Capítulo 02 - Depois da cerca

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O som era quase como uma carícia delicada aos ouvidos

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O som era quase como uma carícia delicada aos ouvidos. Ecoando feito vento vazio, desviando de todos os obstáculos, na frequência certa para hipnotizar.

Os boatos sobre os Bobo-cuias ficaram cada dia mais fortes e carregados de verdade. Todos já estavam sabendo do desaparecimento de mais uma criança, do Vale da Primavera: os boatos diziam que a menina brincava no grande jardim de lavanda, quando ouviu a primeira nota da cantiga das criaturas e então, desapareceu. Isso só podia indicar que as estranhas criaturas estavam ficando mais ágeis e com mais vontade de raptar crianças. A ordem era a mesma: Frio. Vento. Flores... Calor.

Inquieto e talvez um pouco apavorado demais, Tonto resolveu passar o resto do dia em seu quarto. De vez em quando, se pegava olhando para a sua marca de nascença em formato de sol, que já havia parado de doer, mas que transmitia certo conforto para ele quando se pegava fitando-a.

Da pequena janela triangular de seu quarto, era possível ver o horizonte dourado de todo o vale por trás da casa. O campo de girassóis era belo ao entardecer e era o melhor momento para se tomar chá de camomila vendo o Astro-Rei desaparecer para surgir em um novo dia. Porém, Tonto não conseguia se concentrar naquele ritual que sempre costumava fazer, pois a perturbação da sua mente com informações sobre o Rapto dos Inocentes era gritante.

Ele se afastou da janela mais uma vez, cantarolando a cantiga de seu lar, para distrair a mente e não ouvir os próprios medos. Sentou na cama com as pernas penduradas e olhou para o teto, onde inúmeros girassóis estavam desenhados e os pardais já voltavam para se encolher no ninho.

O que poderia estar acontecendo com Haga?

Por que os Bobos-cuias estavam levando as crianças e para onde?

Tonto só conseguiu desviar o pensamento desses questionamentos quando sentiu aquele aroma tão agradável a invadir o quarto.

Torta de damascos secos!

Apressado, ele saiu do quarto e quando chegou na cozinha, encontrou seu pai sentando diante da mesa, com a torta dourada a exalar aquele saboroso vapor.

— Meu pequeno filho! — falou Rencor com o mesmo olhar aquecido que sempre mandava para Tonto. — O que tem feito?

— Hoje ajudei a abastecer a casa, mas não é algo que devo me orgulhar, pois não devemos nos orgulhar de ajudar uma pessoa — Tonto repetiu aquela frase pois lembrava do exato momento em que seu pai a ensinou. — Mas eu gostaria de brincar lá fora.

Arrastando uma cadeira, Tonto se sentou ao lado de seu pai e viu sua mãe com uma faca em punho cortar a torta de damascos em fatias generosas.

— E por que não vai? — indagou Rencor.

— Os Bobo-cuias! Estão levando crianças de todos os quatro Vales, já levaram uma menina daqui, também!

— Na verdade — interveio Margarida. — Não o deixei sair por causa da ignorância dessa gente. Eles estão trancando as crianças em suas casas e acham que isso vai impedir alguma coisa.

O Inventor de EstaçõesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora