Luísa:
Depois que subi as escadas, atendi o celular e fiquei no quarto. Era da delegacia onde o homem da noite anterior tinha sido levado. Me passaram informações de que ele tinha sido liberado por outro delegado e que não tinha dado em nada. Acabei xingando tudo e todos, desliguei em seguida e tentei me acalmar antes de descer.
Vi um pequeno cachorro preto na sala brincando com os meninos, estranhei, mas preferi ir repassar a notícia para Ana.
- Por quê tem um cachorro na nossa sala?
- As crianças esconderam e...
- Depois você me conta, eu estava numa ligação e aconteceu uma coisa nada boa. - Mordi meu lábio inferior.
- Cancelar a viagem? - Ela perguntou mudando a feição.
- Não, nada disso! É que o cara de ontem foi liberado por um delegado... Ele continua solto por aí.
- Sério?! Quem foi o delegado?
- Não sei, nem quis saber. Estou puta demais, Ana. Aquele infeliz vai continuar solto!
- Vem cá. - Ela esticou sua mão e dei a minha, me puxou e nos abraçamos. - Isso foi passado, já aconteceu e vamos esquecer. Amanhã vamos viajar juntinhas e shallow now.
- Se fizer piadas desse nível, eu cancelo a viagem. - Falei e ela me deu um tapa na bunda. - Agora é sério, temos um cachorro?
- Seus filhos o escondeu no quarto de hóspedes, alimentou com biscoito e água, mas acho que ele não tocou nos biscoitos. Precisamos ir em um pet shop ou supermercado, vacinar esse cachorro e ainda perguntar se a sua mãe fica com ele.
- Cecí e Raquel não podem ficar?
- Tente tirar esse cachorro de perto deles pra você ver, meu amor.
À tarde, bem depois do almoço, fomos até um petshop da cidade. Parecia um shopping, tinha dois andares e muitas coisas, até uma pequena cafeteria. As crianças correram para ver alguns brinquedos, enquanto Ana e eu vigiávamos de longe e tentávamos entrar em um consenso de qual ração levar.
Depois que Ana leu o rótulo de várias marcas, decidiu por uma e compramos logo dois pacotes para não precisar ficar indo ao petshop. As crianças carregavam alguns brinquedos e roupas nos braços, mas logo tratamos de devolver as roupas e comprar apenas três brinquedos, cada um tinha o direito de escolher um. Fizemos o pagamento, enfiamos as sacolas dentro de um carrinho e fomos na cafeteria.
Pedimos sucos para as crianças e eu, um café para Ana e alguns pães de queijo e pães de chocolate, do mesmo tamanho que o de queijo.
- E o nome dela vai ser mesmo Jade? - Perguntei.
- Sim, mamãe. - Gael respondeu como se fosse óbvio.
- Vocês vão ajudar a limpar o que ela sujar, levar para passear e dar carinho? - Eles assentiram de boca cheia. - E não vão parar de cuidar, né? Sempre dar amor e carinho.
- Sim. - Gustavo respondeu depois que engoliu.
Aproveitei que estavam animados e felizes, e contei que Ana e eu íamos viajar. Suas carinhas ficaram mais tristes quando contamos que seria apenas nós duas e que eles ficariam com as vovós, padrinho e madrinhas. Mesmo assim prometemos que iríamos voltar antes mesmo de sentirem nossa falta.
- Quelo fazer xixi. - Gustavo pediu fazendo carinha de aperto.
- Vamos, vou com você ao banheiro. - Falei levantando e os outros dois decidiram acompanhar.
Os dois fizeram xixi e ficaram apontando alguns adesivos de animais que tinha pelo banheiro. Depois que retornamos a cafeteria, Gael me puxou para mostrar um coelho que estava à venda. Enquanto os três babavam o bichinho, olhei de relance para a cafeteria e notei alguém na nossa mesa.
Como só tinha nós cinco na cafeteria, era alguém a mais na nossa mesa. Voltei a olhar e notei um corpo conhecido.
- Meninos, vamos? Mamãe está chamando para irmos embora.
- Mas mamãe, ali tem gatinho! - Guilherme apontou.
- Me prometam que não vão mexer em nada, vou voltar para a mesa. Porém ficarei de olho.
- Sim, plometo! - Eles falaram em uníssono e correram para onde tinha alguns outros animais expostos.
Voltei a caminhar para a mesa e logo reconheci Tainah, ela estava de short curto, regata preta e rasteirinha, com um saquinho de alguma coisa do petshop.
- Oi, Luísa! - Ela abriu um sorriso enorme.
- Oi, Tainah. - Sorri sem graça.
- Estava aqui contando para Ana sobre as provas, fiquei tão exausta!
- Imagino, todas nós estamos exaustas.
- Sim, graças a Deus temos essas férias. Uma pena que não vou poder viajar...
- Mas aqui tem muita coisa para fazer, tem praia, cinema, shopping, dá para dormir o dia inteiro... - Ana comentou.
- Aham, inclusive, vocês vão ficar por aqui mesmo?! Eu sei que Luísa tem férias da faculdade, mas da delegacia, né? Uma pena.
- Consegui uns dias de folga da delegacia. - Falei.
- Sério?! Então dá para marcarmos algo, uma praia, por exemplo. O que acha? - Ela olhou para Ana e sorriu: - Claro, você também.
- Adoraríamos, mas precisará esperar um pouco. Estamos viajando para Orlando amanhã, uma segunda lua-de-mel na Disney. - Ana piscou para ela e me olhou.
- Sim, vamos passar alguns dias, mas não sabemos nem a data de retorno. Provavelmente quando bater a saudade absurda das crianças. - Falei retribuindo o sorriso para ela.
Escutamos um barulho alto na loja e demos um pulo.
- Cadê os meninos?! - Ana perguntou olhando para os lados.
- Com os bichos. Ai, Jesus!
Ana e eu corremos até onde tinha alguns animais, mas as crianças continuavam acariciando um gato preto e outro branco.
- Vamos, estamos indo embora. - Ana chamou e eles vieram até nós.
- Que barulho foi esse? - Questionei.
Eles só balançaram os ombros. Vimos alguns funcionários tentando levantar uma prateleira do outro lado da loja, então decidimos ir logo para casa.
Retornamos para a mesa e Tainah continuava lá. Ao ver os meninos, ela sorriu.
- Oi, meninos! - Ela apoiou as mãos nos joelhos e se abaixou um pouco para falar com eles. - Como vocês estão?
Gustavo e Guilherme ficaram calados, enquanto Gael fez o sinal de beleza com a mão.
- Vocês estão cada vez mais lindos e maiores!
- Vou pagar a conta. - Ana falou revirando os olhos de forma discreta sem que Tainah notasse.
Ela foi até o caixa e eu fiquei com os meninos. Tainah ficou conversando com eles, mas eles sequer respondiam. Gustavo já tinha se enfiado atrás de mim e Gael pedido colo.
- Já paguei a conta. - Ela retornou guardando a nota fiscal e o troco no bolso do short.
Guilherme ao vê-la pediu colo.
- Não posso, vou carregar as sacolas, amor.
- Quer ir no colo da tia Tainah? - Ela disse mostrando os braços e ele negou, correndo para Ana. - Então eu posso levar as sacolas até o carro.
Guilherme deu um pulo na frente de Ana e ela o segurou. Tainah pegou as nossas sacolas e seguimos até o carro em silêncio. No estacionamento, os meninos sentaram na cadeirinha e os ajudei a colocar os cintos. Tainah ficou ajudando Ana a colocar as compras no porta-malas.
- Posso pedir uma coisa? - Tainah falou enquanto eu fechava a porta traseira.
- O quê? - Ana respondeu de braços cruzados.
- Uma carona, eu vim de Uber.
- O carro está cheio. - Falei me aproximando.
- Vamos dar uma carona para a garota, o que custa, meu amor? - Ana falou sorrindo, mas eu conhecia aquele sorriso. Cínica.
- Vai ter que levar um dos meninos no colo. - Falei abrindo novamente a porta traseira.
- É melhor eu ir com eles, você pode ir no banco da frente. - Ana disse tirando a cadeirinha de Guilherme e levando até o porta-malas.
- Ai, obrigada.
Ana entrou no banco de trás e colocou Gui no colo. Me aproximei dela e perguntei se estava tudo bem mesmo, ela apenas balançou a cabeça positivamente e sorriu.
Tainah abriu a porta do passageiro e entrou. Fechei a porta traseira e entrei no motorista. Liguei o carro e tentei dirigir o mais rápido possível para a casa da garota.
- Então, está gostando do estágio? - Ana puxou assunto quando parei em um sinal vermelho.
- Sim! O escritório de vocês é muito bom! Estou aprendendo muita coisa. Obrigada pela oportunidade.
- Seu contrato é de quanto tempo mesmo? - Ana questionei e lancei um olhar para ela pelo espelho interno do carro, mas ela me ignorou.
- Um ano, mas pode ser prorrogado por mais um ano, segundo Dra. Raquel e Cecília.
- Sim, mas são poucos os contratos que prorrogamos. - Ela respondeu acariciando o cabelo de Gui que já cochilava em seu colo.
- Sério? Tem dois estagiários lá que prorrogaram o contrato...
- Daniele e Conrado são excelentes, bem ativos, os melhores estagiários que já tivemos. - Lancei um outro olhar para ela. - Segundo Raquel e Cecí.
Tainah ficou calada. Alguns segundos depois, notei que ela viu uma carteira de cigarros dentro do carro e franziu o cenho.
- Você está fumando, Lu?
Notei que Ana revirou os olhos com o apelido de Lu que apenas os íntimos possuíam.
- Não, não. Minha sogra e minha mãe que fumam.
- Somos todas fumantes passivas. - Ana comentou do banco de trás. - Na verdade, muitas vezes sou ativa.
Ela deu um sorrisinho cínico.
Por sorte, já estávamos na frente do condomínio da menina. Ela retirou o cinto e me olhou. Meu coração acelerou.
- Obrigada pela carona. Boa viagem para vocês. - Ela sorriu.
- Obrigada. Boas férias, Tainah.
- Espero que quando retornar, me convide para fazer algo. Lembra que disse que poderíamos manter uma amizade? Então! - Ela riu e olhou para Ana. - Tchau, professora.
- Tchau, querida.
Tainah desceu do carro e entrou no prédio.
- Não vai vir para cá?
- Guilherme dormiu, é melhor irmos logo para casa, você sobe, pega as coisas e vamos deixar logo na casa da avó deles.
- Certo.
Como combinado, subi e peguei apenas o necessário, e ainda a cachorrinha Jade. Eles iam dormir também em casa com a avó, então não era necessário levar muita coisa. Voltei a dirigir enquanto Ana continuava no banco traseiro com os três adormecidos.
Chegamos na casa da minha mãe, ela nos recebeu animada e ajudou a leva-los para sua cama. Jade ficou no quarto junto com eles, deitada no canto.
- Ansiosas para voltarem à Disney? - Minha mãe perguntou nos puxando para a cozinha.
- Sim, estou com saudade do parque do Harry Potter. - Respondi sentando em uma cadeira e Ana fez o mesmo.
- Pensei que fosse para transar que nem louca. - Ana revirou os olhos. - Vou ter que transar dentro da cabine do trem de Hogwarts.
- Minha nossa! - Mãe riu e colocou uma garrafa de água sobre a mesa com dois copos. - Não vão ser presas, por favor.
Ficamos conversando um pouco, depois nos despedimos, falamos com as crianças que já estavam acordadas e fomos para casa.
Ana pegou as chaves e decidiu dirigir. Coloquei uma música animada no rádio e fui cantando durante o caminho. Ela estacionou na garagem e subimos pelo elevador para a cobertura.
- Já trocou nosso dinheiro para o dólar, né? - Perguntei. Ela apenas assentiu. - Algum problema?
- Essa carona ridícula que demos para a sua ex-peguete. - Ela disse assim que o elevador abriu.
- Eu disse não, você quem aceitou.
- Queria ver qual era o lance da garota.
Entramos em casa e eu fechei a porta.
- Falar sobre o estágio foi sacanagem, o lance de aumentar ou não o prazo do contrato.
- Fui realista. Já teve gente que não aguentou nem um ano, ué.
Ana retirou a sandália perto do sofá e encostou-se no mesmo, me olhando.
- Ei, fumante passiva. - Passei por ela e segurei sua cintura por um lado.
- Às vezes beeem ativa.
Ela segurou meu braço e me jogou no sofá, sorriu safada e subiu sobre mim.