Paráxeni - A Ruína dos Persas...

By marcofebrini1

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Nessa história de Suor, Sangue e Dor, o Espartano Paráxeni nos conta o relato de sua vida; desde a infância a... More

Prólogo
Capítulo 01 - Pai e Irmão
Capítulo 02 - Quando Uma Deusa Fala
Capítulo 03 - Primeiro Beijo
Capítulo 04 - Somos Animais
Capítulo 05 - Primeira Derrota
Capítulo 06 - Vida
Capítulo 07 - Um Pedaço do Olimpo
Capítulo 08 - Quando um Rei Cai
Capítulo 09 - Renascimento
Capítulo 10 - Três Mulheres
Capítulo 11 - Vingança Falha
Capítulo 12 - Rios e Risos
Capítulo 13 - Um Fio de Hortelã
Capítulo 14 - Lábios de Pedra
Capítulo 15 - Casamento
Capítulo 16 - Luta de Braço

Capítulo 17 - Pó e Poeira

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By marcofebrini1

   Plíndaco desmontou, e em seguida ajudou o jovem misterioso a descer do cavalo.

   Eu fui até eles, enquanto o resto do acampamento murmurava curiosidade. Limpa-chaminés me contou que aquele era um mensageiro da antiga Pólis de Messênia, que trazia notícias sobre uma aliança que nenhum de nós esperava.

   Quando eu parti de Esparta ao lado de meus irmãos, para me vingar dos assassinos de minha família, havíamos passado pela cidade de Messene. Messene era uma região em crescimento, não mais do que uma rua, mas fazia parte da grande Messênia; que datava de histórias antigas como a Guerra de Troia. Foi justamente em Messene que impedimos um fanático religioso, que pretendia matar uma mulher grávida. Esta mulher, que possuía duas irmãs, as quais foram assassinadas pelo sacerdote insano, havia se recuperado do trauma, parido sua criança e conhecido um novo homem. Pelo capricho dos Deuses, os caminhos desta sobrevivente, que teve a vida salva pelas armas de meus irmãos, se cruzaram com os de um homem chamado Polyphontus, Rei de Messênia. Agora, nas palavras do próprio jovem mensageiro, ela retribuía o favor enviando quinhentos homens para tonificar o exército Espartano; com cumprimentos a um homem chamado Paráxeni. Todavia, deveríamos marchar para as ruínas de Ecalia no próximo dia, sem falta, porque se os reforços ali chegassem e não encontrassem ninguém, possuíam ordens de voltar imediatamente para Messênia, já que a Pólis do Rei Polyphontus não tinha atritos com os pátricos.

   Aquela notícia foi recebida de forma confusa, pois os Esparcíatas eram muito desconfiados. Nada que vinha de forma fácil, ou exageradamente benéfica, chegava sem um preço.

   Eu questionei o jovem sobre aquelas palavras, pedindo-lhe informações a respeito daquela tal nova Rainha. Ele então confirmou, falando-me de suas irmãs mortas, e dando descrições muito precisas de uma velha senhora, que era mãe das mulheres. A velha havia dito que um de meus homens possuía uma lança magnífica; presente do antigo Rei de Esparta, Anaxândrides. Eu me lembrava daquela anciã, e as palavras do mensageiro falavam claramente de Agnéio. Era impossível a velha saber daquilo sem ter nos conhecido em Messene. Ainda não satisfeito, pedi para o adolescente correr ao redor do acampamento, pois eu não entendia como um garoto tão jovem poderia antecipar um exército de guerreiros treinados. E mais uma vez ele surpreendeu, pois era veloz como a Corça de Cerínia; que corria sem descanso e possuía cascos de bronze. Uma das mulheres dos Periecos, uma jovem de rosto arredondado, começou a beber o vinho de um cálice, e quando terminou o jovem mensageiro já começava sua terceira volta no assentamento. Aquilo era mais do que uma prova.

   Era um prodígio dos Deuses.

   Alguns homens celebraram, mas, outros limitaram-se a se sentar e terminar a refeição, ainda desconfiados. Eu mesmo não acreditava muito nas palavras daquele jovem, embora Limpa-chaminés fosse de minha total confiança. E quando um dos Esparcíatas do exército acusou Plíndaco de traição, dizendo que ele estava mancomunado com aquele mensageiro, que provavelmente também era um escravo, visando nos levar todos à morte, eu ergui minha voz dizendo que o escravo possuía crédito inalterado comigo. Portanto, aquele que não confiava no jovem Hilota também não confiava em meu escudo. O homem manteve o desacato, de queixo erguido e olhando para mim. Sua barba era recortada com uma ponta aguçada feito uma lança, mas era muito mais curta do que a minha. A mão do Esparcíata tocou o cabo da espada, que descansava em seu cinto de bronze. Como comandante, eu não poderia tolerar uma afronta. Correspondi e estendi a mão para meu Hilota, pedindo-lhe a lança. Plíndaco estendeu a haste, mas o homem se resignou, talvez com medo de perder a vida, ou temendo matar seu líder, e se sentou novamente para comer.

   Meus irmãos abraçaram Plíndaco fazendo piadas, dizendo que se mandássemos ele bater o terreno durante um mês, conseguiríamos um reforço de mais de dez mil homens. Isso acalmou os ânimos, mas eu percebi que muitos dos soldados Espartanos, e até mesmo alguns dos comerciantes Periecos, ficaram com uma pulga atrás da orelha. Eu não os culpava, pois aquele reforço de Messênia era quase um milagre. Tanto que o sacerdote Lídio, maravilhado com a notícia, tratou de arrumar o sacrifício de uma cabra gorda. Assim que mataram o animal, ele o abriu com uma faca e removeu seu coração. O órgão era perfeito, tão vermelho quanto podia ser, e tinha um aspecto saudável. Aquilo acalmou ainda mais as suspeitas.

   Convidei o jovem messênio para sentar-se ao meu lado na fogueira. Lhe servi comida de minha própria tigela, e compartilhei minha taça de vinho com ele. Enquanto o rapaz comia feito um lobo, lambuzando toda a cara, faminto da viagem, passei meus olhos pelo exército. Toda a tensão começava a se desfazer. Assim que o jovem parou de comer, para respirar, perguntei seu nome. Ele me disse que na Messênia todos os corredores eram chamados de Hermes, como tributo ao Deus Mensageiro. Olhei-o durante um momento, seus cabelos dourados subiam e desciam no ar da noite, e senti um lento arrepio percorrendo minhas costas. Ele sorriu para mim, com um semblante infantil e jovial, e eu me perguntei se aquele menino era realmente um ser de carne e osso como nós.

   Os Periecos começaram a cantar uma canção para entreter os homens até a hora do descanso, e só então, após um torneio de luta de braço, a chegada de um jovem chamado Hermes, e um possível reforço de quinhentos homens, foi que pude comer. Enquanto eu sorvia o caldo do ensopado, e retirava a carne dos ossos de galinha, encarei a fogueira no grande círculo de pedras. Mas eu não estava olhando para as chamas, e sim para meus homens do outro lado do fogo; e não apenas Plístia, Agnéio, Hymos e Ziliáris, mas todo o contingente. Mais uma vez a ameaça da morte alheia rondou minha mente, em uma preocupação azeda que me retirou o apetite. Passei minha tigela novamente para Hermes, que voltou a comer como um porco faminto, e voltei a meus pensamentos. Se aquele menino fosse um espião pátrico, desceríamos para o Hades muito mais cedo do que esperávamos, e os homens certamente me amaldiçoariam no submundo. Contudo, como o norte era nosso objetivo de qualquer maneira, eu decidi. Me levantei e pedi para que os guerreiros descansassem, dado que na manhã seguinte iríamos às ruínas de Ecalia, onde descobriríamos se os Deuses ainda olhavam por nós.

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   Fui o último a dormir e o primeiro a acordar. A afronta da noite anterior, feita por um dos homens, me fez refletir, e talvez eles ainda não me respeitassem inteiramente como eu gostaria. De todos os cinquenta soldados apenas um havia entrado em desacordo comigo, mas um elo desigual poderia comprometer toda a falange na batalha. Pela manhã fui ter com ele, e o acordei com cordialidade. Levei meu elmo comigo, e quando o homem despertou, eu o presenteei com o equipamento. Por um momento o Esparcíata não soube o que dizer, sem entender o que aquilo significava. Mas eu expliquei, dizendo-lhe que agora ele era o comandante da campanha, já que eu não poderia comandar uma falange que não me respeitasse por inteiro. O rosto do guerreiro, duro e frio como o mármore, absorveu todo o meu olhar. O soldado, de queixo duro e olhos firmes, me deu um olhar brilhante e vivo. Mas Fobos o delatou, pois eu percebi dois leves espasmos em seu lábio superior. Pude ver a vergonha lhe invadindo a existência, porque ele também sentia medo; mas ao contrário de mim, não era tão bom em escondê-lo. Seu lábio trepidou mais uma vez, e ele levou a mão à boca para se esconder de minha visão, fingindo coçar o buço.

   Em Esparta havia um estudo, uma disciplina exclusiva, que não era ensinada em nenhuma outra cidade da Grécia. Phobologia, o estudo do medo. Eram uma série de exercícios focados no corpo e na mente, que visavam afastar todo e qualquer sintoma de temor. Os jovens em Agogê tinham os corpos açoitados como parte do treinamento, e sempre eram assistidos por estudiosos da Phobologia. Também eram açoitados no rosto, para aprenderem a conter os espasmos da carne. Todos os homens e mulheres do mundo, quando enfrentam o medo face a face, esboçam reações semelhantes: Barrigas contraídas, ombros recolhidos, olhos fechados, pescoço encolhido, e tendem sempre à se protegerem com os braços, as mãos, dando as costas ou erguendo um dos joelhos. O soldado que dominasse esses reflexos, poderia golpear com a lança, de olhos abertos, enquanto uma espada estivesse lhe removendo o coração. Fui um admirador da Phobologia em Esparta, e estudei a disciplina em meu próprio corpo. Aprendi a ser açoitado sem esboçar reação, a ser golpeado no rosto sem contrair a face, e em momentos de extrema necessidade, a me atirar em direção ao incerto sem pestanejar.

   A Phobologia, no entanto, era um estudo falho. Era fácil, após algum tempo de treinamento, ludibriar os sentidos, não esboçar reações e enganar os espectadores. O que ela não proporcionava era a total falta de medo, buscada por todos os guerreiros de Esparta. A ausência de medo é conhecida como coragem, contudo isto é aceito de forma errônea e superestimada. Os corajosos também sentem medo, mas, ao contrário dos covardes, eles despertam de sua inércia e produzem ações mesmo na presença de Fobos. Em meus estudos sempre procurei por um estado conhecido como Aphobia, a ausência total e completa de medo. Isto ainda era uma busca misteriosa, mas como um amante da arte de Fobos, enquanto não encontrávamos Aphobia, eu sabia muito bem como esconder o medo dentro de mim.

   O Esparcíata, que certamente não conhecia a Phobologia a fundo, ainda com os olhos endurecidos e os lábios trêmulos, baixou sua cabeça e me ofereceu o cabo de sua espada como sinal de respeito. Eu o coloquei de pé, aceitei sua espada e lhe entreguei meu elmo como um presente. Eu ainda seria seu comandante. Nos abraçamos e o dia finalmente começou.

   Nós teríamos que marchar para uma cidade morta, que o próprio Hércules havia assassinado.

   Os homens desmontaram o acampamento, as carroças foram preparadas, e só então eu notei que um dos Periecos sempre se apresentava da mesma maneira. Vinha montado em um cavalo branco muito belo. Uma de suas mãos não abandonava as rédeas, e a outra trazia um ganso a tira colo; a ave era tão alva quanto o próprio cavalo. Ele acenou para mim de forma respeitosa, e eu retribui a gentileza. O exército passou a chamar aquele comerciante de Ganso Branco Debaixo do Braço, mas, após alguns dias, acharam o apelido longo demais e o resumiram a apenas Ganso. Ele também foi um nome importante de minha história, pois fez surgir esperança em um momento de desespero.

   Quando todos estavam a postos, partimos para o norte. Esparta ficava cada vez mais distante, e a morte cada vez mais próxima. Mas agora teríamos um reforço numérico de quinhentos homens, fossem eles bons combatentes ou não. Passamos por uma estrada antiga, que era cercada por pequenos tocos de madeira enfiados na terra. Em uma das margens da via pairava uma inscrição, cinzelada em uma alta pedra retangular:

   Aos que viajam para Esparta, mostrem-se dignos do caminho.

   Pois a terra da Lacônia, vos recebe com rocha e espinho.

   Apesar de ser apenas uma sinalização de trânsito, as pessoas passavam a mão na pedra, pedindo proteção na marcha, pois o medo morava em seus corações. Tudo que eu mais queria naquele momento era levar aquela multidão para Esparta, onde encontrariam seus entes queridos, proteção e boas-vindas. Mais isso não era possível. Pelo menos, devido ao tempo que passavam juntos, os Esparcíatas e os Hilotas estreitavam seus laços de amizade. Eles contavam histórias do passado, vangloriavam-se por serem parentes deste e daquele herói, e até mesmo os escravos, com a liberdade da marcha, diziam-se descendentes de guerreiros de Troia.

   Uma aglomeração de nuvens negras começou a tomar forma no Oeste, de onde viria nossa ajuda, e eu tomei aquilo como um presságio negativo. Contraí o cenho e encarei as nuvens no exato momento em que um relâmpago perturbou a quietude dos céus. Toda a marcha se abaixou com o estrondo que chegou até nós. Zeus estava zangado por algum motivo que me escapava.

   A estrada velha acabava no sopé de um pico rochoso. Em seu cume haviam dua saliências altas demais para escalar ou atravessar, mas entre as rochas gêmeas havia uma fenda. Ziliáris deu a ideia de atravessarmos por ali, pois havia névoa descendo das rochas e entrando naquela passagem, o que, segundo meu irmão caçador, apontava que o terreno do outro lado era mais baixo e plano. Amarramos as cargas nas carroças, devido à subida que forçaria o peso das provisões para a parte de trás dos carros, e ajudamos os bois e cavalos a puxarem a carga.

   Hermes, o mensageiro messênio, liderou o caminho, confirmando que as ruínas não estavam longe dali, porque ele próprio havia cruzado aquelas rochas quando se encontrou com Plíndaco. Por fim chegamos no topo, cansados e suados de empurrar e puxar. Lá embaixo, assim que a névoa se dissipou, vimos Ecalia morta, exatamente como Hércules a havia abandonado.

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   Um nevoeiro frio desceu a encosta elevada ao nosso lado, nos acompanhando como se fosse uma escolta sobrenatural. Ecalia se erguia à nossa frente a medida em que alcançávamos a parte mais baixa do terreno, que se cortava em um vale raso. Um riacho preguiçoso e desanimado se arrastava por ali, quase seco do inverno, já que tudo ao norte se transformava em gelo.

   Aproximar-se daquele monte de escombros, com vigas derrubadas, colunas partidas ao meio, telhados desmoronados, tendas e pavilhões rasgados e com os tecidos endurecidos pelo tempo, foi algo de arrepiar os fios da barba. Se alguma mulher praticante de magia, conhecidas como Servas de Hecate, compartilhasse de nossa visão, certamente faria um círculo de chumbo no solo para nos proteger do mal que habitava aquelas ruínas.

   Sem demora enviei Plíndaco e Ziliáris para baterem o terreno do outro lado da cidade. Eu não arriscaria confiar no menino mensageiro sem ao menos um batedor de confiança à frente do exército. Ziliáris montou em um cavalo marrom, com Plíndaco em sua garupa, prendeu um arco nas costas, apanhou sua lança e partiu.

   Não havia vento, mas a névoa que descia da fenda, pela qual nós havíamos atravessado, entrava na cidade pelo portal caído erguendo nuvens de pó de pedra. Nossos passos eram ruidosos, esmagando pequenos pedaços de vasos quebrados, louças antigas estilhaçadas, pedras minúsculas e uma areia branca tão densa que era como se a cidade tivesse sido engolida pelas cinzas de um vulcão.

   Plístia foi acometido por uma forte tosse, que o acompanhou até o momento em que saímos de Ecalia. Mas, como havíamos acabado de chegar, ele ainda sofreria um longo tempo forçando a garganta, assoando o nariz e cuspindo no chão.

   Aquela névoa não estava nos escoltando, pelo contrário, ela nos expulsava de sua cidade. Era como se os espíritos dos milhares de guerreiros que ali morreram, reclamassem sua cidade de volta.

   A brancura irredutível do lugar, misturada ao cinza da poeira de pedra e dos restos de incêndios, fazia os olhos se confundirem. Era como entrar em uma banheira de leite e tentar ler um papiro escrito com amido de trigo. Olhei para os céus, buscando alguma outra cor que não o branco, mas encontrei apenas as nuvens cinzentas que se aproximavam vindas de Messênia. As sandálias afundavam em um pó de mármore muito fino, e em pouco tempo todos os vivos possuíam pés semelhantes às estátuas que agonizavam pelo lugar. E como havia estátuas em Ecalia. Eu quase não acreditei na quantidade de braços, cabeças, pernas e tecidos de pedra espalhados pelo caminho. Centenas de esculturas, das mais variadas formas e tamanhos, representando homens e Deuses, feras e ninfas, se espalhavam por toda parte caídas e corrompidas. Era um verdadeiro cemitério de pedra.

   Passei ao lado de uma sereia que me encarou com olhos tristes; sua cauda estava quebrada pela metade e um dos braços havia se misturado à branquidão das ruínas. Ethon, a águia gigante que devorava as entranhas de Prometeu nas alturas do Cáucaso, estava jogada a meus pés, com ambas as asas de mármore partidas, sem as garras e com a ponta do bico trincada; daquela maneira, ela já não poderia mais atormentar o Titã em seu monte. Monstros e homens eram a moradia perpétua de rachaduras e partes quebradas. Hércules não havia perdoado o perjúrio do rei de Ecalia.

   Címanes, o artista, lamentou a destruição de toda aquela arte. Mas decidiu fazer uma homenagem no vaso que havia retratado Hymos e eu, o qual repousa agora aqui, nos teus aposentos.

   Enquanto a arte no vaso era rebuscada, montamos acampamento uma vez mais. As mulheres e os Hilotas tentaram varrer e limpar um pouco do solo, mas fora inútil e muito pior. Uma poeira fina e densa subiu fugindo das vassouras, tapando a visão por quase metade de uma hora. Nesse momento Plístia começou a tossir como um cérberos, e todos temeram que as estruturas que ainda estavam de pé fossem cair. Ele tossia e escarrava, e bebia ânforas de vinho na esperança de limpar a poeira inexorável da garganta. No final, decidiram montar o acampamento sobre a grossa camada de pó de mármore. Trouxeram as carroças e as acomodaram entre algumas paredes que permaneciam erguidas. Montaram as tendas e um pavilhão improvisado, mas dessa vez não cravaram pinos no solo; prenderam as cordas com pedras da própria cidade. Estando o assentamento montado, Ecalia sentiu a existência de homens uma vez mais.

   Quando a última tenda foi armada, Ziliáris e Plíndaco retornaram a galope forte. Meu irmão de Agogê contou que um batalhão se aproximava pelo norte. E que, pelo pouco que pôde ver, eram cavaleiros, pois poeira subia em diagonal por detrás das colinas mais ao longe.

   Um estudioso de Phobologia teria material de sobra para seus estudos se estivesse ali no momento em que Ziliáris gritou o aviso, pois o medo caiu sobre Ecalia como um manto de sombras que escureceu os corações mesmo naquela brancura sem fim.

   Os Esparcíatas mantiveram o comedimento, sem expressar medo algum. Mas os Periecos e os Hilotas perderam as forças das entranhas todos ao mesmo tempo. O próprio Plíndaco, com os braços trêmulos, molhou o solo com o líquido que escorria por suas pernas.

   Um dos Periecos, durante um instante de puro pânico, agarrou o mensageiro messênio e tocou uma faca em seu pescoço, dizendo que ele havia enganado todo o exército. Não sei o motivo pelo qual eu me manifestei, mas gritei uma ordem para que o homem largasse o jovem. Revelei que o nome dele era Hermes, e que se um mero comerciante podia dar cabo da vida de um emissário, protegido pelo Mensageiro dos Deuses e abençoado com o seu próprio nome divino, que arcasse com as consequências da destruição futura de Esparta ou da própria Hélade. O homem se apavorou ainda mais com a praga, jogou a faca de lado e largou Hermes no solo esbranquiçado.

   Já era possível ver a poeira que subia no norte, os cavaleiros cavalgavam a toda e se aproximavam rapidamente, não demoraria mais do que cem pulsações para que eles chegassem até nós.

   Um objeto tocou minha mão, e quando me virei vi que era o vaso de Címanes. Talvez extasiado pela sua própria arte, ou ainda bêbado da noite anterior, o artista não percebera a gravidade da situação e me estendia a ânfora com a arte refeita. Por pouco eu não quebrei o vaso na cabeça dele, mas decidi olhar para o desenho por pura pena. Címanes havia transformado Hymos e eu em homens de mármore em uma luta de braços de pedra. Minha mente se iluminou com a sabedoria de Apolo, e eu olhei para as pernas dos homens, que estavam sujas de branco até a metade. Abençoado Címanes, ele não fazia ideia de que sua arte salvaria a vida daqueles guerreiros.

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