Ana:
O quarto estava cheio de policiais, dois delegados e a segurança do hospital. Eu estava tão perdida e nervosa, que Diane me levou até outro quarto vazio e me sentou na cama alta, e eu só notei quando ela ficou me chamando várias vezes, estalando os dedos.
- Já pedimos as câmeras do hospital, é claro que vamos verificar quem fez isso.
- Diane, ela foi sequestrada! Você consegue imaginar o que podem estar fazendo ou já terem feito com ela?! A Luísa é delegada, esse povo não tem pena nem de cachorro, imagina de uma delegada, caralho! - Eu estava gritando e com a garganta ardendo.
- Não podemos pensar no pior, Ana! Nós vamos encontra-la e ela ficará segura.
- Segura? Como ela vai ficar segura se tinha um policial na porta e mesmo assim a levaram? - Eu fiquei de pé e andando de um lado para o outro. - Se eu encontrar esses bandidos, eu vou mata-los.
- Primeiro precisamos encontrar ela. E também preciso que se acalme.
- Muito fácil falar, não é o amor da sua vida, a pessoa com quem você é casada e tem filhos. O que eu vou falar quando ver as crianças?! Que a mãe deles foi sequestrada por uma facção?
- Vai falar nada, até porque ela estará com vocês. Beba um copo de água. - Ela me entregou um copo de vidro e o joguei na parede.
- EU QUERO SABER ONDE ESTÁ A LUÍSA, PORRA!
A porta se abriu e por ela entraram minha mãe e Raquel. Elas estavam nervosas e logo abracei-as.
- Onde estão os meninos?
- Cecí levou para tomar sorvete, algo assim. - Raquel me puxou para a cama e sentamos. - Nós ficamos sabendo e viemos o mais rápido.
- Eu quero saber onde está a minha esposa... - Choraminguei.
- Você vai encontrar, fique tranquila e vamos rezar. - As mãos dela me tocaram e sorri de lado. - Só preciso saber notícias corretas, estou indo para a casa da mãe dela e precisarei dar a notícia.
- Tem certeza, mãe? - Raquel perguntou.
- Claro, a mãe tem direito de saber sobre a filha. Com quem eu falo?
- Comigo, pode vir que vou falar o que deverá ser repassado para ela.
Diane saiu acompanhada dela e Raquel continuou ao meu lado.
- Sou péssima em confortar pessoas, não sei nem o que falar além de que tudo vai ser resolvido...
Ela me abraçou e eu fiquei ali por um longo tempo, só era necessário alguém que me ama ali meu lado. Mesmo sendo a Raquel, eu queria que fosse Luísa.
***
Luísa:
Após Ana sair, troquei o canal da TV e fiquei assistindo um documentário antigo sobre Michael Jackson. Por estar cansada da mesma posição, me deitei de lado, de costas para a porta e rezei para que nenhuma enfermeira entrasse e brigasse comigo.
Um tempo depois escutei a porta abrir e imaginei que fosse alguém do hospital, pois era evidente que não teria dado tempo de Ana ir em casa e voltar.
- Eu estava...
Antes de voltar a posição anterior, colocaram um pano pra cobrir minha boca e nariz, tentei não respirar, mas parecia que tinham enfiado todo o produto no pano. Tateei a cama em busca de algo para usar, mas não encontrei.
*
Acordei em cima de uma cama pequena, um quarto escuro e até limpo. Estava sem soro, porém com um curativo na marca que a agulha ficava. Observei o ambiente e tinha um armário branco com uma bandeja de frutas. Senti minha barriga roncar e me segurei para não atacar o que tinha ali.
- Ana? - Chamei baixo e depois levantei.
Andei pelo quarto e passei a mão no corpo. O curativo estava nos dois lugares, quanto no peito e minha cabeça continuava enfaixada, era o mesmo curativo do hospital.
Fui até a porta e coloquei o ouvido tentando escutar algo, mas não escutei nada. Olhei pela brecha e notei que estava trancada, então não tentei abrir para que continuassem achando que eu estava apagada.
Olhei para outra porta e notei que estava entreaberta, quando me aproximei percebi que era apenas um banheiro. Escutei um barulho alto vindo do lado de fora do quarto e voltei para a cama.
Alguns segundos depois, escutei a porta abrir. Escutei alguns passos até mim e provavelmente me observou por alguns segundos.
- Ela está dormindo. - Uma voz masculina e grave, porém conhecida falou bem perto de mim.
- Você exagerou, cara! Ela vai ficar apagada por um tempão! Seu inútil. - A outra voz eu não reconhecia, mas também era masculina.
- Mais tarde a gente vem aqui, OK?
- Sim, agora vamos, precisamos encontrar a Maya.
Escutei os passos se distanciarem e abri um pouco dos olhos e reconheci Maurício, um dos policiais da PF que trabalhava comigo. Fechei os olhos novamente e esperei que trancassem a porta. Ainda permaneci um tempo deitada até que tivesse certeza que tinham ido embora.
Levantei novamente e fui até o banheiro. Vi que tinha uma janela de tamanho médio, onde meu corpo passaria, mas teria que fazer um pequeno esforço. Lá fora haviam muitas árvores e galhos secos no chão. Eu ainda estava descalça, sequer tinha chinelo no quarto.
Peguei uma faca sem ponta na bandeja e tentei desparafusar a janela, mas não estava adiantando. Respirei fundo e tentei passar o corpo.
Com muito esforço, consegui passar e cai sobre algumas folhas. Me segurei para não gritar um palavrão. Olhei ao redor e sabia exatamente onde estava. Na casa onde apreendemos o material de pornografia infantil-juvenil.
Dei a volta pela casa, que era pequena, e percebi que estava mesmo sozinha. Por sorte, a porta da frente estava aberta, entrei devagar e peguei um facão na gaveta da cozinha.
Caminhei por entre os matos descalça e com a cabeça latejando com dor de cabeça. Eu sequer sabia para onde ia, mas precisava voltar logo para Ana ou a delegada Diane.
Andei descalça e sozinha por algumas ruas estranhas e desertas. Estava assustada, pois poderiam me ver e levar de volta, mas ao mesmo tempo estava armada e sabia que eu tinha potencial, aliás, havia sido treinada.
***
Ana:
Diane voltou sem minha mãe e me fez algumas perguntas. Contei sobre a invasão à nossa casa e ela disse que já estavam sabendo, pois já estavam atrás de pistas.
Cecília ligou para Raquel, então ela saiu do quarto e me deixou sozinha com Diane. Ela me contou sobre algumas coisas, mas eu estava nem aí, só queria que encontrassem logo a minha esposa.
Raquel retornou e disse que Cecília tinha levado os meninos para casa, pois estavam cansados de brincar. Diane saiu do quarto e aproveitei para deitar um pouco na cama, pois estava com muita dor de cabeça.
- Você pode ir para casa, não fique nesse ambiente, vai ser pior. - Raquel falou de mãos dadas comigo.
- Minha casa foi invadida e revirada.
- Vamos pra minha, os meninos estão lá.
- Você sabe que vou chorar...
- Precisa ser forte. Eu sei que Luísa nem está vendo eles, mas precisa ficar com eles, serão eles que vão te dar forças.
- Isso é seu. - Diane mostrou a mochila. - Se quiser carona, estou no carro da polícia.
- Não precisa, eu vim de carro.
- Eu dirijo. - Raquel pegou a mochila e a chave que estava dentro. - Vamos?
- Isso fica comigo. - Peguei a mochila e verifiquei se a arma estava dentro. - Tudo OK.
- Você não tem porte disso. - Raquel sussurrou.
- Eu não vou usar, só estou guardando o que diz respeito a Luísa. Vamos embora.
Nós saímos do hospital e fomos direto para sua casa. As crianças estavam dormindo no quarto de hóspedes, então deixei a mochila no quarto das meninas e fui encontra-las na cozinha.
- Eu fiz macarrão. Você precisa comer algo. - Cecí colocou um prato de macarrão na minha frente.
- Preciso dela...
- Meu macarrão é mais gostoso. - Cecí piscou.
- Tenha certeza que não. - Rebati sorrindo de lado. - Eles perguntaram por ela?
- Sim, na verdade por vocês duas, eu disse que ainda estavam no hospital. Eles disseram que estava estranho, pois não viam Luísa há algum tempo e que eu estava mentindo. - Cecí suspirou e sentou ao meu lado.
- O que respondeu?
- Eu não consigo mentir pra eles, sabe? Eu disse que mamãe Luísa tinha se machucado e estava no hospital, por isso que não podiam ir lá. Depois o Guilherme disse que quando ficou internado por dois dias, todo mundo foi ver e o viu machucado, então por qual motivo eles não poderiam ir ver a própria mãe?
- Essas crianças são adultas em corpo pequeno. - Raquel fez uma careta e me entregou o garfo, mas continuei sem tocar na comida.
- Eu falei que a mamãe Luísa estava com outras pessoas, mas logo a polícia ia encontra-la e trazer de volta.
- Não acredito que você falou isso, Ana Cecília! - Bati a mão na mesa e levantei.
- Calma! Eles só ficaram calados, talvez não tenham se tocado da gravidade que nós sabemos que existe.
- E se acontecer algo pior com ela? Como vamos falar pra eles? - Perguntei com a mão na cintura em tom mais alto.
- Não vai acontecer nada com ela, Ana! - Raquel se meteu. - Eles iriam ficar sabendo disso, mais cedo ou mais tarde.
De qualquer forma era verdade, mas eu não queria que eles ficassem sabendo que a mãe tinha sido sequestrada. Afastei o prato e fui para o quarto, me tranquei e deitei na cama com eles.
***
Luísa:
Parecia que eu estava andando em círculos, estava confusa e com um facão enferrujado na mão.
Em uma casa da esquina, vi uma senhora de vestido abaixo dos joelhos, chinelo e com o cabelo curto, completamente branco. Logo uma criança de uns 8 anos saiu pelo portão e ficou pulando na calçada, enquanto a senhorinha colocava o lixo para fora.
Caminhei o mais rápido que pude até eles e tentei não parecer louca, mas estava na cara que eu tinha saído do hospício ou era alguma ladra ensanguentada.
A senhora puxou a criança para trás quando me viu. Lembrei que estava com um pouco de sangue no peito e minha cabeça latejava, ou seja, também podia estar suja de sangue.
Ela olhou para minha mão e percebi que eu ainda segurava o facão. Joguei-o de lado, bem longe, e levantei as mãos.
- O que você quer? - Ela perguntou ainda com a criança atrás dela.
- Senhora, desculpe assusta-la, mas eu fui sequestrada e estava em um cativeiro aqui perto. Consegui fugir pela janela do banheiro e preciso muito de ajuda.
Ela continuou com a criança escondida, era uma menina de olhinhos curiosos que me espionava ainda atrás dela.
- Meu nome é Luísa, eu sou delegada federal, sou casada e tenho três filhos. Fui sequestrada por bandidos que querem me matar, pois descobri muitas coisas. Por favor, me dê ao menos um copo de água e me deixe ir ao banheiro, depois vou embora.
- Entre, minha querida, vou acreditar em você, só não faça nada comigo e com minha neta.
Ela entrou primeiro e lhe acompanhei. Ela me mostrou onde era o banheiro e depois me chamou até a cozinha.
- Pode sentar, vou lhe dar um pouco de comida. - Ela sorriu e começou a colocar arroz e carne em um prato. - Vitória, pegue o suco na geladeira.
Depois que ela me deu um prato e a garota um copo de suco, eu tentei não avançar na comida como uma esfomeada que nunca tinha visto carne.
- Por quê sua cabeça está machucada?
- Bem, eu levei dois tiros, um no peito e um de raspão na cabeça. Eles conseguiram acertar dois de seis, acho. Fui para o hospital e fui sequestrada de lá. Me deram remédio para dormir e me carregaram até aqui perto.
- Quer ligar pra polícia? - A senhora perguntou.
- Estou receosa, pois um dos seqüestradores trabalha comigo, ou seja, ele pode vir me buscar e raptar novamente. Preciso pensar.
Continuei a comer e a criança a me olhar.
- Qual o nome dos seus filhos? - Ela perguntou.
- São trigêmeos! São três meninos idênticos, o Gael, Guilherme e Gustavo.
- Que benção, três meninos!
- Sim, eles são bem espertos. - Ela riu.
- Você é só delegada? - A menina perguntou.
- E professora de Direito. E também tenho um escritório de advogados. - A senhora sorriu e notei que estava ganhando a sua confiança. - Sou casada, olha minha aliança.
Mostrei e ela sorriu, pediu para ver e retirei, lhe entregando.
- Tem sorvete, você quer? - A senhora perguntou.
- Pode ser, mas estou com vergonha, parece que eu nunca comi na vida.
- Tudo bem, querida, nessa casa é apenas minha neta e eu. A mãe dela faleceu há uns dois anos e nos deixou.
- Sinto muito...
- Vamos fazer assim, você toma um banho, eu troco o seu curativo e depois toma sorvete, pode ser?
- Nem sei como te agradecer...
A Vitória me levou até o banheiro, me entregou uma toalha e tomei um longo banho. Minhas pernas estavam arranhadas por causa dos galhos secos, passei a toalha e torci para que não ficassem piores. A senhora trouxe um vestido longo estampado, eu o vesti e coube perfeitamente.
- Era da minha mãe, mas ficou linda em você, Luísa. - A menina disse sorrindo. - Vou pegar sorvete pra nós!
Passei um tempo conversando e logo me mostraram uma cama para dormir. Eu agradeci e deitei, mas não consegui dormir bem, tirei alguns cochilos e fiquei atenta para qualquer movimento estranho.
***
Ana:
- Liberaram meu apartamento. Diane me ligou. - Avisei com Gael no colo e os outros ao meu lado.
- Tem certeza? Ainda pode ter algum risco... - Raquel falou sentada à mesa do café.
- Só quero pegar algumas coisas e volto pra cá. Preciso de roupas e os meninos também.
- Pois sentem e comam, depois nós duas vamos lá.
Sentamos, comemos e avisei para os meninos que voltaria rápido. Eles pediram para ficar na piscina e permiti.
Cecília desceu ainda de pijama e Raquel pediu que ficasse com as crianças, pois iríamos buscar roupas no apartamento. Ela só balançou a cabeça e desejou bom dia.
Quando chegamos no apartamento, estava menos revirado, mas continuava uma baderna. Raquel me encarou de olhos arregalados quando viu que eu estava com a arma na cintura.
- Segurança, só isso.
- Vou pegar o que tiver na geladeira, não vamos deixar as coisas estragarem. Qualquer coisa você grita. - Raquel falou indo pra cozinha.
- Você também.
Fui até o quarto e comecei a enfiar roupas dentro de todas as mochilas e bolsas. Fiz a mesma coisa com as coisas dos meninos.
Vi um movimento rápido na porta e me assustei. Peguei a arma e fiquei nervosa.
- Raquel? - Chamei.
- Ela já está no carro, só falta você. Pegue essas coisas e vamos rápido.