.
Eles participaram de perto de um momento sangrento da história, tinham visto de perto os costumes dos lobos e as práticas bizarras de Kinag e era essa minha esperança, com a experiência que tinham eles poderiam me dar uma luz nesse momento de escuridão.
Se eles não soubessem algo então... Ninguém mais saberia.
Sentindo uma súbita esperança, iniciei uma corrida veloz. Hora de buscar conselhos sábios para não fazer merda.
Ai ai, está tão bom deixar a história seguir o próprio rumo sem forçar acontecimentos, pois assim sem me obrigar a fazer as coisas acontecerem, estou conseguindo escrever melhor.
Quem aí lembra de Diana e Nicolae? Lembro das cobranças para o primeiro beijo do casal hahaha, levou uma eternidade, mas na época estava tudo prontinho e engavetado há anos, e minha maior pressão era postar o mais rápido possível porque eu estava desesperada para chegar logo na parte romântica, ( devido a pressão e juras de ódio de meus lindos leitores ) e ainda assim, apesar de tanta reclamação, vocês seguiram comigo, e esperaram se não me engano 63 capítulos para ver o famigerado capítulo do primeiro beijo. E para os dois terem sua primeira noite então? Minha nossa, nem quero lembrar porque foi lá bos cafundós do livro kkkkk
Então peço a mesma paciência gente. Não quero colocar a carroça na frente dos bois, as coisas vão acontecer como meu cérebro exigir, pois como eu disse, não dá para adiantar nada, se eu atropelar tudo vai ficar raso, apressado e forçado. E tudo o que eu quero é trazer o melhor último livro da saga para vocês.
Me lembro quando terminei Sanoar, o tempo que levou para eu pensar em algo legal e no fim até hoje me orgulho do final que dei aos meus Cavaleiros Alados, quero tentar a mesma proeza aqui, pois o Tratado merece, vocês merecem.
Um beijo meus leitores românticos :*