Uma Cadeira e Dois Chocolates...

By Urnormal_Im_not

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Frederico e Beatriz encontram-se casualmente numa tarde fria de Inverno num bairro lisboeta escondido da maio... More

Uma Cadeira e Dois Chocolates Quentes
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By Urnormal_Im_not

| 12 de dezembro, 2017 |

- És de cá ou estás só a viver aqui durante a faculdade?

- Sou de Coimbra, mas mudei-me para aqui logo depois de acabar o secundário.

Apesar de estar frio, o nosso passeio estava a ser aconchegante. Há já muito tempo que não fazia uma caminhada durante o fim de semana - ou até durante a semana - e estava a saber-me muito bem. Quando ainda estava em Coimbra, era uma atividade que fazia regularmente. Sempre tive problemas e preconceitos em relação ao meu corpo. Achava-me sempre mais gorda do que as minhas amigas é as vezes até era gozada por isso. Quis começar a fazer alguma coisa para acabar com os insultos que recebia e para sentir bem comigo próprio e as caminhadas ajudaram bastante, não só fisicamente como também psicologicamente.

Os meus anos em Coimbra não foram propriamente bons. Toda a minha infância foi vivida lá, assim como a minha adolescência. Num bairro onde as pessoas saiam da escola e eram imediatamente bem sucedidas. Num bairro onde a aparência era tudo. E, neste bairro, eu era o patinho feio.

- Gostavas de Coimbra?- questionou. Talvez o meu tom de voz quando pronunciei o nome da minha cidade de nascença me tenha denunciado e o tenha incitado a fazer esta pergunta.

Não gostava de falar sobre o assunto. Nem com amigos mais próximos. Por isso, que sentido faria contar ao Frederico uma parte da minha vida que preferia esquecer?

- É um lugar para o qual não quero voltar tão cedo...- suspirei quando algumas memórias dos meus maus momentos naquela cidade me vieram à cabeça.

- Desculpa, não volto a perguntar- novamente o seu tom de arrependimento fez-me querer abraca-lo. Foi genuíno e sei que ele se sentiu mesmo mal ao ter referido o assunto.

- Não te preocupes com isso. Todos temos coisas que somos obrigados a reprimir para nós próprios.

Assentiu com a cabeça em conformidade com o que eu tinha dito. Um silêncio instalou-se entre nós, mas o barulho de fundo dos comerciantes a abrir as lojas continuava e não tornava este silêncio incomodativo.

A cidade iluminava-se com o sol e com a alegria dos seus habitantes. Adorava este aspeto de Lisboa em particular. Adorava as músicas que se ouviam nas ruas, as vozes das crianças a correr para qualquer que fosse o sítio para onde iam, as conversas dos casais que passeavam de mão dada e a agitação matinal de quem tinha de ir trabalhar, mas não dispensava de uma torrada num café. Era tudo tão fácil na capital, comparada à vida que tinha em Coimbra. Se tomei uma decisão 100% acertada, foi a de me mudar para aqui. E foi a melhor da minha vida.

- E tu? Sempre viveste aqui?- quebrei o silêncio com a mesma pergunta que ele me tinha feito inicialmente.

- Nascido e crescido- sorriu, com orgulho. Gostava do seu sorriso. Era verdadeiro e inocente, e espelhava todos os seus sentimentos. Sorrir é a arte mais desvalorizada que temos hoje em dia. E o Frederico relembrava-me disso cada vez que os seus lábios se curvavam- Tens gostado de cá estar?

- Muito! É fascinante! Adoro tudo em Lisboa.

Principalmente a parte em que não tenho de me preocupar com o que - e quem - deixei para trás...

Caminhamos durante mais alguns minutos até me dar uma súbita vontade de comer uma tosta mista. Não sei porquê, simplesmente me apeteceu uma!

- Às vezes dão-te assim umas pancadas meio malucas, não dão?- foi esta a sua reação quando a meio da conversa disse, sem aviso prévio, que me apetecia "uma tosta mista com manteiga dos dois lados". Porque sim, esta tinha especificamente de ter manteiga dois dois lados.

E não havia melhor lugar para comer a esta hora do que na Tia Ana. Portanto, voltamos para trás e dirigimo-nos ao café. Passamos primeiro em minha casa para eu poder ir buscar dinheiro, apesar de o Frederico ter insistido em pagar. O café estava aberto quando chegámos. A Tia Ana é uma madrugadora. Levanta-se a horas doidas para preparar tudo o que precisa para o dia de trabalho. Uma vez vim de uma festa às cinco da manhã, e lá estava ela a abrir o café. Nesse dia ela ofereceu-me o pequeno almoço... as cinco da manhã.

- Vejam quem são eles!- sorriu-nos mal entramos no café- É cedo hoje. Sentes-te bem Beatriz? É terça feira!

Para estar aqui às nove da manhã, não me parece que esteja bem da cabeça...

- Pois é, não tens aulas hoje?- perguntou antes que eu pudesse responder.

- Só depois da hora de almoço- virei-me para o balcão- Precisa de ajuda em alguma coisa? - disponibilizei.

- Não querida, mas obrigada. O que é que vocês vão querer?

- Eu quero uma tosta mista com manteiga dos dois lados e um sumo de laranja natural, se faz favor. Queres alguma coisa, Frederico?

- Não, obrigado. Já tomei o pequeno almoço.

- É para já!- como é que ela consegue estar tão bem disposta a uma terça feira, às nove da manhã? Preciso de saber qual é o segredo- Podem sentar-se. De preferência num sítio que não esteja ocupado.

Nenhuma mesa estava ocupada.

O Frederico riu-se e eu fiz o mesmo depois dele. Fomos sentarmos na mesa onde tínhamos estado da última vez. Gostava daquele cantinho do café. Sempre me sentei aqui quando queria estudar e não me apetecia estar em casa, e esta mesa era a ideal.

- Conta-me coisas sobre ti - pediu, de repente, apanhando-me desprevenida.

- Queres que diga o quê? Não sou uma pessoa muito interessante- encolhi os ombros e enconstei-me na cadeira. Tinha tanta vontade de dormir, apesar de saber que mesmo assim não ia conseguir voltar a adormecer.

- Tenho a certeza que és- a confiança dele na minha pessoa era maior que a minha própria confiança. E eu conheço-me desde que nasci, e ele apenas há uns dias. Quer dizer, às vezes tenho atitudes que me fazem questionar se era mesmo eu que estava em controlo do meu corpo e da minha mente na altura- Conta algo que gostasses, ou não te importasses, que eu soubesse.

- O meu nome completo é Beatriz Vieira Azevedo, tenho 21 anos, o dia do meu aniversário e 2 de junho e estou atualmente a estudar Artes. Adoro pintar e desenhar, adoro ouvir música, principalmente portuguesa, e dentro dessa, o meu artista favorito é o Diogo Piçarra... Adoro ver documentários sobre cobras e tubarões gigantes e de sobrevivência na selva, gosto de ver filmes e séries deitada na cama e enrolada em três mantas, por uma específica ordem: priemiro a amarela, depois a azul e por cima dessas duas, a da Minnie. Não sei dar nomes a cães - ele riu-se tanto que até a Tia Ana se começou a rir com o seu riso -, mas sei dar nomes a ursos de peluche. Tenho um que se chama Senhor Rabell, porque o rabo dele é estranho e achatado.- mais um riso capaz de fazer sorrir o mais chateado dos deuses- E, aparentemente, gosto de tostas mistas com manteiga dos dois lados.

- E dizes tu que não és interessante- ainda se estava a rir, enquanto olhava para mim. Os seus olhos castanhos brilhavam. Todo ele parecia brilhar naquele momento.

Permiti-me a mim mesma observá-lo de uma maneira mais demorada. O rapaz era bonito. E muito. Os seus olhos eram extremamente cativantes. Sempre gostei mais de olhos castanhos do que de cores claras. E os dele eram provavelmente os mais bonitos que já vi até hoje. O seu cabelo, também castanho, ameaçava tapar-lhe os olhos, devido ao seu tamanho. Mas o seu sorriso... Sem dúvida, a mais bonita parte do seu rosto. Era como um pedaço de céu que o abençoava e a todos os que tinham o prazer de o contemplar.

O nosso olhar estava fixado um no outro há vários segundos, criando uma tensão quase palpável entre nós. Era intimidador, mas bastante normal, ao mesmo tempo.

- Agora é a tua vez- acabei com o silêncio que se havia criado entre nós.

- O meu nome completo é horrível, a sério!- soltei uma gargalhada livremente, como ele tinha feito há pouco, por sermos os únicos presentes no café, para além da Tia Ana- Frederico Guilherme Alexandre dos Santos Ventura.

- Isso é enorme. És descente de reis ou alguma coisa parecida?- gracejei.

- É. Coisa parecida- abanou a cabeça para os lados e continuo com a sua auto caracterização- Tenho 23 anos e nasci a 18 de março de 1994. Gosto de artes, de ver a minha mãe desenhar, de ver os meus irmãos a crescerem, gosto de ver aqueles vídeos do America Got Tatent em que eles fazem danças com luzes e contam histórias através de sombras. Adoro desporto, principalmente basquete e futebol, sou sportinguista...

Calma o quê?

- Ai não acredito Frederico Guilherme Alexandre dos Santos Ventura!- exclamei, interrompendo-o de forma a mostrar a minha incredulidade com tal revelação, usando o seu nome inteiro para a realçar - Como assim tu és do Sporting?

- Não sendo de outro clube qualquer- boa génio, ninguém diria.

- Sempre pensei que fosses do Benfica- sei lá porque é que pensei isso, mas ele tem ar de quem é benfiquista. Há pessoas que simplesmente tem ar de se chamar um nome qualquer e outras têm ar de pertencer a determinado clube.

- Felizmente não sou.

- Ainda bem que a Tia Ana não te ouviu, se não punha-te já no olho da rua...- murmurei-lhe ao mesmo tempo que me ria.

- Porque é que eu o punha no olho da rua?

Boa, que sentido de oportunidade. A tosta com manteiga dos dois lados não podia demorar mais tempo a fazer?

- O Frederico estava a dizer que...- tentei improvisar uma desculpa suficientemente convincente e nada estúpida para não fazer com que o Frederico fosse espera por mim lá fora, literalmente. A Tia Ana é implacável no que toca à defesa do seu tão amado clube. Ainda bem que eu não gosto de futebol- que até agora a melhor tosta que ele comeu foi ali no café do senhor Augusto.

- Vê-se mesmo que nunca provaste as minhas tostas. Olha-me esta agora! Dizer que as daquele estafermo são melhores que as minhas- resmungava enquanto colocava o meu pedido na mesa, perante os nossos olhares e tentativas quase falhadas de controlar o riso- Não querem lá ver!

Voltou para o balcão ainda a refilar e a chamar nomes ao coitado do senhor Augusto que não tem culpa nenhuma nisto e agora está a ser amaldiçoado interiormente por uma Tia Ana rabugenta e ciumenta.

- O que tu foste fazer, Beatriz!- deixou escapar o riso que prendia há alguns segundos.

- Só fiz com que não fosses lá para fora enquanto eu saboreava a melhor tosta mista de Lisboa e arredores- peguei na tosta com mais que um guardanapo e levei-a à boca, quase desmaiando de tão saborosa que estava. Até a fazer a mais simples das refeições a Tia Ana supera qualquer chefe famoso.

- Então é suposto eu agradecer-te por se algum dia um deles for encontrado morto no café um do outro a razão ser a minha preferência em relação a tostas mistas.

- De nada...- dei uma nova trinca na tosta. Quase a devorava de uma vez por tão quente e boa que estava - Tu tens de... provar isto, a sério.

-E tu tens de não falar de boa cheia, porque eu não percebi nada.

Comecei de novo a rir, fazendo com que quase me engasgasse. Porque é que sou tão idiota, a sério?

Bebi um pouco do sumo para me acalmar enquanto via o Frederico rir-se da minha triste figura em vez de me perguntar se estou bem, ou qualquer coisa do género. Em vez disso, o que ele disse foi uma espécie de "Não digas que eu não te avisei".

- Vês, se não tivesses falado de boca cheia não estavas nesse estado. Respira mulher, respira.

Deves achar muita piada tu...

- Estava a dizer que tens de provar isto- decidi ignorar o seu comentário- É muito, mesmo muito, bom.

- Não posso mesmo- negou também com a cabeça quando lhe estendi a tosta- Quero estar em plena forma para a fisioterapia. Quero que corra tudo bem para sair desta cadeira o mais depressa possível.

Era capaz de perceber, não só pelo tom da sua voz, mas também pelo que o seu olhar transmitia que essa era a coisa que ele mais queria. Ver-se livre daquilo que o impedia de ser quem mais gostava de ser, de ser a sua própria pessoa, sem constrangimentos, sem imposições e proibições. Não é o desejo de ninguém estar na sua posição, e é o desejo de qualquer pessoa que esteja a passar por isso abandonar a cadeira de rodas e voltar a andar com os seus pés. Nunca tive de andar numa, felizmente. Mas amigos meus já passaram algumas semanas presos àquele objeto e o que mais me diziam era que se sentiam limitados mais que fisicamente, que psicologicamente aquilo os desestabilizava mais do que a própria cadeira. Era um sofrimento que era ultrapassado passado algum tempo. E o sentimento de bem esgar e liberdade voltava.

Não sei há quando tempo ele está assim, mas deduzo que já faça algum. E saber que pode continuar assim para sempre se não fizer os possíveis e os impossíveis devia ser uma motivação e não o contrário, como anteriormente ele pensava. Temos de lutar pelo que acreditamos, com todas as nossas forças. Se não resultar voltamos a tentar. Quando vale a pena, vale a pena!

- Vai correr tudo às mil maravilhas, não te preocupes- tentei tranquiliza-lo com estas palavras e um sorriso- Por falar nisso, é melhor irmos andando para não chegares atrasado.

- Está bem, mas antes disso, acaba de comer e responde-me a uma pergunta- pediu e eu acedi- Não gostas de desporto, e muito menos de futebol, mas sei que és de algum clube, mesmo que só fales nele quando ganham alguma coisa. E mesmo assim não sabes como, nem quando, nem contra quem o fizeram.

Sou exatamente assim. Nem sei porque é que continuo a dizer que sou de algum clube se eu não percebo nada de nada do que se passa com ele e as suas modalidades.

- Então, de que clube és?- ergueu uma sobrancelha e esperou a minha reposta.

- Tens razão em tudo que disseste- convidei com ele- Mas apesar disso, sim, eu digo que sou do Sporting.

O moreno sorriu, feliz com a minha resposta, que mostrava que tínhamos mais em comum do que pensávamos, apesar de eu detestar futebol e ele adorar.

- Qualquer dia vou fazer com que gostes de futebol, ou outro tipo de desporto qualquer.

- Boa sorte nisso- acabei de comer e levantei-me para ir pagar à Tia Ana- Se o conseguires fazer vou contigo ver um jogo ao estádio.

- Está bem, aceito o desafio- estendeu-me a mão para selar o nosso acordo, e eu apertei-a. Estava totalmente gelada ao contrário da minha. Parecia que tinha estado num congelador durante uma hora inteira.

Desta vez, provavelmente pela primeira vez, não odiei o frio.



Oláaaa!

Demorei algum tempo, mas aqui está o capítulo! Espero que tenham gostado! Já ficaram a saber alguma coisa sobre a Beatriz, mas muito está para vir ainda! Mesmo assim, não se esqueçam do que ela disse neste capítulo, vai ser importante para ela.

Digam-me o que acharam do capítulo e o se estão a gostar da história até agora, apesar de ainda não se ter desenvolvido muito.

Comentem e votem para me dar mais vontade de escrever  😂

E muito obrigado pelas quase 300 visualizações!

Beijinhos para todas!

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