Azul Profundo ( Livro 1 Série...

By PriscillaaFerreira

14.6K 2K 2K

ATENÇÃO! PLÁGIO É CRIME, Livro devidamente registrado junto a Biblioteca Nacional. Violar direito autoral: P... More

Sinopse
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Agradecimentos

Capítulo 1

1.6K 150 285
By PriscillaaFerreira


Liz

Escuto um barulho agudo infernal que parece querer explodir meus tímpanos.

Abro os olhos.

Reconheço o barulho, é o despertador do meu celular. Droga!

Viro a cabeça para o lado, estico o braço e desligo o alarme. 6:01

Estou suando, pisco várias vezes pra me acostumar com a escuridão que está no quarto. Outra noite fiquei revirando na cama me perguntando como sair disso. A solução não vem, na verdade eu até já sei.
Não tem como sair. Estou trancada numa situação sem rotas de fugas a não ser esperar um milagre acontecer. E é bom deixar claro que não sou de acreditar em milagres, pra mim isso é tudo baboseira que nos fazem acreditar apenas para criarmos mais expectativas, e a decepção sobre a vida ser ainda maior. Como mudar o passado? Como tirar da mente o que não dá pra apagar?

Então sem chances de sair disso.

Como sempre demoro pra me levantar, porque eu sei que tenho que reunir forças pra enfrentar um novo dia. Meu corpo todo dói, resultado de outra noite mal dormida virando de um lado pra outro na cama. Tento calcular quantas noites iguais a essa já foram no total.
Sento na cama, respiro fundo, levanto e acendo as luzes.

Já estou em piloto automático.

Vou ao banheiro, tomo banho, escovo os dentes, me seco e vou até o armário procurar uma roupa que me deixe com a cara de uma pessoa apresentável, coisa que talvez eu não seja, mas os outros não precisam saber disso. Então, escolho uma saia lápis preta decente que não me deixe com o quadril de uma vaca, uma camisa social de botão vermelha em um tecido elegante e meus sapatos de saltos médios pretos do dia-a-dia.

Se tinha uma coisa que minha mãe sempre esteve certa, era sobre como vestir-se bem te torna mais aceitável em qualquer ambiente, mesmo que por dentro você só queira vestir um pijama e seus chinelos de dedo. Lidar com pessoas ricas te faz aprender como se adequar a esse meio e nada como estar bem vestida pra isso não ser tão traumático.

Olho-me no espelho.

Meu Deus!

Estou parecendo um panda, a pele pálida feito a da Mortícia da Família Addams, com olheiras profundas em baixo dos olhos.

Respiro fundo, puxo a nécessaire de maquiagem da gaveta da cômoda e começo a fazer a "Operação Cara Nova", comecei a chamar assim porque depois da aplicação de uma boa maquiagem, sinto como se vestisse uma máscara e pudesse me esconder por trás dela.

É assim que tenhofeito nos últimos anos. Guardo como estou me sentindo em uma gaveta que criei na minha cabeça, passo a chave e me preparo pra começar o dia. Depois de base, corretivo, rímel, um pouco de blush, batom e pronto, sinto-me outra pessoa. Uma nova Liz sem sentimentos.


Apanho minha bolsa na poltrona no canto do quarto, verifico se tudo que preciso está nela, vou até a sala pegar minhas chaves sobre a mesa de café e saio. Ando até o elevador, aperto o botão e espero.

Começo a fazer uma lista mental de tudo que preciso fazer e todas as coisas que preciso evitar pensar. Ok! Vou conseguir.

1. Chegar ao trabalho

2. Fingir interagir com meus colegas

3. Lembrar-me de sair pra almoçar (Isso se meu chefe deixar!)

4. Ter força de vontade em querer voltar ao trabalho após o almoço

5. Fazer supermercado (Urgente! Na geladeira só tem água e Ketchup)

6. Por gasolina no carro

7. Tentar não bater em um poste

8. Chegar em casa

9. Tentar cozinhar

 10. Dormir (Urgentíssimo)

Bom, a lista em ordem de prioridades já tenho, agora preciso tentar segui-la. Ouço o sinal de que o elevador chegou ao meu andar, entro e aperto o botão da garagem.

Estou sozinha dentro dele pro meu alívio, sinto-me sufocada em elevadores lotados, a mistura de odores e olhos atentos em mim me deixam desesperada.

Mas meu alívio dura pouco, o elevador para no 18º andar e entra um rapaz, não, ele não é bem um rapaz, está mais pra um homem, acho que deve estar entre os seus 25 ou 26 anos, talvez 1,90 de altura, o corpo construído como de um Deus grego com ombros largos e estruturados, quadris estreitos sustentados por pernas longas e tonificadas.

Descaradamente usa uma camiseta surrada de uma banda de rock dos anos 80 bem justa deixando os braços tão apertados nas mangas da camiseta que não deixam nem espaço pra minha imaginação criativa.

Todo seu braço direito está coberto de tatuagens interessantes indo da mão a junta dos dedos. São tantos desenhos, que não tenho tempo de decifrar cada um, porque meus olhos percorrem despudoradamente pelos seus braços até suas mãos grandes e masculinas.

Uau! São mãos enormes.

Qual o sentido de alguém admirar as mãos de um estranho? Mudo o foco da minha investigação e desço meus olhos para a parte de baixo do seu corpo. O homem está vestindo um jeans preto tão surrado quando a camisa. Mas meu Deus! Quem se importa com roupa quando se tem um corpo desses? A calça se agarra nos quadris displicente, como se estivesse acostumada a vestir homens gostosos o tempo inteiro.

Ah, como eu queria estar no lugar dessa calça jeans!

O que  eu estou fazendo? Devorando um desconhecido que provavelmente é meu vizinho de prédio logo cedo pela manhã.


Que vergonha Liz!

Essa minha análise de raio-x só dura cerca de quatro ou cinco segundos, tempo suficiente pra ele entrar no elevador e levar o dedo até o botão do G1 que já está selecionado devido ser exatamente o mesmo que o meu.

Santa coincidência!

O moreno até então desconhecido me cumprimenta com um discreto bom dia e uma leve voz de sono. Desvio meus olhos do painel do elevador pra responder e é aí que reparo bem em seu rosto, meus olhos fixam em um par de olhos cor de uísque, que parecem atrair os meus como ímãs. O desconhecido me olha tão atentamente que parece decifrar cada pequeno segredo oculto que carrego. Ele simplesmente não me olha como fazemos quando vemos algo interessante, ele me percebe.

O moreno bonito parece ver muito mais do que minha maquiagem bem feita e minhas roupas caras. Ele parece ver sobre minha pele, e eu não sei como me sinto sobre isso.

Por puro instinto continuo a observar seus detalhes, seus cabelos escuros e bagunçados caem em sua testa como se seu pente fosse seus próprios dedos, o rosto quadrado e bem desenhado carregando uma barba rala. As sobrancelhas grossas e expressivas, nariz bem feito com pontinha um pouco torta pra direita, como se já tivesse sido quebrado em algum momento da vida.

A boca, ah a boca! Que boca, lábios grossos e suculentos, sim, são suculentos, ele tem uma boca que parece ter sido feita pra ser beijada, chupada, sugada e oh...

Já estou viajando de novo.

Pisco algumas vezes pra orientar meus pensamentos. Respondo o bom dia discretamente. Deus ele sorri pra mim, um sorriso daqueles conhecidos como molha calcinha, eu sei é um termo clichê, mas não me lembro de nada mais apropriado para comparar a maneira que ele me fez sentir. Uma fila de dentes brancos me cumprimenta, retribuo o sorriso e olho para os meus pés encabulada.

Um alerta vermelhopisca na minha cabeça com letras maiúsculas gigantes dizendo: PERIGO!


Não, não posso está fantasiando com um desconhecido. O elevador começa a fazer seu caminho lentamente. Não sei se é impressão minha, mas o ar começa a esquentar, toda a minha pele se arrepia e sinto o calor começar a colar minha franja na testa. Levanto os olhos e encontro os mesmos olhos cor de uísque me encarando.

Santo Deus!

Ele descaradamente me dá um sorrisinho sínico de canto de boca que me deixa zonza. Aperto com força a alça da minha bolsa e desvio o olhar, implorando a Deus pra esse elevador se apressar.

— Você mora aqui? – o desconhecido pergunta sorrindo sedutor.

— Hurum, no vigésimo andar. – assim que fecho a boca me recrimino mentalmente.

Meu Deus, nem conheço o homem e já estou dando informações pessoais.

— Bom saber que tenho vizinhas bonitas. – o moreno flerta descaradamente como se estivesse me falando qualquer banalidade corriqueira, como um comentário sobre o tempo comum em elevadores.

Eu gelo, olho novamente pros meus pés porque não tenho coragem de olhar no rosto dele e me deparar com aquelas tochas de fogo me calculando.

Santo Deus Liz, até parece que você é uma adolescente, haja como a mulher de 25 anos segura e independente que você é.

Respiro fundo e levanto o olhar na defensiva.

A quem eu quero enganar?

— Obrigado, gentileza sua. - falo com a voz mais fraca do que eu queria demonstrar, mas não pude ser melhor que isso.

— Não é gentileza nenhuma, mas é muita sorte minha. - ele continua ainda com aquele sorrisinho que dá vontade de cobrir a boca dele com um beijo pra fazê-lo parar imediatamente de me deixar tão perturbada.

Até aparece que um cara desses ia flertar comigo, o homem parece um Deus do sexo, quente como o inferno. Ele só pode estar brincando. Talvez esteja acostumado com mulheres bobas como eu olhando pra ele assim o tempo todo. O moreno bonito deve ser integrante de alguma banda de rock da moda e eu não estou lembrando. Corrijo a postura e desvio minha atenção para os números do painel do elevador que vai acendendo de acordo com os andares que vai passando.

16º...

15º...

14º...

Suspiro tentando me acalmar e me preocupo em pensar longo dia que terei pela frente.

13º...

12º...

Santo Cristo!

Isso é um elevador ou uma geringonça? Faço outra nota mental em reclamar com o sindico, não é justo pagar um aluguel tão caro pra passar por isso.

11º...

— Você está nervosa? – o moreno misterioso me pergunta.

— O quê? - indago sem entender.

Esse cara é louco? Ou eu devo estar sonhando, que um homem como esse iria puxar papo comigo.

— Você está nervosa... Só me resta saber o porquê. – pergunta de olhos cerrados me fitando cuidadosamente.

Olho-o incrédula, sério mesmo que esse cara está falando comigo? Nos conhecemos há o quê? Três minutos?

— Não, eu não estou nervosa. Mas mesmo que eu estivesse, nem te conheço. Por que eu te devo satisfação de como estou me sentindo? – rebato sua intromissão mais grossa do que planejei, mas eu precisava levantar minha armadura, nenhum cara fez minha pele ouriçada dessa maneira antes e isso só pode ter me feito baixar a guarda.

Ele ri da minha resposta malcriada, uma gargalhada completa, masculina e cheia de personalidade.

— Desculpe, eu fui inconveniente. É que você está fazendo os sinais de quem está nervosa.

— Sinais? Que sinais? – pergunto na defensiva.

— São alguns maneirismos que as pessoas fazem inconscientemente quando estão nervosos ou inquietos sobre a alguma coisa ou situação.

— E quais foram os sinais que dei para essa sua conclusão?


— Eu poderia listá-las. Você não para de colocar o cabelo atrás da orelha e encarar os próprios pés repetindo os gestos nessa ordem. E quando me olha está com esse olhar assustado que parece que vai me devorar se eu me aproximar um centímetro.

O quê? Ele lê os gestos de estranhos em elevadores? E sabe sobre essa coisa de sinais inconscientes? O que é ele é? Algum tipo de psicólogo? Reparando na minha mania de colocar a mecha de cabelo imaginária atrás da orelha quando estou sem jeito? Ele parece ser bom observador, por que realmente sempre faço isso quando estou sem graça. Me pego curiosa querendo muito descobrir mais sobre ele.

9º...

— Ah, me desculpe, eu que fui uma idiota, é que mal nos conhecemos. - digo sem graça.

— Então deixe eu me apresentar, me chamo Gustavo Salles. Sou novo na cidade. Na verdade acabei de me mudar, pelo visto para dois andares abaixo do seu. – explica me estendendo a mão.

Olho um segundo reticente pra sua mão grande e masculina e instintivamente estendo a minha. Quando ele aperta minha mão, sinto o calor morno de sua pele contra a minha e algo estranho acontece, se eu acreditasse nessa coisa de destino, poderia jurar que foi uma sensação de reconhecimento. Os dedos ásperos, na minha pele suave me deram arrepios que seguiram até a minha nuca. Abri a boca pra falar meu nome e nada saiu. Fiquei como um peixinho fora d'água abrindo e fechando a boca sem qualquer reação.

O que deu em mim?

— Hãm... Me chamo Liz Albuquerque, é... já moro a-aqui há alguns anos. – balbucio.

5º...

— Prazer Liz, lindo nome. Tem haver com a flor? - ele pergunta.

— Sim, minha mãe recebeu do meu pai uma flor-de-lis quando se conheceram, então ela colocou esse nome em mim para lembrar-se desse dia. Alguma bobagem assim... - solto sua mãos e deslizo minha palma pela saia pra tentar parar o formigamento.

— Eu não acho bobagem, acho um lindo nome, lhe caiu bem, você tem mesmo cheiro de flor.

Pisco sem acreditar no que ouvi. Não, isso é gozação e ele está de brincadeira. Um silêncio sem graça invade o elevador, até finalmente a garagem, me deixando ainda mais ansiosa de sair de perto desse homem lindo e tão enlouquecedor.

4º...

3º...

Deus, que demora!

2º...

Não consigo respirar...

1º...

Ando logo elevador desgraçado.

G1...

Ufa!

As portas se abrem ele se afasta estendendo a mão em um gesto cortês me deixando sair primeiro do cubículo de aço, e depois sai logo atrás de mim. Caminho com as pernas bambas. Nossa Liz, agora você desaprendeu a andar? Bastou um cara bonito te elogiar pra suas pernas virarem geleia?

Consigo chegar até o meu carro, cato na bolsa minha chave, destravo o carro abro a porta e me sento. Quando a vou fechando, uma mão segura à porta aberta. Oh meu Deus... Meu coração acelera, o que ele pensa que está fazendo? Sem cerimônias o moreno que agora descobri se chamar Gustavo, se debruça sobre o carro invadindo meu espaço pessoal de uma maneira muito ruim. Olho dentro daqueles olhos cor de uísque que de tão lindos estão me deixando bêbada a cada minuto, espero o que ele tem a dizer, já que está me interrompendo de seguir para o trabalho.

— É...eu. - ele gagueja sem graça, passando a mão nos cabelos bagunçados fazendo a camiseta se estender sobre o abdômen, a ação acaba por me mostrar um filete de pele bronzeada.

— O quê?

— Nunca pedi isso a uma mulher, mas como não conheço nada na cidade, gostaria de saber se você pode me falar onde eu consigo um mecânico de confiança, é que meu carro está ruim, e a minha moto de passeio só chega nos próximos dias. Então, preciso de ajuda.


Fico sem saber o que responder no primeiro momento. Não que eu não conheça um bom mecânico, é que a vulnerabilidade dele me tocou. Pode um homem assim tão cheio de si precisar dos outros?

— Eu posso te passar o endereço do meu, ele é um velhinho ranzinza, mas é de confiança e nunca me enganou. Você sabe como é, mulher e mecânicos nem é sempre uma boa combinação. Mas o que o seu carro tem afinal?

— Ah, você não é uma mulher que alguém poderia enganar.

Limpo a garganta sem graça.

— Vim dirigindo ele de Minas Gerais até aqui e o freio está com problemas, acho que as pastilhas estão desgastadas devido à longa viagem.

— Você está saindo nele? Mesmo com os freios desgastados? É muito perigoso, você já viu como é o transito de São Paulo?

— Vai ser preciso, tenho que resolver umas coisas no Centro e não estou a fim de ficar preso dentro de um táxi no trânsito de São Paulo. E como a Rose ainda não chegou dos Estados Unidos, e mesmo que ela estivesse aqui, ainda estaria sem ter como me locomover, a Rose odeia concreto, ela só gosta de ar livre.

— Se você quiser posso te dar uma carona, estou indo nesta direção mesmo. Não é grande coisa. - após falar percebo a burrada que eu fiz.

Não acredito que ofereci carona pra um estranho, mesmo que seja um estranho lindo de morrer, ainda não me sinto segura pra isso. E quem é essa tal de Rose que ele citou? Curiosidade me atinge como um gancho de direita. Será a namorada dele?

— Sério? Séria perfeito! – ele fala satisfeito com o convite.

— Não eu quis dizer... - enquanto tentava corrigir o que eu disse, ele dá a volta no carro e entra no banco do passageiro sem qualquer cerimônia. É engraçado vê-lo um tanto espremido no pequeno compartimento já que suas pernas parecem ter quilômetros de comprimento.

— Vou ficar te devendo essa, Liz. - ele diz me olhando nos olhos.

Pisco percebendo que é tarde demais pra me arrepender, só posso rezar pra ele não ser um estripador ou algum psicopata, rapidamente dou partida no carro.

Meu carro é um sedan caindo aos pedaços, mas tenho apego emocional e não quero me livrar dele nem tão cedo. Comprei-o numa loja de usados quando terminei a faculdade. Olho ao redor do carro pra vê se não tem nada que possa me comprometer, porque meu carro é uma bagunça, faço quase tudo que posso dentro dele para economizar tempo. Troco de roupa pra ir a academia, faço minhas refeições rápidas nos engarrafamentos e o uso como depósito. Roupas, sapatos, embalagens de chocolate e latas de energéticos já viraram acessórios.

Enquanto eu coloco o carro no tráfico pesado desse horário, meu passageiro se remexe no banco, eu finjo não olhar. Gustavo coloca a mão por baixo da perna e puxa a única coisa no mundo que ele nunca, jamais, deveria encontrar. Uma calcinha.

Oh meu Deus!

Gustavo levanta a maldita peça na altura do rosto e examina como se nunca tivesse visto coisa igual na vida. A tanguinha minúscula de renda preta que tirei ontem pra colocar a roupa da academia, balança como um relógio usado para hipnose, porque seus olhos nem piscam do objeto. Imediatamente dou uma tapa na mão dele e a calcinha cai em seu colo. Eu puxo e a escondo dentro do porta luvas com um safanão.

Santo Cristo!

Será que alguém no mundo pode ser mais azarada? Eu não estou me vendo, mas posso sentir minhas bochechas queimando de vergonha.

— Eu gosto da cor e do tamanho. - Gustavo diz com um sorrisinho presunçoso.

Finjo que não escutei seu comentário embaraçoso, estico o braço e ligo o rádio pra tentar não pensar que ele está aqui tão próximo de mim e ainda por cima sabe o que estava vestindo ontem como roupa de baixo. Começo a pensar o quão idiota eu fui em propor uma coisa dessas.

Santo Deus me ajude há passar os próximos 30 minutos com esse homem dentro deste carro, imploro mentalmente.

— Então vizinha, em que você trabalha? - Gustavo pergunta puxando assunto como se nada tivesse acontecido há um minuto atrás.

— É... Eu sou advogada em um escritório no centro da cidade, me formei há dois anos. – explico tentando me concentrar no trânsito.

— Uau! Você tem mesmo cara de advogada. - ele fala sorrindo.

— Posso saber por quê? - pergunto irritada e com a guarda alta para o seu comentário engraçadinho.

— Calma, é que você sempre está na defensiva. Deve ser uma boa advogada criminal.

— Não, nunca trabalharia nisso, sou advogada da vara da família. Eu pego casos sobre adoção, abusos, e coisas desse gênero.

— Uau de novo! - Gustavo me encara com olhos surpresos.

— E você? O que você faz?

Antes de responder Gustavo desliza as mãos sobre as coxas, dou um rápida olhada no movimento e percebo o que as letras tatuadas nos seus dedos querem dizer. O homem tatuou a palavra free, o que traduzido do inglês significa livre na própria pele, tomo isso como um sinal.

— Eu sou piloto de motocross. – olho pra ele intrigada. Eu deveria imaginar que o homem lindo sentado ao meu lado é tão selvagem e corajoso pra viver de um esporte desses como ganha pão, mas juro que pensei que ele fosse um rock star de alguma banda ou quem sabe, modelo de alguma grife masculina ou algo desse tipo, mas nunca um piloto de motocross. Não conheço o esporte, mas tenho uma ideia do que eles fazem com suas motos e toda aquela roupa colorida.

— Nossa! - falo não conseguindo esconder minha surpresa.

— Acabei de voltar de um campeonato mundial nos Estados Unidos, fiquei entre os cinco primeiros colocados.

— Então você é bom. – confirmo.

— Sim, acho que sim. – ele fala sem soar pretensioso, e eu gosto do pouco caso que ele fez disso.

— Mas porque você se mudou pra São Paulo? Em Minas não seria melhor pra você treinar? Acho que aqui não tem muitos locais pra isso, é quase tudo cimento, estamos numa verdadeira selva de pedra. A não ser que você vá a cidades vizinhas longe de todo esse caos. – calo-me e percebo que estou sendo invasiva, falando pelos cotovelos e me metendo onde não devo.

— Precisei vir pra tratar de alguns problemas. Mas eu também quis vir por vontade própria, mudar um pouco, sair da mesmice. Não consigo ficar muito tempo em um mesmo lugar, o mundo me chama. Já morei em alguns estados e em alguns países, estou acostumado com as mudanças de rotina.

— Então a tatuagem na sua mãe tem um significado verdadeiro pra você? – pergunto.

— Mas do que isso, ser livre é um estado de espírito, é o que me move a continuar seguindo em frente.

Respiro fundo, olho pra Gustavo perplexa, invejando essa liberdade que ele está falando. Como eu queria ser assim, não ter medo em recomeçar e enfrentar o desconhecido. Ele me lembra alguém...

— E sua família é daqui? Quer dizer, sua esposa lida bem com essas viagens e todas essas mudanças de estado? – pergunto sobre a esposa mesmo já desconfiando dele não ser casado devido eu não ter visto uma aliança em sua mão esquerda, apesar de que hoje em dia as pessoas quase nunca usam alianças.

— Não tenho mulher, e é por esse motivo mesmo que não quero uma. Minha mãe e meus irmãos estão em Minas, pra ser mais exato em Belo Horizonte. Eles têm um restaurante lá, todos trabalham no negócio da família menos eu, claro.

— Mineiro, então. – falo em voz alta o que deveria não ter saído da minha boca e apenas ter permanecido nos meus pensamentos.

— Come quieto. – ele conclui com uma risadinha debochada.

Encaro rapidamente com as bochechas vermelhas, tentando não enxergar o duplo sentido nas palavras dele. Fico me perguntando o que mais eu posso descobrir sobre a vida desse homem lindo. Me pergunto como ainda não tinha visto nada sobre ele na tevê, se é realmente verdade que ele é um bom piloto já deve ter saído alguma notícia sobre ele. Não sou fã de esportes radicais, mas vez ou outra dou uma olhada no caderno de esportes do meu jornal.

Nunca fui uma pessoa curiosa, mas, no entanto eu gostaria de descobrir tudo sobre esse homem tão misterioso e intrigante. Uma dúvida surge a minha mente. Mas se ele não é casado deve ter uma namorada, ou uma ficante oficial. Um homem desses não estaria solteiro em hipótese alguma, deve ser a tal de Rose que ele falou, será que vão morar juntos?

A curiosidade é mais forte que meu alto controle em parecer indiferente a tanta beleza, e antes que perceba abro a boca e digo:

— E Rose quem é? Sua namorada? Ou apenas uma delas?

Gustavo gargalha de uma maneira incontrolável, o que me irrita e me deixa incomodada de uma maneira terrível, porque não sei o motivo dele achar tanta graça nas coisas que falo.

Mas vê-lo sorrir é refrescante aos olhos, o homem sabe como parecer várias pessoas ao mesmo tempo, sabe sufocar uma mulher com aqueles olhos intensos e corpo enorme, mas também sorri docemente como um garoto bobo.

E esse detalhe sobre ele é lindo.

— Me desculpe. Não estou rindo de você. – ele explica secando os olhos lagrimejados de tanto rir.

— O que foi tão engraçado então?

— É que bem, eu poderia considerar a Rose uma esposa ou algo assim, já que ela me acompanha em todos os cantos que vou. Passo mais tempo com ela, quer dizer em cima dela pra ser mais exato, do que já passei em cima ou próximo de qualquer coisa na vida. – o sorriso maroto não sai de seu rosto.

Uma onda de raiva e decepção ferve em minhas veias, ele ainda tem coragem de confessar que trata uma mulher assim enquanto paquera com outras, sem falar que ele gargalhou quando perguntei se a moça era sua namorada.

Safado!

— Ei, não é o que você está pensando. – o idiota ainda ler a mente das pessoas?

— Ah não? – levanto uma sobrancelha em interrogação.

— Não, Rose é como chamo a moto que uso nas competições. Por isso falei que ela não gosta de concreto, ela é calibrada para competições, não saio com ela pra passeio. Uma moto de corrida é importante como um joelho saudável é essencial para um jogador de futebol.

Minhas bochechas agora queimam como se eu estivesse passado larva no lugar da maquiagem.

— Oh! – É só o que consigo falar em constrangimento. E ao mesmo tempo alívio, ia ser muito decepcionante um homem lindo desse ser um cafajeste.

Enquanto o sinal fecha tento mudar de assunto:
— Ah, eu já ia esquecendo, preciso te dar o telefone do Sr. Jorge, o mecânico. – alcanço o meu celular na minha bolsa que está no painel e começo a procurar o número da oficina.

Após ditar os números pra ele agendar no celular, o silêncio predomina até nós chegarmos ao Centro, ele pede pra descer perto do Hospital Santa Cecília.

Fico interessada e não resisto em perguntar:

— Indo visitar alguém doente? Espero que não seja nada grave. – Gustavo me encara com olhos surpresos e profundos como se o assunto o machucasse de alguma maneira, no mesmo momento me arrependo de ter me intrometido.

— Não, nada com que deva se preocupar. – imediatamente ele me dá um sorriso gentil e verifica o celular como se consultasse as horas.

Estaciono na calçada do hospital, ele desce se debruça na janela e me dá aquele sorriso completo. Nossa, esse sorriso ainda vai ser minha perdição. Começo a imaginar o que ele faria se eu me esticasse e beijasse sua boca. Só um selinho, será que ele se importaria?

Lá vamos nós de novo... Acorda Liz, ele não é pro seu bico!

— Obrigada pela carona e pela ajuda com o mecânico, foi muito gentil da sua parte Liz. – quando ele fala meu nome eu me arrepio inteira, meu nome se torna único na voz dele, como uma pequena melodia. Recitada tão perfeitamente que eu não me cansaria de ouvir.

Eu sei que também parece clichê, mas ao ouvi-lo pronunciar meu nome me sinto um pouco mais íntima e presente.

— Oh, não precisa agradecer não foi nada demais. – fico ali parada embebecida naqueles olhos, totalmente paralisada e perdida nos pingos dourados da sua íris.

Esforço-me pra desviar o olhar e verifico o relógio, nossa mãe já são 7:20!

— Vou indo, não posso me atrasar para o trabalho. – digo parecendo uma tola, mas daria um braço para não mexer uma única célula do meu corpo de lugar.

Ele ri e fala:

— Claro, não quero te atrapalhar. Nos vemos por aí, Liz. – Gustavo alcança meu rosto com as mãos, pressiona os lábios macios contra minha pele por cerca de alguns segundos, sorri e sai andando em direção ao hospital.

Eu fico ali digerindo tudo que aconteceu desde a hora que acordei, e admirando aquela bunda perfeita no jeans. Enquanto toco a região que queima pelo seu contato.

Nossa e ainda não tomei nem um café preto.

Dou partida no carro e vou para o escritório. Assim que abro a porta ouço a voz do meu chefe gritando com algum outro pobre coitado. Essa não, mas já? Ainda nem sentei na minha cadeira. Luana, à recepcionista me olha com aquele olhar que diz "a coisa tá feia" sorrio, em agradecimento ao apoio. Dr. Estefan Salgueira é um senhor de meia idade carrancudo que está sempre suado e vestindo um terno pequeno demais pro seu tamanho. Fui contratada através de um rigoroso processo de seleção que durou cerca de um mês de cansativas entrevistas.

Através das minhas excelentes notas eu fui à classificada para o cargo. Pra falar a verdade eu apenas tolero meu trabalho, lidar com casais ricos que querem adotar crianças pra mostrar aos amigos do clube o quanto são generosos, ou ex-mulheres brigando por uma pensão maior, ou querendo processar seus ex-maridos porque não lhe deram uma viagem pra Paris no Natal... Não era o que eu sonhava em fazer na faculdade.

Meu sonho mais profundo e antigo é trabalhar em abrigos facilitando a burocracia que é adotar uma criança, sempre quis poder ajudá-las, lhes ofertar uma família amorosa, cheia de segurança e conforto.

Ainda não consegui, mas me viro no que posso. O que tenho por enquanto é esse trabalho e é o que paga minhas contas no final do mês.

Vou até minha mesa, guardo minhas coisas e entro na sala do meu chefe para saber o que ele quer que eu faça hoje. Caminho até a mesa de carvalho antiga que ele está sentado no centro da sala, rodeado de livros de direito e ética na estante que toma toda a parede as suas costas.

Rio só de pensar que ele com certeza não leu nenhum desses livros, já que ética é uma palavra que não consta no seu vocabulário.

— Bom dia, Sr. Estefan. Desculpe o atraso, o trânsito estava horrível.

Meu chefe está de cabeça baixa lendo o jornal, me olha como se eu não fosse lá grande coisa.

— Sempre cheia de desculpas por sua incompetência. Traga-me um café e depois busque os processos dos casos de hoje e vá para o abrigo. Um dos nossos casais vai visitar as crianças. E eu quero você lá. Indicando-lhes as coisas.

Respiro fundo e falo:

— Claro, só um minuto senhor.

Dito isto saio da sala e corro pra copa pra pegar o café dele, enquanto a cafeteira está fazendo o trabalho dela, pego os processos do dia, deixo em sua sala e volto pra pegar o café.

Sirvo uma bandeja bem caprichada com alguns biscoitos açucarados que sei que ele vai gostar, ele bem que merece aumentar sua circunferência abdominal. E volto pra lhe entregar a bebida conforme foi pedido.


Quando saio do seu escritório, passo na copa e me sirvo de um cafezinho num copo descartável, pego minha bolsa e saio para o abrigo.

Meu dia vai ser longo.        


Bom pessoal, espero que estejam gostando e estejam dispostos a embarcar comigo nessa estória de amor. O livro já está pronto, então, postarei capítulos duas vezes por semana, caso me façam muiiito feliz lendo, votando e comentando poderei postar mais vezes.

Sou movida a música e este livro tem trilha sonora, se quiser você pode ler os capítulos ouvindo a playlist do livro disponível nos aplicativos  Spotify e Deezer.

Spotify: https://open.spotify.com/user/12164736760/playlist/2sovRFwr6pPfqxpCa9Hc9q

Deezer : http://www.deezer.com/playlist/2988030326 

Comentem, me contem o que acharam, divulguem com os amigos ficarei eternamente grata... 

Amo ler os comentários de vocês.

Um beijo dessa escritora,

Priscilla Ferreira 💙

Continue Reading

You'll Also Like

37.7M 1.1M 68
Deadly assassins Allegra and Ace have been trying in vain to kill each other for years. With a mutual enemy threatening their mafias, they find thems...