O Inventor de Estações

By ItaloAnatercioS

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🏆 VENCEDOR "THE WATTYS AWARDS 2019" NA CATEGORIA FANTASIA 🏆 🏆 1º Lugar no Concurso Wattpad Brasil - Fanta... More

Magia
Prólogo
Capítulo 01 - Coisas que brilham
Capítulo 02 - Depois da cerca
Capítulo 03 - A reunião dos Anciões
Capítulo 04 - A Floresta de Mármore
Capítulo 05 - Os outros Sinibios
Capítulo 06 - Sob um novo céu
Capítulo 07 - O Furto e a cantiga
Capítulo 08 - O menino do saco
Capítulo 09 - Carne Seca. Parte I
Capítulo 10 - Carne Seca. Parte II
Capítulo 11 - Carne Seca. Parte III
Capítulo 12 - A Congregação. Parte I
Capítulo 13 - A Congregação. Parte II
Capítulo 14 - Passagem Sem Volta
Capítulo 15 - Civilização dos Inquebráveis. Parte I
Capítulo 16 - Civilização dos Inquebráveis. Parte II
Capítulo 17 - Civilização dos Inquebráveis. Parte III
Capítulo 18 - Civilização dos Inquebráveis. Parte IV
Capítulo Extra - Poema para Haga
Capítulo 19 - Descobertas No Subsolo
Capítulo 20 - A Espiã
Capítulo 21 - Desventuras em Série. Parte I
Capítulo 22 - Desventuras em série. Parte II
Capítulo 23 - Desventuras em série. Parte III
Capítulo 24 - Desventuras em série. Parte IV
Capítulo 25 - Interessados, sumiços e quedas. Parte I
Capítulo 26 - Interessados, sumiços e quedas. Parte II
Capítulo 27 - Terra Vermelha. Parte I
Capítulo 28 - Terra Vermelha. Parte II
Capítulo 29 - Girassol adormecido
Capítulo 30 - Outono e Inverno
Capítulo 31 - Fragmento de estrela
Capítulo 32 - O círculo das energias
Capítulo 33 - Ilha Tenebrosa
Palavras Mágicas
Capítulo 34 - O choro da criança
Capítulo 35 - O segredo. Parte I
Capítulo 36 - O segredo. Parte II
Capítulo 37 - O homem na estrada
Capítulo 38 - Cantiga na estrada
Capítulo 39 - O Rastro no céu
Capítulo 40 - Redoma de Cristal
Capítulo 42 - A jornada da Menina Vermelha
Capítulo 43 - Batalha e a terra que cura
Capítulo 44 - O Cemitério das naves
Capítulo 45 - Os vultos do abismo sem fim
Capítulo 46 - Verdade nas mãos. Parte I
Capítulo 47 - Verdade nas mãos. Parte II
Capítulo 48 - Corrupção da terra
Capítulo 49 - Um mundo corrompido
Capítulo 50 - A grande sala de estrelas
Capítulo 51 - O Amor é Selvagem
Capítulo 52 - A Rosa da esperança
Capítulo 53 - Aprisionados
Capítulo 54 - A solução. Parte I
Capítulo 55 - A solução. Parte II
Capítulo 56 - A Fortaleza sombria
Capítulo 57 - De volta ao lar
Capítulo 58 - O sábio e a Harmonia
Capítulo 59 - Fantasmas do Passado
Momentos
Capítulo 60 - A esperança
Capítulo 61 - A Rosa violenta e o abraço frio
Capítulo 62 - A anciã e o menino
Capítulo 63 - O despertar do último
Capítulo 64 - O regresso da Harmonia
Capítulo 65 - Feridas
Capítulo 66 - Os prisioneiros e o menino
Capítulo 67 - A morte do antiquíssimo
Capítulo 68 - A anciã, a criança e o abismo
Capítulo 69 - A volta dos inocentes
Capítulo 70 - A Harmonia das Estações
Epílogo
Agradecimentos
oizinho
❄️🌸 Algo especial 🍁☀️
Capítulo Extra (spin-off): A Torre da Espera
Artes ❄️🍁🌸☀️
Heyzinho 🦊

Capítulo 41 - Coração de Pedra

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By ItaloAnatercioS


O dia amanheceu e Tonto ainda estava aninhado entre algumas rochas adormecido. Goque não saiu do lado dele durante toda a noite. Embora fosse dia, percebeu ele que havia algo de errado: era como se tudo estivesse submerso em uma água suja e bege. Andou até a abertura da caverna batendo a cabeça várias vezes nas paredes pontiagudas e se deparou com um sol fraco demais e de aspecto muito doente. Poeira estava os envolvendo.

Voltou para perto do menino e o ouviu respirar ruidosamente, pois seus pulmões estavam com dificuldade de filtrar o ar denso. Tonto começou a tossir em uma crise que o fez despertar de imediato com uma dor na garganta. Goque o acalmou segurando suas costas para que ele pudesse se sentar vagarosamente.

— O que está havendo? Não consigo respirar direito — ele perguntou com a voz cortada quase inaudível.

— Acalme-se, fique um pouco sentado.

Assim ele fez. Rapidamente Tonto teve uma ideia que poderia ajudá-lo. Abriu sua sacola e vasculhou entre a comida que Maga Terrosa havia lhe preparado, encontrou um paninho amarelo que sua mãe havia colocado ali para envolver o pão que comeu há muito tempo. Imaginou ter sido um grande golpe de sorte guardar aquilo. Mais sorte ainda foi poder usar em volta da cabeça e conseguir dar um nó atrás cobrindo o nariz e a boca. Quanto a seus olhos irritados, precisou se acostumar. Goque já estava lá fora e olhava em volta com admiração silenciosa. A poeira estava por toda parte de maneira que não dava para enxergar paisagens distantes. Tudo parceria uma pintura borrada.

— Infelizmente temos que seguir — ele disse voltando-se para Tonto que se ajuntou a ele enxergando com dificuldade. — Não tenho ideia de quanto tempo vai demorar para que essa poeira baixe, geralmente são dias.

— Dá para seguir assim — afirmou Tonto. — Estou enxergando muito pouco, mas não vai ser tão dificultoso assim. Mas o que é isso?

— Poeira, menino. Muita poeira. A estrela caiu próximo daqui, possivelmente no lugar para onde iremos agora. Ainda assim, o impacto não foi tão forte como costuma ocorrer, suponho que foi um fragmento de uma estrela maior, elas sempre se partem em inúmeros pedaços.

Os dois desceram a encosta tomando distância da montanha negra para observar o caminho que seguiriam. Tonto escorregou algumas vezes quando pisou em rochas soltas, mas Goque estava por ali para ajudar-lhe a ter mais equilíbrio. Havia vegetação em volta do pé da montanha, algumas árvores altas e rochas que mais pareciam pequenas casas maciças. Goque caminha guiando e logo encontrou uma trilha que imperceptível entre alguns rochedos e arbustos e soube que era por ali que deveriam seguir para dar a volta na montanha.

A caminhada durou algumas horas. Passaram por um fino corte de um riacho de água turva, mas Tonto não hesitou em juntar as duas mãos e beber. Também lavou o rosto com a água fria e isso o ajudou a enxergar um pouco melhor, ainda que houvesse poeira por toda parte. Após saírem da trilha, depararam-se com um descida que os levou até um campo aberto e sem árvores. Era diferente da planície que deixaram para trás: não tinha vegetação alguma e o solo parecia doente, as árvores que rodeavam a montanha negra pareciam ter medo de tocar suas raízes por ali, foi o que imaginou Tonto. De certa forma aquilo serviu de vantagem em relação a tempo. Puderam caminhar mais rápido e sem paradas por muito tempo.

Novamente estavam subindo; era uma pequena elevação do solo que se assemelhava a um morro e ao lado deste havia outros de mesma característica. O solo destes era negro e um pouco fétido. O sol totalmente oculto pelas nuvens dava ao lugar um tom ainda mais cinza. A montanha estava logo atrás como um monstro que ganhava ainda mais força conforme se afastavam. Tonto olhou para trás algumas vezes e não pode negar que havia uma sensação pesada no ar, que era muito mais do que a poeira que os cercava, era como se o ar estivesse sussurrando com uma voz capaz de penetrar na mente.

Estavam se aproximando e, finalmente tiveram o primeiro deslumbre do último trecho a seguir.

Uma brisa constante parecia empurrá-los como se quisesse obrigá-los a descer. Tonto custou a entender o que era aquilo, havia poeira e neblina, talvez fosse tudo apenas uma única coisa. Goque manteve o olhar fixo e o corpo rígido diante da paisagem. Era tudo azul e cinza.

Poderiam ficar ali por muito tempo, e talvez não precisassem descer. Mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, Goque foi surpreso pelos primeiros passos de Tonto na direção do Jardim dos Mil Corpos e começou a segui-lo devagar.

Tonto baixou o pano que cobria parte de seu nariz e boca, estava atrapalhando ainda mais sua visão. Nunca havia sequer imaginado um lugar tão obscuro. Goque hesitou mais uma vez antes de finalmente pisar naquele solo estranho. Era liso e quase espelhado, de aspecto azulado e frio. Tonto desequilibrou duas vezes antes de conseguir avançar. Ali a poeira era mais densa embora parecesse que estava baixando. Havia um murmúrio no ar como se constantemente alguém estivesse sussurrando com voz rouca.

— É aqui que eles estão — disse Goque com sua voz rouca pesando como uma rocha.

Tonto o encarou por um instante em total silêncio, não sabia o que dizer; viu através de seu corpo de cristal o coração de pedra tão especial pulsando ainda mais forte. Nunca vira algo como aquilo. Em certo momento ele teve quase certeza de que havia chamas em fios sutis dançando no vermelho do coração do papa-cristal. Imediatamente seguiram a caminhada sem conseguir enxergar muito do que vinha pela frente ou qualquer direção que olhassem. Pisar ali era como andar sobre um espelho, embora fosse mais opaco era possível ver silhuetas distorcidas projetadas de seus próprios corpos. Não havia luz do dia pois o céu estava tremendamente encoberto por nuvens obscuras e movediças e a cada instante outras se juntavam numa batalha para impedir os raios de chegarem ao mundo.

Não souberam onde estavam e nem se estavam mesmo seguindo em linha reta, mas uma rajada daquela mesma brisa varreu a poeira bege e revelou uma cena de arrepiar. Tonto queria se encolher ou apenas recuar, mas estavam cercados. Eram eles. Mil corpos de cristal do mais puro. Paralisados e opressores. Goque envolveu os ombros de Tonto com um braço enquanto olhava em volta. Todos aqueles papa-cristais estavam cercando-os em todas as direções num círculo gigante e ao mesmo tempo claustrofóbico. E logo mais à frente havia uma cratera que descia profundamente naquele solo espelhado e dela emanava aquele sussurro tão terrível e sufocante ao coração.

Foi somente quando Goque fez a menção de dar mais um passo segurando Tonto que todos aqueles seres pareceram despertar como se aquele gesto fosse uma grande ofensa. E um deles ainda paralisado, mas de voz deprimida disse:

— Irmão Goque, é uma magnífica honra tê-lo entre nós! — os outros fizeram uma mensura curvando um pouco seus corpos azulados pela luz tênue. — Veja que destino esplêndido, você aqui justamente quando nós temos um banquete em disposição.

— Desculpe-me, irmão, em ter que cortar sua gentileza, mas infelizmente não estou aqui pela estrela...

— Não?

Tonto sentiu um forte calafrio em todo o seu corpo com aquele tom de voz assumido pelo outro papa-cristal. Seus gestos eram grotescos e quase ofensivos aos olhos.

— Não — repetiu Goque. — Eu não necessito de alimento, não ainda. Meu ciclo estelar ainda não se fechou.

— O que faz aqui? Fale, irmão!

Seus gestos agora eram mais evasivos e forçados e havia ainda centenas deles por toda parte. Tonto não estava gostando daquilo. Goque voltou a falar e estava determinado a dizer tudo e partir:

— Estou apenas de passagem, queridos irmãos. Quem sabe, em uma outra ocasião, poderemos nos reunir novamente. Preciso seguir com o meu amigo — e então ele apresentou o menino para aqueles corpos frios e sem rosto, sem expressões de agrado ou desgraça. Apenas frios e vazios, pois Tonto logo notou que nenhum deles tinha um coração como Goque. Nenhum. — Ele se chama Tonto e...

— Um hagariano de carne e osso, vejam! — e ele estendeu a mão tão pesada e com dedos afiados para cumprimentar Tonto que quase hesitou. — É um prazer, menino. Me diga: és mesmo amigo do nosso irmão?

— S-sim! Eu sou.

— Ora... Então podes convencê-lo a ficar só mais um pouco conosco, não pode? — o papa-cristal estava tão próximo de Tonto e tão curvado que suas cabeças quase se tocavam. — Repito: Podes fazê-lo ficar mais um pouco?

— Eu acho que ele não quer ficar, não agora. Talvez quando voltarmos da Oficina do... — Tonto falou demais e se odiou por isso.

— Ah, a Oficina do... Do... Como é mesmo? Ah, sim! A Oficina do Inventor! — exaltou o papa-cristal. — Então vocês dois estão indo para lá? Que incrível — se dirigiu a Goque quase com fúria. — Irmão, o que vais fazer lá? Ainda pensas em buscar respostas com o Inventor sobre essa pedra que tens no peito?

— Não. Estou apenas guiando meu amigo até lá.

— Pois bem... Agora ele pode seguir sozinho. A Oficina do Inventor não fica muito distante daqui.

— Eu vou acompanhá-lo, é a minha missão...

— E quem o incumbiu com essa tarefa? Tem certeza que só o está guiando para lá, sem nenhum interesse em descobrir a verdade sobre a sua pedra no peito?

Um silêncio incômodo se instalou e parecia que duraria mais e mais tempo. Tonto não se sentia confortável no meio de toda aquela multidão tão carregada de opressão. Estava implorando desde o seu âmago para que Goque conseguisse de uma vez cortar conversa com todos eles e assim pudessem seguir. Mas não foi o que aconteceu.

— Irmãos, peço que nos deixe seguir. Fizermos uma longa viagem até aqui e falta muito pouco para que consigamos concluir o que pretendemos. Só nos deixe passar.

— Tudo bem — disse aquele mesmo papa-cristal. — Você pode ir...

E os dois deram alguns passos mas foram bruscamente interrompidos. Tonto sentiu seu estômago esfriar e dar voltas. Goque permaneceu parado e um dos papa-cristais que antes estava parado agora o segurava pelo ombro.

— Você não, querido irmão. O menino tem permissão para seguir sua viagem. Ele parece ser bravo como uma rocha hagariana. Mas, imploro para que você fique conosco. Sentimos sua falta. Venha, desça aqui comigo.

O papa-cristal puxou Goque do poder do outro e o levou até a beira da cratera. Lá estava o fragmento da estrela se revelando no meio daquela poeira. Tonto tentou ao máximo se aproximar, mas foi impedido por dois grandes seres de cristal e empurrado para a outra direção. Estavam enxotando-o dali.

— Goque! — gritou. — Venha comigo, Goque!

Todos os olhares se voltaram para o menino. Muitos dos papa-cristais que não haviam se movido fizeram uma barreira bloqueando a visão entre Tonto e seu amigo. E ele gritou mais enquanto era arrastado pela camisa e pelo pulso.

Sua voz estava abafada.

— Venha meu irmão, desça comigo. A estrela permaneceu quase intocável. Sabe... Aprendemos muita coisa em nossa sociedade. Agora conseguimos controlar nossa fome de modo que não precisamos sugar toda a energia e uma estrela de uma vez. Podemos fazer isso aos poucos.

— Isso é muito bom — afirmou Goque enquanto era guiado para a reentrância no solo. De repente estava diante do fragmento de estrela sem conseguir negar que aquela energia o atraía muito mais do que podia resistir. Estava ouvindo os gritos de Tonto. Eram distantes demais, quase sussurros.

— Nós sempre te compreendemos muito mal, querido irmão. Você só era um tolo em busca de respostas tolas e a maioria delas nem existiam. Estamos dispostos a aceitá-lo de volta em nosso meio.

— Mesmo? Estariam dispostos a me aceitar como sou?

Houve hesitação do outro até que ele respondeu com sua mesma voz deprimida e rouca:

— Você é como nós, não era isso que dizia? Para que se torne de fato um papa-cristal, deve aceitar seu destino. Somos enfeites e nos orgulhamos disso. Você só precisa assumir sua posição.

— Mas, eu nunca me senti bem fazendo isso.

— Por que sua mente é vazia demais e cria armadilhas. Abandone seu vazio. Veja, nenhum de nós temos essa pedra vermelha que você tem no peito e somos satisfeitos com o nosso destino. Abraçamos nossos destinos. Abrace-o.

Tonto ainda estava sendo arrastado sem que seus pés tocassem de fato o chão por muito tempo. Seu rosto estava vermelho e sua voz esganiçada. Algo estava surgindo em seu peito, mas nenhum dos papa-cristais que o arrastava prestou devida atenção. Ele fechou os olhos e mais uma vez estava no escuro; não conseguia ver a si mesmo, somente aquela figura de fogo e luz e pura energia.

Goque estava se aproximando da estrela por conta própria enquanto ouvia a voz persuasiva do outro.

— Como sabe que continuarei vivo se fizer isso? — ele perguntou virando-se para o outro.

— Nós somos vivos, não somos? Temos uma pedra desta? Claro que não. Siga a razão, querido irmão. Esta pedra sempre o iludiu, sempre o deixou cego para a verdade que sempre esteve aqui.

— Eu estou com medo.

— O medo também vem dela. Da pedra...

Mais um passo e estava cara a cara com a estrela. A energia dançava azulada pela rocha cósmica e causava pequenos estalidos. Goque estendeu a mão. Tocou-a. A outra mão estava sobre o lado esquerdo do próprio peito como instruiu o outro papa-cristal.

Distante dali acontecia uma luta. Tonto se livrou das mãos dos dois papa-cristais e estava cercado por todos os outros que estavam apavorados. De seu peito — da sua marca de nascença. — a luz mais forte e quente emanava e ganhava mais e mais força. Os olhos do menino já não eram como antes, pois era pura energia dourada e fervente. Um raio saiu de sua marca e assumiu uma forma humanizada logo acima de seu corpo como se fosse sua sombra projetada. Ele não estava controlando sua força de modo que com apenas um movimento de seu braço conseguiu destruir muitos dos papa-cristais que o cercava. Era o sol, era a fúria. Ele era o calor. Houve um grande espetáculo de cores ofuscantes conforme ele varria aos arredores para fugir das criaturas.

Na cratera, Goque estava absorvendo a energia da estrela cada vez mais, só que podia ouvir as instruções daquele papa-cristal ao seu lado e começou a penetrar seu peito com a própria mão. Enquanto a energia cósmica entrava em seu corpo de cristal, sua mão alcançava a pedra. Houveram muitas explosões distantes dali. Gritos. Sons de cacos em mil pedaços. Goque continuou até tocar sua pedra pulsante e vermelha e a puxou.

Quando atingiu o solo, viu um canhão de luz dourada atravessar o corpo do papa-cristal que o levou até ali. Era o último. Se desintegrou.

A luz dourada desapareceu e todo o seu calor permaneceu por um curto tempo. Goque estava deitado no chão com as costas apoiadas no que ainda restava da estrela e em sua mão estava a sua pedra pulsante. Demorou um pouco até que Tonto surgisse na beira da cratera com os olhos ainda brilhando como se estivesse engolindo toda a sua energia como um prato de sopa quente.

O menino desceu aos tropeços e gritava pelo amigo. Chegou ao seu lado e o abraçou no mesmo instante. Goque gemeu. Estava tão frio como nunca esteve e parecia quebradiço.

— Oh, Goque! — lamentou. — O que aconteceu? Foi tudo culpa minha... Tudo culpa minha.

Seus olhos estavam perdendo o brilho dourado assim como sua marca no peito e apesar disso ele enxergava Goque tão enfraquecido por suas lágrimas. Tentou falar mais algumas coisas, mas sua voz era esganiçada quase inaudível. O papa-cristal o interrompeu por um instante:

— Você fez tudo isso?

Ele assentiu.

— Eu sinto muito por tudo que fiz, Goque! Eu os destruí. Me perdoe!

— Eles já estavam destruídos, querido menino. Sempre foram corrompidos, não entendo o por que.

Ele estava com a voz cada vez mais distante como se estivesse caminhando para longe de Tonto a passos lentos e dolorosos. Seu coração pulsando em uma das mãos cheio de energia. As lágrimas de Tonto desciam de sua face e banhavam o chão. Goque segurou uma delas.

— Vou ficar com isto — ele disse com a lágrima escorrendo pelo dedo fino e transparente. — Eu nunca me esquecerei de você, menino Tonto.

— Você vai ficar bem, Goque! Ponha seu coração de volta, por favor... Não!

— Não é por isso que estou dessa forma — ele indicou a estrela atrás de si com um movimento de cabeça. — Lembra quando disse que um papa-cristal só pode se alimentar de uma estrela a cada cem anos? Isso é devido a carga de energia que ela nos dá. Eu não precisava... Não precisava ter feito o que fiz, mas me deixei enganar por palavras tão ilusórias.

— Então guarde seu coração no peito!

Tonto insistiu e dessa vez segurou a pedra vermelha pesada e brilhante em suas mãos e levou-a até o peito do amigo, mas foi impedido. Começou a soluçar pois já não tinha lágrimas. Um nó se apertava cada vez mais em sua garganta e era quente, terrível.

— Você precisa continuar, sabe disso.

— Não irei sem você!

— Você sabe que precisa seguir — estava ficando cada vez mais difícil ouvir a voz de Goque e a cada segundo que se passava parecia uma tortura. — Pegue meu coração. Eu estarei sempre com você.

— Você não pode me deixar, Goque! Por favor, não faça isso comigo — implorou o menino com uma voz cortada por soluços e grunhidos de dor.

— Uma coisa você tenha certeza: eu nunca estarei longe de você, menino Tonto. Você mudou minha existência trazendo-me tanta sabedoria e novos caminhos. Acho que a minha missão não era você, mas era com você. Obrigado por me mostrar o melhor de uma pessoa. Nada do que vivemos foi em vão, guarde isso com você. Se eu pudesse chorar, nesse momento seriam lágrimas de mais pura alegria. Eu nunca vou te abandonar. Nunca. Lembra da faga-de-pedra na floresta de Mármore? Sempre tome cuidado com uma daquelas, menino distraído. Meu menino Tonto. Agora vá! Vá! Faça a sua jornada valer a pena...

Eram suas últimas palavras e últimos gestos. Goque estendeu uma mão e tocou a marca dourada no peito de Tonto e por coincidência ou conexão ela brilhou e iluminou seu corpo por completo dando a ele um aspecto espectral e eterno. Talvez fosse por que ele queria que aquela fosse a última visão que Tonto tivesse dele. E adormeceu recostado na estrela. Sua voz não estava mais ali. Não era mais presente.

Tonto se jogou contra seu corpo e chorou pesadamente sem querer parar. Suas lágrimas eram uma cachoeira infinita e violenta. Seus gritos de dor eram insuportáveis e horrendos aos ouvidos. Em alguns momentos socou o solo, a estrela, o corpo frio de Goque e o beijou inúmeras vezes também. Depois de muitas horas sentado ao lado de Goque, decidiu que deveria partir. O que faria sem ele? Como poderia pensar em deixá-lo ali sozinho para sempre? A sensação que sentia pensando nessas coisas era como agulhas no estômago. Incontáveis vezes ele chorou, abraçou-o sem parar até seus braços doerem. Mas estava com o coração vermelho de pedra em sua mão e ele ainda pulsava e, apesar de assustador, havia o brilho avermelhado como fogo que dançava na pedra quando olhava de perto.

O menino reuniu todas as poucas forças que ainda tinha, puxou o corpo de Goque para deixá-lo deitado de verdade e longe da estrela. Beijou sua face tão boa e pura. Abraçou-o e se permitiu chorar mais uma vez até não aguentar mais. Sua garganta doía e seu peito estremecia.

Era hora de dizer adeus definitivo. Mas parte de Goque estaria com ele onde quer que fosse e faria o que fosse necessário para proteger seu coração. Guardou-o com cuidado no paninho amarelo e arrumou em sua bolsa de lado.

Conforme foi se afastando do corpo de Goque, sentia dores que nunca imaginou ser capaz de sentir. Seu âmago fervia e congelava. Seus dentes batiam contra os outros e mais lágrimas desciam por sua face. Estava abandonando-o? Não! Ele pensou. Eu voltarei, Goque. Eu prometo que voltarei. Eu prometo.

Saiu da cratera se arrastando pesadamente e gemia. Goque estava ali para sempre. Uma chuva irrompeu o soturno silêncio e serviu para camuflar as lágrimas do menino e apagar o brilho de seu Sinibio.

Ele olhou em uma direção e sem a poeira podia ver a montanha negra muito distante e seu pico era maligno. Soube de imediato que para chegar até a Oficina do Inventor deveria seguir em frente e foi o que fez.


Olá, tudo bem?
Não costumo fazer isso ao final dos capítulos, mas digo que este foi de fato o capítulo mais difícil de escrever de toda a minha vida. A despedida de Goque destruiu meu coração há muito tempo. Mas creio que ele deixou muitas lições e sua marca na história de Haga.

Nada neste capítulo foi em vão, nem mesmo um gesto.

Meu coração está partido, mas ainda temos uma jornada longa e pesada pela frente. Segure minha mão e vamos. Obrigado por estar aqui comigo.

Abaixo deixarei a ilustração mais linda e significativa que pude receber. Foi um trabalho feito pelo artista Henggo e eu o admiro muito.

☀️ Tonto e Goque caminhando juntos até a montanha negra. ❤️

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