Capítulo 4

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Gustavo

Quando abro a porta do quarto que meu pai está internado, a minha primeira reação é ficar em choque com o que vejo. O homem deitado na cama está totalmente diferente da imagem que recordava do meu pai. Nas minhas lembranças ele era grande, mais ou menos do meu tamanho, talvez até mais alto, com corpo forte e bem construído e cabelos escuros iguais os meus.

Na verdade eu me pareço muito com o homem que ele foi anos atrás. Só um único detalhe, puxei os olhos castanhos da minha mãe. Meu pai tem os olhos azuis escuros, tão intensos que parecem um oceano. Lembro-me que quando eu era pequeno e estava aprontando, só bastava um olhar recriminatório do meu pai pra eu saber que estava encrencado, ele nunca nos batia ou gritava com a gente, era só preciso olhar com aqueles olhos duros e sabíamos que depois teríamos que nos explicar sobre o nosso comportamento. Isso servia.

Éramos quatro crianças traquinas e saudáveis que corriam pela casa toda, mas que sempre sabíamos ser educados quando necessário. Afasto o pensamento da minha infância pra não me trazer mais dor e aproximo-me da cama, a cada passo que dou meu coração pula mais acelerado contra minha caixa torácica, olho mais de perto pra ele.

Eu poderia até pensar que a recepcionista me indicou o quarto errado, que este homem não é o meu pai, mas assim que olho pra aqueles olhos azuis em forma de oceano eu tenho certeza, esse é o meu pai.

O homem que nos abandonou. O herói que de uma hora para outra se transformou em vilão. O homem que eu amei um dia como se ele fosse alguém imbatível, incapaz de fazer qualquer mal.
Meu pai está conectado a duas intravenosas, um tubo de respiração no nariz, e uma máquina que não sei o que é apita a todo instante.

A sua pele está esverdeada e seca, o seu corpo está cadavérico, ossos salientes sobe a pele ressecada, o rosto abatido coberto de uma barba cinzenta e profundas olheiras embaixo dos olhos. Com certeza, ele tem a aparência de alguém muito doente, quando me falaram que ele estava entre a vida e a morte não mentiram.

Limpo a garganta criando coragem e pensando em como vou começar a questioná-lo sobre o passado. Respiro fundo e faço a pergunta mais difícil que já fiz a alguém.

— Lembra-se de mim? – pergunto lançando um olhar cético em sua direção enquanto ele me encara como se não pudesse crer que sou real.

Meu pai afasta o tubo do rosto, olha nos meus olhos.

— Sim filho, nunca me esqueci de você... Nenhum dia sequer. – sua voz está rouca e fraca. Ouvi-la novamente depois de tantos anos me deixa completamente consternado.

— O quê? - pergunto irritado. Esse cara só pode estar de brincadeira com a minha cara.

— Filho, nunca me esqueceria de vocês, estou tão feliz que você está aqui. Esperei tanto pra lhe ver.

Dou um sorriso amarelo, tentando entender qual a sua intenção.

— Você ficou louco ou o quê? Você nos abandona por todos esses anos e agora vem dizer que nunca se esqueceu de mim e dos meus irmãos? Eu não sou idiota. Pode cortar a conversa fiada agora mesmo.

— Eu sei que você não é idiota filho, e fico feliz por isso.

— Dá pra parar de me chamar de filho? Você nunca esteve lá pra mim. Você não é nada pra mim, além de um estranho.

— Eu sei Guto, e sinto muito por isso. – ele diz com a voz falha.

— Não me chame assim, nunca mais, você não tem mais esse direito. O que você quer? Por que mandou me ligarem? Pra começar, como conseguiu me achar? - pergunto pra ele já com as mãos tremendo de tanta raiva que estou sentindo. Como ele ousa me chamar da mesma forma que me chamava quando eu era criança? Como se ainda tivesse intimidade para isso.

Azul Profundo ( Livro 1 Série Cores) SEM REVISÃOWhere stories live. Discover now