"Insira aqui um número decimal. Essa será a numeração dessa postagem, já que eu parei de contar.
Vocês já pararam pra pensar sobre como o amor é traiçoeiro?
Sobre como uma pessoa pode ir dormir certa de que conhece esse sentimento a fundo, certa de que as borboletas dentro dela estão -finalmente- vivas, e acordar no dia seguinte sentindo o peso de estar vazia novamente?
Sentindo. O. Peso. Do. Vazio.
É como estou agora.
E não sei nem porquê."
Leio e releio a publicação umas dez vezes antes de postar, com medo de que Zac leia, com medo de que alguém possa interpretar errado.
Porque eu não estou vazia.
Ou estou?
- Você não vai a aula, meu bem? - Sandy entra sem bater, me fazendo pular da cadeira.
- Vou. - Digo enquanto fecho o MacBook e o coloco na mochila. - Papai está lá embaixo?
- Sim, te esperando pro café da manhã.
- Desço em um minuto.
Desde que comprei outra mochila de rodinhas, a vida ficou mais fácil, mas as vezes sinto como se eu não fosse mais a Frida que usa mochila de rodinhas, como se eu fosse a que usa mochilas estilosas e salto alto na escola. E não gosto muito dessa Frida.
- Bom dia. - Meu pai diz ao me ver descendo as escadas.
- Bom dia. - Deixo um beijo em sua bochecha e me sento na mesa ao seu lado. Nunca percebi o quanto essa mesa é grande pra uma casa onde moram duas pessoas. Se bem que tudo nessa casa é grande demais pra duas pessoas.
- Tem alguma coisa errada?
- Não, por que?
- Está distraída. - Ele bebe um gole do café. e estica o jornal, virando a página.
- Essa mesa é muito grande. - Dou de ombros e começo a comer minhas panquecas de morango com mel. Sandy as prepara muito bem, mas eu sinto falta da comida da minha mãe.
- Está incomoda com a mesa? - Ele franze as sobrancelhas.
- Essa casa é muito grande, eu só estou levando tempo demais pra me acostumar.
- Está aqui a quase um mês e é a primeira vez que te ouço falar disso. Está tudo bem? - Meu pai abaixa o jornal e me direciona um olhar atencioso enquanto coloca sua mão em cima da minha.
- Acho que quero ir pra casa.
- Você está em casa.
- Quero ir pra casa em Harvey.
As últimas palavras são quase um sussurro, já que não sei como será a reação de Michael.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não! - Respondo rápido. - É só que... - Respiro fundo. - Eu amo esse lugar. Amo o Sandy, meu quarto, a piscina, mas...eu quero a minha casa. Minha mãe.
Sem saber porque, meus olhos enchem de lágrimas.
- Está tudo bem, querida. Pode fazer as malas hoje. Mas espero que volte.
- Todo fim de semana, eu prometo. - Sorrio.
- Jante comigo hoje, por favor, posso te levar quando terminarmos.
- Ok. - Respondo sorrindo.
- Está pronta?
- Maisie vem me buscar.
- Você precisa começar a pagar o combustível dessa garota.
- Eu já pago. - Sorrio.
Quase como se estivesse nos ouvindo, Maisie me liga.
- Porta. - Ela diz.
- Saindo.
Desligo o telefone e me levanto, arrumando a saia e arrastando a mochila.
- Você está péssima. - Digo ao entrar no carro.
- Ressaca.
- Numa terça feira? - Levanto uma sobrancelha.
- Ressaca moral. - Maisie da partida no carro.
- O que aconteceu?
- Meu pai viajou com a esposa e deixou Kate e Alice comigo.
- Você ficou sozinha com as gêmeas? - Arregalo os olhos, pensando no quanto Maisie deve estar cansada.
- Meu cabelo nunca foi tão puxado, meu quarto nunca foi tão desarrumado, meu banheiro nunca esteve tão alagado e eu, definitivamente, nunca estive tão exausta. Aquelas crianças foram enviadas do inferno, Frida, eu juro.
- Quer uma ajudinha? Posso dormir na sua casa hoje.
- Faria isso por mim? - Ela faz voz de neném.
- O que você não me pede sorrindo que eu não faço chorando? - Sorrio.
- Eu não te pedi nada, você que ofereceu. - Maisie dá de ombros.
- Até parece que não reclamou com segundas intenções...
- Falando em segundas intenções, e Zac?
- Ah não... - Reviro os olhos. - São sete da manhã, Maisie. Você já me lotou de mensagens sobre isso à noite inteira!
- É que tem alguma coisa errada, Frida, você costumava derreter toda vez que ele passava, agora nem responde o cara. O que vai fazer quando o vir na Cher's hoje?
- Eu não trabalho hoje.
- Você não trabalha numa terça?
- Estou doente.
- De que?
- Não sei, me ajuda a inventar alguma coisa pra Samantha.
- Eu não acredito que vai faltar o trabalho pra não dar de cara com Zac, Frida, quantos anos você tem?
- 17, sou uma adolescente, tenho aval pra fazer esse tipo de coisa.
Maisie revira os olhos e resolve não responder, fazendo com que fiquemos em silêncio até o estacionamento de Saint Harvey.
- Eu estou tão cansada desse lugar. - Digo.
- Já está acabando. Inclusive, temos reunião com a comissão de formatura depois da aula.
- Desde quando eu e você estamos na comissão de formatura?
Maisie sorri.
- Maisie. Você nos colocou na comissão de formatura? - A encaro.
- Eu? - Ela ri.
- Maisie!
- Desculpaaaa! Você sabe que eu estou ansiosa! - Ela abraça meu braço direito como uma criança abraça a perna de um adulto.
- Maisie, pelo amor de Deus, Johanna é diretora da comissão! Eu não quero lidar com ela! Muito menos com um bando de preparativo chato e...
- Eu to te implorando! Eu te busco na Cher's todo dia e aguento você reclamar do seu namorado magrelo feio, você me deve isso!
- Maisie, em primeiro lugar: eu não te devo nem respeito. Em segundo: eu pago sua gasolina. Em terceiro: ok, você está certa sobre o Zac, mas...
- Mas nada! Nós estamos na comissão e pronto. Você é maravilhosa, melhor amiga do mundo, boa aula, reunião às cinco, te amo.
Maisie sai andando rápido pelo corredor extenso de Saint Harvey antes que eu possa alcançá-la. Nem tento, apenas dou de ombros e sigo até o meu armário.
Pela milésima vez, meu armário está emperrado.
- Puta que pariu. - Digo ao tentar empurrar a pequena porta cinza, sem sucesso.
- A Madre te mataria se te ouvisse falar assim. Precisa de ajuda com isso? - Ouço uma voz masculina e me assusto.
- Foi mal, achei que estava sozinha.
- E não estamos todos, neste vasto universo onde somos apenas poeira cósmica?
De repente, o dono da voz tem minha atenção. Que porra de papo é esse as 7 e meia da manhã? Me viro para encara-lo.
- É o que? - Arqueio uma sobrancelha, sem paciência.
- Apenas pra quebrar o gelo. - Ele solta uma risada nasal. - Sou o Noah, prazer.
Noah estende sua mão direita e eu pondero um pouco antes de aperta-la.
- Nunca o vi por aqui. - Digo, desconfiada.
- Também nunca te vi.
- O que? Estudo em Saint Harvey minha vida toda!
- Mas eu não. Posso? - Ele dá uma piscadela e indica meu armário.
- Claro, mas não sei se você vai conseguir, essa porta está sempre emperrada e...
- Prontinho. - Ele me interrompe e me sinto ridícula, já que com apenas dois cliques no cadeado, Noah fez com que meu armário abrisse lindamente.
- O que foi que você fez?
- O tratei com carinho. Você deveria fazer isso de vez em quando. - Ele sorri e eu percebo os olhinhos puxados.
- Eu não... - Abro a boca mas a frase não se completa.
- Tá tudo bem. - Ele coloca uma mão gentil no meu ombro. - Eu te entendo, nem todos têm o dom da compaixão por objetos inanimados.
- Você tem algum problema?
- Não. Você tem? - Ele me olha nos olhos e eu fico constrangida com tanta proximidade.
- Você tá em qual ano?
- Você não respondeu minha pergunta. - Noah sorri de lado e percebo que está me provocando.
- Meu único problema é que você está me irritando.
- Estou no segundo ano. E você?
- Eu também. Vai se formar?
- Talvez. - Ele dá de ombros. - Não consigo entender como vocês se formam no segundo ano. - Noah franze o cenho enquanto pega uns livros em seu armário que, por coincidência, é ao lado do meu.
- Fazemos especialização em alguma coisa no último ano. - Dou de ombros. - Daí é direto pra faculdade.
- Você quer fazer o que?
- Ser alguém, eu acho. E você? - Digo, ignorando completamente meu trabalho. Por um momento, quero ser só a Frida.
- Você já não é alguém?
- Alguém importante.
- Então acho que temos o mesmo objetivo.
- Sou uma concorrente muito forte. - Sorrio.
- E eu sou um nerd. - Ele sorri de volta.
- Já me disseram que...
O alarme me interrompe e nos convida a ir pra sala, já que as aulas começarão em breve.
- Que o que? - Ele pergunta.
- Que vocês nerds são os piores.
- Realmente somos. Tenha cuidado.
- Pode deixar. - Sorrio e saio arrastando a mochila pelo corredor.
- Ei! - Noah grita. - Sabe onde fica a sala de Geografia?
- Pro lado que eu estou indo. - Rio.
- Ótimo, seremos colegas de classe. - Ele dá uma corridinha e me alcança, começando a andar ao meu lado.
- Ótimo. - Digo, revirando os olhos.
- Seu olho é legal.
- O seu também. - Digo.
- Bem azul, parece sorvete de blueberry.
Solto uma risada sincera.
- Nunca me falaram isso antes.
- Eu causo esse tipo de reação. - Ele dá de ombros.
E aí, o que acharam do Noah? Algo me diz que essa amizade vai preencher certos vazios...