Teoria da Sincronicidade [CON...

By _LuisaSV

223K 22K 18.1K

Jackie Rivera está no último ano do ensino médio e isso significa que é o último ano para conseguir alcançar... More

Sincronicidade
St. Martin
Dedicatória
Epígrafe
0. Prólogo
1. Sanders
2. Trio Infernal
4. Desavenças
5. Sexta Feira
6. Órbitas Enigmáticas
7. Benjamin Rivera
8. Vestido Dourado
9. Olho Roxo
10. Capitão
11. Ryan Willians
12. Gwen e Ben
13. Fim de Festa
14. Macbeth
15. Doces e Travessuras
16. Me Beije
17. Peixinha
18. The Cure
19. Vinte e Oito Segundos
20. Bella Notte
21. Mar em Lágrimas
22. Polaroid
23. Festa do Pijama I
24. Festa do Pijama II
25. Coração e o Corvo
26. Jaqueta Vermelha
27. Alyssa
28. Perdão
29. Banheiro Interditado
30. Doces Lembranças
31. Cúmplice
32. Sábado Decisivo
33. Baile de Inverno
34. Últimos Suspiros
35. Pernas Bambas
36. Carta de Coragem
37. Jackie Rivera
38. Epílogo
Leitores
EXTRA

3. Águas Turbulentas

5K 587 184
By _LuisaSV


– Estão na sua segunda gaveta... – respondo ao celular enquanto tento abrir meu lanche, ao mesmo tempo, ouço alguns resmungos da minha avó do outro lado da linha, reclamando – Acho que estão mais no fundo.

– Encontrei! – minha avó comemora quando encontra as fichas de vacina da gata Elizabeth I – Tenha um bom almoço, Jackie!

– Obrigada, vó.

– Eu adoro sua vó, sabia? – Noah diz ao meu lado enquanto andávamos em direção as arquibancadas do campo de futebol – Ela é tão presente, gosta de dar opiniões, minhas avós são tão frias, damas da alta sociedade que não se comunica com crianças. Só se manifestam para me atormentar, dizendo que estou muito magro e precisando de uma namorada.

– Minha vó também adora você e... Você sabe que se é melhor amigo da Jackie, obrigatoriamente, é neto da senhora Gwendoline! – digo a ele enquanto dou uma grande mordiscada no hambúrguer – Quer um pedaço?

– Eu não! – Noah faz cara de nojo – Eu fico impressionado com a sua capacidade de devorar algo tão gorduroso e continuar magra como um cabide. Eu passo mal só de sentir o cheiro dessa carne que nadou no óleo por três dias.

– Preciso ganhar peso. – respondo lambendo os dedos de gordura, fazendo Noah fingir um vômito – Por causa da...

– Competição. Natação. Sei do que se trata. – Noah passa o braço ao redor do meu pescoço – Quem é o primeiro lugar do Noah? Quem? Diga quem é o primeiro lugar do pequeno Noah que é a maior gulosinha da minha vida toda?

– Sou eu! – rio e arroto sem querer na sua cara.

– Nojenta! – ele gargalha e pega minha coca – Vou confiscar esse material até segunda ordem! – diz com o canudinho na boca e estremece – Chegamos. Eca.

E lá estava, as famosas arquibancadas do St. Martin, famosa por serem um dos pontos de encontro dos alunos mais populares do colégio. O lugar é quase que sagrado, sendo palco de várias histórias de gerações passadas. Ao me aproximar, vejo uma parte do time de futebol numa roda de risadas e piadas sem sentido.

No meio deles, o tão famoso trio.

Trio Infernal.

– Por que seu namorado não entra no clube de teatro? Eu prefiro o pessoal de lá... – Noah cochicha de lado.

– Não conta para ninguém, mas eu também prefiro. – sussurro fingindo estar mastigando o hambúrguer enquanto encaro o grupo para me certificar que ninguém nos ouvia ou se sabe fazer leitura labial.

Tyler me recebe num abraço quando chego.

– Eu fico impressionando com sua habilidade de comer, Jackie – Tyler comenta bem humorado e dá um beijo rápido na ponta do meu nariz – parece que não tem limite para o que cabe ai dentro, chega a sujar a própria roupa, sua desastrada.

Sierra dá uma risada alta, mas tenta disfarçar quando eu a encaro.

– Me desculpe, Jackie – Sierra tenta cessar a risada enquanto abana a si própria – mas você come demais, fico surpresa que ainda está em boa forma e não está afundando nas piscinas do St. Martin.

Noah e eu trocamos olhares por segundos. Meu amigo sempre zomba sobre o meu apetite, mas uma hora ou outra sempre se junta comigo e suas palavras nunca me incomodavam. Entretanto, ouvir o comentário de Sierra, me irrita um pouco.

Talvez pelo fato dela não sermos muito próximas me deixe desconfortável ouvir coisas desse tipo, mas sei que ela se sente à vontade com qualquer pessoa e acaba fazendo comentários bem humorados e até afiados sem se importar com o nível de intimidade.

– Tyler. – um dos garotos diz e entrega a ele o cigarro que está nos seus últimos suspiros.

Sento num apoio da arquibancada enquanto Tyler continuava em pé falando sobre os jogos com os outros meninos, acendendo com o isqueiro o embolado de maconha que tinham feito. O cheiro invade as minhas narinas e eu dou alguns espirros.

É por isso que as arquibancadas são tão famosas, sempre estão abandonadas no horário de almoço e o vento levava embora o cheiro forte da erva.

Enquanto coço meu nariz de um modo nada elegante, reparo em Logan, não muito longe, conversando com uma líder de torcida que anda com Sierra.

Ele tem a mesma expressão fria de sempre, fico me perguntando se a conversa está interessante, porque pelo que eu via, não ia nada bem.

– Ei, Noah! – um dos garotos, conhecido como Scott, chuta o pé do meu amigo de leve, para chamar sua atenção – Por que ainda não fez testes para entrar no time de futebol e usar um casaco do Red Falcon? Agora que anda com a gente, precisa completar todos os requisitos se quiser permanecer entre nós.

– Futebol? – Noah gargalha alto, fazendo com que os meninos ficassem sem graça – Por favor, qual a graça de ficar correndo atrás de uma bola com armaduras pesadas? Prefiro o palco, obrigado.

– Pelo visto seu tipo não gosta muito de esportes! – outro fala.

A palavra em ênfase faz com que meus pelos arrepiem, ranjo os dentes diante a piada ridícula que fez com que o grupo todo risse do meu melhor amigo.

– E você, Jackie? – Scott diz antes de qualquer defesa minha, o garoto deixa um pouco de fumaça escapar dos seus lábios e passa o cigarro para Sierra – Por que ainda não fez teste para ser líder de torcida?

– É verdade, Jackie... – Sierra se levanta, terminando de soltar uma fumaça densa pelos lábios e passando para Tyler o embolado, ela atrai a atenção de pelo menos três garotos com seus gestos – Daríamos boas-vindas a você, estamos mesmo precisando de novas garotas, o time deu uma diminuída com a saída de algumas veteranas.

– Ficaria uma gracinha com o uniforme das garotas! – Scott continua em meio de risadas.

O clima, apesar das piadas sem a menor graça, estava leve, todo mundo rindo e fumando maconha, particularmente felizes entre a fumaça e as brincadeiras. Entretanto, tudo muda, drasticamente.

Tyler voou em direção a Scott.

Agarrou a gola da sua blusa e o puxou com força, largando o cigarro de lado para começar uma briga. Consigo ver as veias saltarem do pescoço vermelho de Tyler.

– Repete o que você disse, Scott! – Tyler o ameaça com os olhos claros afiados como de um predador, meu namorado aperta a gola do garoto a ponto que ele perdesse a fala por causa da força de suas mãos – Repete o que você disse para Jackie, na minha frente.

– Desculpa, Tyler... – Scott implora – Foi só uma brincadeira e...

– Brincadeira? – Tyler aperta a garganta de Scott – Acha que foi brincadeira?

Eu me levanto para tentar impedir que Tyler fizesse alguma besteira gigantesca, mas Logan é mais rápido do que eu. Ele se aproxima de Tyler e segura em seu ombro gentilmente, entretanto, sua expressão é amedrontadora, os olhos escuros perigosos, enquanto o corpo dele está enrijecido.

– Tyler, solta o Scott. – Logan pedem educadamente, porém soa mais como uma ordem.

– Eu não vou soltar esse babaca, Logan, não até ele pedir desculpas! – Tyler aperta a mais a garganta de Scott, que engasga com a própria saliva.

Os outros garotos do time começam a ficar mais agitados, mas nenhum com coragem o suficiente para enfrentar Tyler Cornell, então, só assistiam e dava a razão para o namorado que foi ofendido.

Aquilo com certeza iria piorar.

– Você não quer brigar comigo, Tyler. – Logan continuou, apertando o ombro do amigo com força, sendo possível ver as linhas se formarem no casaco do time de Tyler, uma forma de fazê-lo desistir – Solte ele, agora.

– Tyler – me manifesto no meio daquela briga – solta ele.

Tyler me encara com as órbitas verdes profundas e solta Scott, que cai no chão tossindo sem parar. O rosto do garoto está todo vermelho, mais um pouco e eu tinha certeza que ele teria desmaiado. Meu corpo treme ao pensar na possibilidade.

– Desculpe... – Tyler diz para o time, mas seu pedido de desculpas parecia estar direcionado para mim – Eu me exaltei, ando meio tenso por causa dos treinos.

Ninguém do time se pronunciou, alguns deles tiveram a coragem de dizer: "eu entendo", "sinto o mesmo", "semana passada quebrei um copo por causa do estresse", mas nenhum deles foi capaz de tentar mudar a atmosfera, para ser o que era antes.

O silêncio se torna perturbador depois daquela desavença entre Tyler e Scott, até a maconha e seu cheiro forte tinha desaparecido de repente.

– Jackie! – Sierra se levantou com a expressão leve, o sorriso brilhante que conquistava todos os alunos do St. Martin, desmanchando aquela tensão com seu bom humor e uma pose divertida – Não se preocupe com esses garotos e seus comentários desnecessários, o ego é grande, mas o pau é minúsculo.

Todos começaram a zombar de Sierra, outros até riram do seu comentário.

– Eu vi sim! – Sierra se defende em voz alta e jogando o cabelo de lado – Não é de hoje que vivo fazendo visitas aos vestuários masculinos do St. Martin, é muito divertido, aliás.

Noah pensou em fazer um comentário, mas resolveu ficar em silêncio. Esquecer o que tinha acontecido é a melhor opção.

Apesar Noah e eu fingirmos alguns sorrisos no meio do grupo do time de futebol, no fundo estávamos apenas cumprindo tabela. Além da briga ainda não ter sido digerida por nós, estar no meio daquelas conversas, daquelas pessoas, era como estar em um planeta completamente diferente.

***

O que tinha acontecido entre Tyler e Scott ainda ronda a minha cabeça, sempre soube que Tyler se envolvia em confusões, já tinha presenciado poucas delas, mas nunca tão perto. Parecia mais divertido saber por meio de fofocas, ninguém se machucava, o perigo nunca era real como é quando se presencia algo assim, tão perto.

Todavia, todo o meu momento de reflexão evapora quando recebo meu primeiro trabalho de literatura de volta. Meu queixo cai. Eu não tinha ido mal, mas a nota não está nos padrões da minha média.

Fico um pouco desapontada.

Sempre gostei de livros, romances juvenis, clichês de encontros de casais pelo acaso, principalmente aquelas reviravoltas malucas, mas infelizmente, no colégio, trabalhávamos com os clássicos, livros mais antigos que as músicas da minha vó, talvez músicas da época da avó da minha avó.

Sinceramente, eu não tenho o preparo completo para ter que lidar com essa linguagem antiga, histórias complexas e densas que precisam de mais atenção do que o normal. Eu estou satisfeita com a minha querida Jojo Moyes e as comédias românticas que ninguém resiste.

Reviro o meu trabalho durante toda a aula, procurando por qualquer falha. Passei a madrugada fazendo, a ponto de dormir apenas uma hora antes da aula, para poder conseguir produzir um trabalho maravilhoso que rendesse bons pontos... Pontos que eu não conseguia nas provas.

Quando a aula termina, pego minha mochila e corro até a professora de literatura, Bridget Carter, que está diante uma pilha de papéis da qual analisava com todo cuidado.

– Professora Bridget? – assim que falo o seu nome, tentar ser um pouco íntima, ela fecha os olhos e suspira profundamente – Eu já disse que adorei seus sapatos novos?

Curiosidade: Consegui um pouco de empatia de todos os meus professores, após muita bajulação, o suficiente para que me deem "bom dia" pelos corredores e serem gentis quando faço perguntas a eles... Menos Bridget Carter, a professora mais temida do St. Martin, formada em Yale, escritora renomada de dramas épicos. Nenhum aluno conseguiu se aproximar dessa celebridade, tirar alguma reação positiva.

Exceto um veterano, considerado uma lenda pelos corredores do colégio, que teve uma recomendação da própria Bridget Carter e foi aprovado na Harvard. Dizem que Bridget Carter é rigorosa porque faz milagres com os alunos que conseguem seus raros e quase impossíveis elogios.

E eu precisava, urgentemente, desses elogios, ou um pouco de empatia.

– Eu tenho eles faz mais de dois anos. – ela me responde sem emoção alguma, ela se levanta para poder me atender melhor. Bridget Carter podia ser criteriosa, mas nunca mal educada – Como posso ajuda-la, senhorita Rivera?

Dou um sorriso.

A professora de literatura com certeza tinha se cansado de mim. Eu sempre surgia com uma prova ou trabalho, pedindo para que ela reveja e considere algo a mais para aumentar meus pontos, ou tentar conseguir sua atenção, para qualquer tipo de ajuda para o desastre da literatura que eu era.

– Então, essa parte do trabalho... – mostro a ela as minhas páginas perfeitamente alinhadas, condecoradas e bem estruturadas – Eu não entendi exatamente porque você me tirou pontos, está praticamente perfeito.

– Essa parte do trabalho pedia para produzir um texto da sua autoria sobre o livro pedido no trabalho – justificou – apesar do texto não haver nenhum erro gramatical, faltou um pouco mais de conteúdo no seu texto, senhorita Rivera.

Fico paralisada.

Modéstia parte, sempre fui excelente em matemática, biológicas, mas quando surgia literatura, meu desempenho caía um pouco. Eu sou ótima em fazer cálculos, gravar nomes complicados, pedir para que eu produzisse um texto, é o mesmo que pedir para um tubarão começar a comer alface. Não é uma área que eu domino, mas gosto de estudar sobre...

Ou pelo menos tentar estudar.

– Entendi... – murmuro olhando para o meu trabalho de novo.

Eu preciso de uma nova abordagem.

Preciso conquistar Bridget Carter.

– Logan Sanders? – ouço a professora chamar o sobrenome de Logan – Poderia vir aqui por um segundo?

Logan estava no fundo da sala, como de costume. Apesar das tatuagens a mostra graças a camisa de manga curta, algo nele parecia estar mais sereno. Talvez fosse os óculos de grau que usa, armação fina e redonda que o fazia parecer um poeta melodramático misterioso e sombrio.

Ele se aproxima da professora, me ignorando completamente, nada de diferente ou estranho na minha rotina. Logan Sanders só me cumprimenta quando Tyler está por perto, quando me via sem meu namorado algo me faz ficar completamente invisível para ele.

Olho para o meu trabalho e depois para a Bridget e Logan.

Estremeço, mordendo a unha do dedão por nervosismo.

Bridget Carter sorri para Logan e de repente as histórias do Trio Infernal retornam à minha cabeça. A professora de literatura tem trinta e nove anos, casada, tinha três filhos, não é possível que ela está que nem todas as garotas da escola, querendo loucamente saber como é transar com um ex-presidiário, um bad boy.

Eu amo clichês, admito, mas esse tipo de coisa eu prefiro ler em livros do que presenciar na vida real.  

– Adorei o modo como usou as palavras, Sanders! – ouço a professora dizer com bastante animação – As metáforas usadas, foram bem pensadas, essa daqui! – ela aponta para o trabalho de Logan e continua a falar.

Sinto uma pontada, talvez uma facada, de ciúmes por causa dos elogios que Logan recebe. Bridget nunca foi de elogiar qualquer aluno, mas pelo visto, eu estava bem enganada. O elogio e admiração por Logan foi tão grande, que ela teve que perguntar significados das passagens que ele fez em seu trabalho, para ter certeza de que tinha interpretado bem.

Vagarosamente, me aproximo de Logan e da professora. Um passo de cada vez, para tentar ver a nota escrita de vermelha no topo da página. Consigo ouvir mais a conversa entre os dois, principalmente sobre universidades.

Fico impressionada com a letra de Logan quando chego mais perto, é comprida e um pouco feia, mas tinha um certo charme. O que me deixa encantada foram as palavras que ele usou no meio do texto, não peguei todas, mas havia algumas que eu mesma não usaria com tanta facilidade e naturalidade, como caleidoscópio, voluptuosa, sisudez. Palavras longas e complicadas.

Todavia, o que me pega de jeito, é a nota dele, que eu tinha visualizado perfeitamente apesar da dificuldade em tentar espiar. Ele tirou nota máxima no trabalho, coisa que poucos conseguiam fazer.

A nota é bem superior a minha.

Eu não estou no topo como pensava.

– Senhorita Rivera?

– Sim? – levanto a cabeça e vejo que a conversa a dois tinha virado a três.

Eu estou ao lado do Logan, nossos ombros se tocando enquanto minha cabeça tinha entrado na sua frente, tentando ver o seu trabalho, quase montando em cima dele para conseguir cumprir o meu objetivo.

– Precisa de alguma coisa? – a professora continua piscando os olhos, assustada com tamanha proximidade.

– É... – dou três passos largos para manter a distância com eles – Acho melhor eu ir... Embora.

– Você compreendeu as suas dúvidas? – ela questiona preocupada, enquanto Logan continua a me encarar com a sobrancelha arqueada.

– Claro! – digo me aproximando da porta – Nenhuma dúvida mesmo!

Assim que chego a porta, eu apresso o passo para me distanciar o máximo possível da sala, talvez um pouco constrangida por estar me intrometendo no trabalho de Logan. Tinha ficado impressionada com a nota, depois de ser atraída pelas suas palavras difíceis.

Não que eu me sentisse ameaçada por ele se mostrar extremamente inteligente e conquistar os professores com facilidade, mas é engraçado ver que um ex-presidiário cheio de tatuagens e piercings na orelha, que vive fumando, com certeza transando com inúmeras garotas e sendo visto matando aula, tenha uma das maiores notas na matéria que tem a professora mais exigente.

Talvez eu estivesse com inveja sim, mas só um pouco. Indignada seria a melhor palavra, como um garoto tão errado estaria tão bem assim? É injusto e isso me irrita.

Fico pensativa durante o meu percurso até o clube de natação, minhas pernas inquietas, correndo, ao perceber que eu não sou a preferida. Talvez eu esteja sendo um pouco idiota, com um ciúme bobo e ridículo, mas volto a razão quando fico de frente ao clube natação.

Eu trabalho no Clube Spring Water faz dois anos praticamente. Ajudo a limpar o chão no período da tarde, limpando os vidros e atendendo os nadadores quando possuem alguma dúvida. Assim que termino meu expediente, é como se eu pudesse sentir a liberdade bater na minha porta.

Meu momento de prazer chega quando eu ajudo a fechar a recepção do clube, troco os jeans e a blusa de algodão por um maiô preto, uma touca apertada e óculos posicionados próximo a testa. É a hora do dia que eu me sinto mais à vontade comigo mesma, que eu me sinto verdadeiramente bem e preenchida.

Quando eu nado.

– Quarenta voltas ao redor da piscina – ouço Bárbara dizer enquanto a mesma arruma uma pasta transparente e alguns papéis cheios de rabiscos.

– Sim, treinadora! – digo em alto e bom som e começo o meu aquecimento ao redor da piscina de cinquenta metros.

– Tem corrido pela manhã todos os dias? – Bárbara questiona de repente quando passo por ela durante minha corrida.

– Até durante os domingos, é meu rito sagrado – indago quando dou uma volta e passo por ela – Como está Joey?

– Querendo começar aulas de boxe – Bárbara responde a minha pergunta sobre sua filha de nove anos de idade, quando dou uma volta ela retorna a dizer: – primeiro vôlei, depois basquete, é o terceiro esporte que ela quer tentar, me pergunto quando vai falar da natação.

– Eu pensei que eu era a sua filha de natação, Bárbara – digo fingindo estar ofendida, vendo ela se afastar por causa da minha corrida.

– Eu gosto de você, Jackie, mas não força a amizade. – Bárbara responde eu rio com o seu comentário – Aliás, precisamos falar sobre o seu trabalho de meio período, não tão período assim.

Paro na sua frente, um pouco chocada e ofegante com o rumo daquela conversa.

– Como assim?

– Volte a correr! – ralha e eu continuo com o aquecimento, enquanto isso, ela aumenta a voz para que eu a ouça enquanto eu corro – Bom, o número de nadadores do clube vem aumentando, principalmente depois de inaugurar aulas noturnas para a terceira idade na semana passada. Precisamos de alguém que trabalhe em um horário fixo, você ajuda, muito, mas quatro horas de trabalho e até menos, é pouco para o tamanho do clube.

– Então, vai me demitir? – disparo um pouco ofendida.

–Não apresse as coisas, Jackie, será alguém a mais para ajudar na limpeza durante a noite, só isso... – explica – Com essa ajuda, talvez seu horário de nadar no clube fique melhor.

Fico pensativa.

Eu tinha me acostumado com o ritmo do trabalho aqui, ficar responsável pela limpeza e substituir as recepcionista de vez em quando. É um trabalho bom e o dinheiro vai direto para minhas economias que seria destinado para meus planos futuros, como arranjar um bom lugar para morar após me formar na escola e entrar na universidade dos sonhos.

A ideia de ser substituída não é tão ruim, talvez isso ajude no meu trabalho que vem se tornando bastante pesado nas últimas semanas e eu tenha mais tempo para estudar.

– Enquanto aos treinos da escola? – Bárbara mudou de assunto quando percebe que meu silêncio indicava desconforto com o assunto sobre o emprego.

– O treinador acha que eu tenho um bom desempenho, além do mais, vai ter um amistoso com outras escolas, a data vai ser confirmada ainda – comento empolgada – é claro que vou participar, queria que você pudesse me ver pegando o primeiro lugar.

– Jackie... – Bárbara ri enquanto eu corro – Além de melhorar seu tempo, está precisando trabalhar essa sua modéstia.

– Estou tentando – digo bem humorada – mas acho que sou melhor com números.

Quando termino as voltas, eu pulo na água.

– Quatro segundos atrasadas na hora de pular, Jackie – Bárbara grita depois que eu finalmente consigo emergir até a superfície.

Quando chego no fim da piscina, eu e Bárbara conversamos sobre o treino de hoje. Começo nadando de costas.

Nos últimos dias eu tenho me forçado a aumentar a velocidade durante os treinos, trabalhar melhor a minha respiração, para que meu progresso, ao invés de ser notado em meses, fosse notado em questão de dias. As inscrições das competições nacionais de natação estão chegando e eu tenho que ser uma das melhores nas preliminares e principalmente nas finais, caso eu alcance.

Cada braçada pesa mais, cada pernada é como pedra entrando na água. Respirar é tirar a cabeça da água e captar todo o ar possível no mínimo de tempo possível. Na virada, não tenho tanta velocidade quanto eu tinha na semana passada, milissegundos de diferença, é algo comum de acontecer, mas a pressão da competição esmaga esses pensamentos positivos.

Tiro o óculos quando minha treinadora grita meu nome, apesar de Barbs parecer intimidadora, ela é gentil ao dar advertências e dicas para melhorar. Não é à toa que é tão rígida comigo... Bárbara Collins foi uma nadadora de renome, as estaduais de Geórgia, para ela, eram moleza, já esteve nas finais das nacionais várias vezes. Já participou do Campeonato Mundial da FINA – um dos maiores campeonatos de esportes aquáticos – viajou pelo mundo como nadadora profissional, para alguém com trinta e oito anos de idade, ela tinha adquirido muita experiência, além de ter muito para se orgulhar em tão pouco tempo.

Eu poderia dizer que era uma grande coincidência ela morar na mesma cidade que eu: uma nadadora épica, com uma amadora que queria crescer nesse meio. Entretanto, meu avô nos uniu, Barbs veio até Millstown correndo quando soube que meu avô tinha se aposentado e queria ser um treinador de futuros campeões.

Ela não desperdiçou a viagem, os troféus de primeiro lugar expostos no clube comprovam isso.

É uma pena que ela não possa nadar competitivamente por causa de um acidente de carro e uma perna que não é tão boa quanto antes. Era um verdadeiro espetáculo vê-la nadar em competições. Barbs é um dos grandes motivos que atualmente me inspiram a perseguir meus sonhos, eu corro contra o tempo para tentar ser tão grande quanto ela.

Minha virada melhora graças aos conselhos de Barbs, não é perfeito, mas uma grande melhora.

A natação não é apenas um esporte que eu pratico de vez em quando, é mais do que isso. É praticamente tudo. É algo que eu me orgulho em fazer, me sinto bem em estar em contato com a água e me esforço até o último suspiro para ser melhor, para crescer e eu amo isso. Quando eu sonho alto de vez em quando, me vejo em competições mundiais, ao lado de lendas da natação, me vejo com um troféu de ouro em mãos.

Natação é algo importante na minha vida, uma parte de mim e poder fazer isso profissionalmente, é um sonho que eu vou fazer virar realidade. É o meu principal plano de vida que está definido, no topo da lista de prioridades, vou fazer isso acontecer, custe o que custar, porque do mesmo jeito que um poeta precisa das palavras, eu preciso da água para sobreviver.

Notas da Autora :

O que acharam do capítulo novo???? Mereço uma estrelinha? Um comentário sobre as opiniões de vocês? Obrigada por lerem até aqui!

Continue Reading

You'll Also Like

17.2K 1K 29
Uma vez ela se tornou minha. Minha caça. Uma psicóloga Criminal; Um serial Killer. O amor entre eles não deveria existir. Isso é o que o mundo pensa...
10.4K 1.5K 28
Um garoto, aparentemente bem louco, surgiu no quintal de Rebeca falando como se a conhecesse e perguntando sobre um livro. Ela o acha totalmente pi...
57.1K 5.8K 57
Adolescência pode ser a fase mais divertida da vida, mas, quando algo sai fora do programado, ela se transforma em algo bem difícil. Julia não sabia...
27.1K 4.4K 28
Conto final da trilogia 10 Maneiras! Depois de viverem suas próprias aventuras e desafios da adolescência, os Carson's estão de volta a mais um Natal...