Tratado dos Párias - Supremo...

By IsabelaAllmeida

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Celina estava lutando para se encontrar. Após anos fechada em seu próprio mundo e dependente da droga que sua... More

Vamos lá.
Prólogo
Primeiros dias
Abstinência
Consciente
Reunião- Parte 1
Reunião- Parte 2
Reunião- parte 3
Os três irmãos
Solução
Despertar de Dimitri
Retorno Conturbado
Dimitri
Jena
Floresta Obscura
Chegada
Reencontro
Tudo Estranho
Se descobrindo
Se descobrindo...
Uma visita
Um recomeço...
O sedutor
Revivendo o chamado com tinta
O choque de Dimitri
Os lobos da Terra
Saída do Vilarejo
Ritual da Lua Sangrenta
Ritual da Lua Sangrenta- Parte 2
Primeiros dias
Dimitri
Correndo com lobos
Um sonho com fim.
Encontro inesperado.
Pria, Eu e Elas
Retorno
Uma frase e...
Laço e Âncora
Dimitri
O lago
Sem acordos
Celina
Dois braços
O juramento de Dimitri
Dimitri
Confronto
Um abraço
Conforto
Laican
Ritual

Retorno

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By IsabelaAllmeida

Celina

Ouvia barulhos, mas esses eram diferentes dos que eu estava acostumada, minha mente não estava estável, mas estava limpa, então eu conseguia me concentrar e até mesmo fui capaz de reconhecer alguns sons, porém nada do que ouvia fez parte da minha vida.

Então para ter certeza que não era minha mente me pregando peças, prestei atenção nos cheiros, e esses também eram diferentes. A brisa soprava a fragrância selvagem de floresta que destoava dos costumeiros perfumes e óleos além dos vários aromas de remédios, minhas feridas eram muitas.

Para mim tudo sempre foi confuso, inconstante, um vai e vem de imagens e sons, e também os cheiros.... Eles resumiam minha própria história.

Há muito que eu me considerava morta, mesmo que respirasse. Meu pai tirou tudo de mim, inclusive a vontade de viver, e não tendo coragem de tirar minha própria vida, acabei me recolhendo para dentro, como dizia minha mãe.

Depois disso, eu mal compreendia o que acontecia, mas as vezes eu voltava, e me lembrava do quão perigoso podia ser estar consciente. Ainda assim essas emersões ao mundo real deixaram lembranças.

Por vezes quando a lucidez me alcançava eu podia sentir o cheiro de chá vindo de algum cômodo algures, ou então de lixo vindo de locais mais distantes. Com frequência eu sentia o perfume de primeiras esposas passeando em suas carruagens a caminho do harém ou de mulheres da casta três a caminho do trabalho. Era fácil distinguir porque o perfume das esposas geralmente tinha o toque de erotismo das misturas afrodisíacas e os das mulheres de castas menores era algo mais simples, se resumia a dois aromas, quando não era água de flores colhidas do próprio quintal ou roubados dos jardins da casta nobre, elas emanavam o cheiro de inguento para dores musculares.

Eu havia vivido com esses cheiros tempo suficiente para distingui-los e isso me ajudava a saber o que acontecia lá fora, pois as duas versões fizeram parte da minha escravidão, eu usava perfume afrodisíaco quando papai me transformava em seu objeto para dar para os amigos brincar, e após isso, com o corpo saturado de hematomas, eu usava inguentos para dor.

Contudo, de todos esses aromas que me traziam lembranças tristes, havia um que era uma alteração nos padrões, o da massa recém-saída do forno.

Mesmo perdida em algum lugar de minha mente eu sabia que quando se assava pães em casa meu irmão poderia aparecer para uma visita.

O medo sempre me acompanhou, mesmo nos mais curtos lapsos de realidade eu temia que a porta fosse arrombada e os soldados de papai aparecem para me arrastar de volta ao meu calvário, mas o tempo passou, o pão continuou a ser assado, as primeiras esposas continuaram seus passeios, as mulheres das casta três continuaram a furtar seus suprimentos de flores nos jardins dos mais abastados e eu continuei rezando para que o rei morresse e nos deixasse em paz, mas continuava sentindo todas as fragrâncias quando minha mente estabilizava e com isso eu sabia que infelizmente minhas preces não foram ouvidas porque a morte não tinha beijado papai.

Mas então em dado momento houve mudança, quando os cheiros mudaram para algo mais campal, instintivamente eu soube que tínhamos mudado de lugar, e dessa vez eu tinha certeza que não era minha imaginação divagando em ilusões, ou que era fruto de um sonho qualquer, pois eu podia sentir a mistura de aromas, o cheiro esperançoso de colheita nova, o aroma gostoso e encorpado de legumes a cozinhar, o odor pungente da lã ainda crua e o ocre da fumaça espiralando de alguma chaminé.

E mesmo que alguma dúvida restasse, elas foram sanadas quando vozes, estranhas, porém calmas começaram a surgir, estávamos em lugar onde a paz não era um luxo, era uma realidade. Essas coisas me fizeram bem, tanto que foi uma época de renovação. A paz me ajudou a encontrar a estrada para a saída de minha reclusão auto imposta. Então passei a vagar entre realidade e fantasia, mas eu sabia que tinha algo diferente no ar, novos tempos, foi o que pensei uma vez.

As imersões da loucura passaram a surgir com mais frequência, tanto que tenho flashes de uma festividade qualquer, algo que eu participei. É estranho, mas me lembro principalmente de uma vassoura e de ter colorido suas cerdas com giz, essa lembrança me acompanha porque ouvi risadas, conversas amistosas entre homens e mulheres, porém não soube, na época, discernir de quem eram as vozes, portanto é uma lembrança terna e boa, porém extremamente confusa.

Também me lembro de um toque, pois em dado momento eu devo ter segurado a mão de alguém, uma mão reconfortante que me fez querer voltar com mais afinco, mas não consegui.

Mas estava mais fácil, o caminho estava livre, eu compreendia através de fragmentos de conversa que a causa de meu terror tinha finalmente acabado, meu pai havia partido, pelos Deuses, finalmente ele tinha morrido.

Ciente disso cada vez mais eu arregimentava a vontade de retornar, de emergir de um mundo caleidoscópico e confuso, o perigo tinha ido embora, papai não mais me veria como algo útil, pois os mortos não encontram utilidade para os vivos.

Uma grande ironia, depois de tanto, eu estava viva e ele não.

Porém como esperança é uma coisa diáfana e precisa da coragem para durar, tudo se foi.

Não fui capaz de agir quando pude, então o sono, a letargia e a confusão voltaram e novamente me vi nadando em uma consciência bêbada e com medo dessa nova situação, lutei para me libertar.

Mas minha luta parecia vã, passei a receber canções de ninar quando queria ajuda para acordar, enxugaram minhas lágrimas ao invés de me ajudarem a fazê-las parar.

Recebia com mais frequência doses da bebida doce, demorei a perceber que a causadora de tanta angústia era minha mãe, e então o medo e mágoa tomaram conta de mim, cabeça baixa, rabiscos desconexos e tempo para assimilar, mas não durou muito essa letargia, eu tinha experimentado a sensação de uma vida sem meu pai e queria poder saber como era viver com liberdade, então não podia aceitar essa nova prisão, e ainda que me restasse pouca força, passei a agir.

Infelizmente mesmo com ele morto, não mudou muita coisa, pois continuo presa e sofrendo por falta da bebida.

E o cruel é que sofro mais por falta dela do que por falta da mamãe.

Em meio a esse sofrimento, eu me arrependo amargamente, eu não devia ter pedido ajuda, meu tormento voltou, de maneira diferente, mas voltou.


Como prometido, mais um capítulo. O próximo vai demorar viu, como eu havia dito antes, não posso dar uma data certa, por isso, aproveitei hoje para postar logo dois.

Me digam o que acharam viu. Beijos e até a próxima ♥

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