FOGO ENCONTRA GASOLINA [COMPL...

By OlivsLah

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Alexandra Martins é órfã desde os 11 anos e vive com os irmãos mais velhos em uma pequena cidade praiana cham... More

PREFÁCIO + ELENCO + PLAYLIST
02. A NOITE EM QUE TUDO MUDOU
03. FUTURO NAMORADO
04. FOFOCA NA COZINHA
05. VISITA INESPERADA
06. DE MAL A PIOR
07. DIEGO
08. PRELÚDIO DE DESASTRE
09. LAGO
10. SALVADOR
11. CONVITE INESPERADO
12. EU SABIA QUE VOCÊ ERA POBLEMA
13. FELIZ ANIVERSÁRIO, PEDRO
14. EU ACHO QUE PIREI
15. CONFUSÃO MENTAL
16. PERMITA-SE SENTIR
17. QUEBRA DE SILÊNCIO
18. INTRIGAS
19. SUSTO
20. A SOMBRA QUE HABITA EM MIM
21. FELIZ ANIVERSÁRIO, ALEXANDRA
22. MUDANÇAS
23. NA MESMA SINTONIA
24. A VIDA É SUA
25. DESPEDIDA?
26. UMA ONDA DE CADA VEZ
AGRADECIMENTOS E HORIZONTEVERSO

01. FOGO ENCONTRA GASOLINA

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By OlivsLah


FEVEREIRO DE 2016

PEDRO

Mudar de cidade deveria ter a sua dose de empolgação, mesmo quando a mudança é para a cidade ao lado da que você viveu a vida inteira. Pelo menos é isso que a minha irmã mais nova me diz, mas, francamente, não consigo ficar feliz com isso.

Ao contrário dos meus amigos, que ganharam o mundo e deram os primeiros passos em busca da realização dos seus sonhos quando nos formamos no ensino médio há três meses, eu me sinto preso; completamente refém das escolhas alheias sobre a minha vida. A começar com a mudança de Lugar Nenhum para Lugar Onde Judas Perdeu as Botas. Ou de Horizonte do Sul para Horizonte do Norte, se preferir.

Só com isso, não é difícil supor que eu nunca quis me mudar para a cidade ao lado, mas o fiz por causa do trabalho do meu padrasto. Se nos mudássemos, ele seria promovido e passaria a ganhar mais, então a decisão pareceu óbvia para ele e para a minha mãe, que sequer pediram a minha opinião ou a da minha irmã mais nova. Eles apenas nos informaram no final do ano passado que nós nos mudaríamos.

Porém, esse não é o maior problema.

Sendo bem sincero, a causa do meu mau humor sobre passar a viver em Horizonte do Norte vem do fato de que, ao contrário dos meus amigos, eu não escolhi seguir o meu sonho após a formatura. Eu escolhi o que era mais fácil e o que faria os meus pais felizes. Abandonei por completo a música em prol de um curso que não me interessa, cujas aulas começarão em breve.

Para mim, passar a morar em Horizonte do Norte é a certeza de que perdi não apenas uma batalha, mas a guerra da minha vida. Sem nem ao menos tentar travá-la, na verdade. Eu apenas aceitei a derrota antes mesmo de tentar.

Mais do que odiar a mudança de cidade ou minhas escolhas erradas, eu sinceramente odeio muito a mim mesmo agora e não me sinto minimamente capaz de fingir qualquer empolgação, para completo desgosto da minha família.

— Finalmente em casa, crianças —, por entre a música que toca nos meus fones de ouvido, escuto minha mãe falar do banco da frente.

Nós chegamos em Horizonte do Norte há cerca de dez minutos, mas a cidade é pequena o bastante para cruzarmos ela nesse meio tempo e chegarmos ao condomínio em que passaremos a morar. Trata-se de um lugar repleto de casas antigas e superestimadas pela localização próxima à praia. É a cara do meu padrasto.

— Parece legal —, ao meu lado e completamente diferente de mim, a minha irmã mais nova é a personificação do entusiasmo. Como se fosse a própria Dora Aventureira vivendo um episódio, os olhos castanhos de Mariana brilham e ela sorri como só uma jovenzinha de quatorze anos é capaz.

— A localização é ótima. Estamos a apenas cinco minutos de distância da praia, vinte da escola da Mari e trinta da faculdade do Pedro — Ricardo, o meu padrasto, faz questão de salientar.

Aparentemente, eu não sou muito bom na arte de atuar e o meu descontentamento com a mudança não é nenhum segredo, pois sinto que os três me olham com certa expectativa enquanto fico em silêncio.

No fim das contas, mamãe desiste de esperar por alguma reação minha e diz:

— Vamos nos apressar —, ela logo abre a porta para sair do carro, tão logo Rick para em frente ao que será nosso novo lar. — O caminhão de mudanças deve chegar em breve e queremos organizar o máximo possível antes do anoitecer.

—Eu só quero escolher o meu quarto logo. E talvez cumprimentar os vizinhos —, minha irmã não perde tempo em segui-la.

Eu, por outro lado, sinto-me bastante tentado a ignorar tudo e permanecer no carro ouvindo minhas músicas. Entretanto, o meu padrasto não colabora:

—Vamos, Campeão—, ele fala. —Precisamos ajudá-las ou receberemos uma bronca. Sabe como a Rosa é.

ALEXANDRA

—Tem certeza de que você vai para essa festa, Alex? —, João Augusto pergunta assim que sentamos na canga roxa de Cher, que foi colocada sobre a areia branquinha da praia. — Não acho que seja uma boa ideia frequentar lugares assim...

Não consigo evitar e reviro os olhos, o que ninguém nota por causa dos meus óculos escuros. Depois, inclino a cabeça para trás, absorvendo a luz solar pela primeira vez em muito tempo, o que chega a fazer minha pele pálida brilhar como se eu fosse alguma integrante perdida do clã Cullen.

—É apenas uma festa, João—, respondo, calmamente. — O que de mais pode acontecer?

—Quando você está no meio, Alex, tudo pode acontecer —, Charlotte diz enquanto prende o seu cabelo com um lenço preto de bolinhas brancas. — Para falar a verdade, você é uma espécie de "imã de desastres", já que parece atrair confusão por onde passa.

Charlotte Carvalho, ou simplesmente Cher, é a minha melhor amiga desde os meus doze anos de idade. Juntas, nós já compartilhamos muita coisa. Cher me conhece melhor do que ninguém e, por isso, dessa vez, tenho que admitir que ela está correta.

—Vocês são dois estraga prazeres—, aponto para os meus amigos de maneira acusatória. — Têm noção do trabalho que tive para arranjar os convites dessa festa do Lucas Roberto?

—Nenhum—, responde João, com um sorriso debochado. —Você é irmã caçula de um dos melhores amigos dele e se conhecem há séculos. Definitivamente, não deve ter tido tanto trabalho assim.

—Se dependesse do Anderson, eu jamais iria para essa festa —, retruco, ainda na defensiva. —Ele me trata como uma criança!

—Talvez porque você aja como uma —, João debocha e eu o fuzilo com o olhar, apesar de ele não perceber por causa dos óculos.

—Se não quiser ir, João Augusto, eu posso ir muito bem desacompanhada—, decido.

—E te deixar sozinha lá? —, o meu amigo parece ter ouvido um tremendo absurdo. — No meio de um bando de adolescentes e irresponsáveis bêbados, possivelmente drogados e tarados...

—Acho que já deu para entender que você vai, João —, Cher o interrompe.

—Mas e você? — Eu me volto para ela, que dá de ombros.

—Vou com vocês, é claro —, Charlotte soa como se fosse óbvio, o que, talvez, realmente seja.

Mas então, ficamos um tempo em silêncio. E tentado aproveitar isso, eu fecho os olhos e escuto o barulho das ondas quebrando ao encontrarem a areia da praia. Algo que me faz sentir, momentaneamente, a sensação do que deve ser paz.

— Dá para acreditar que amanhã nós começamos o último ano do colegial? —, Cher pergunta, fazendo-me abrir os meus olhos para fita-la, sorrindo para mim e João. — Parece que foi ontem que nós nos conhecemos no oitavo ano do ensino fundamental...

—Parece mesmo, mas não foi —, João quebra o clima ao ser óbvio, o que deve ser a sua especialidade. — E logo nós estaremos na faculdade e em seguida vem...

—O resto das nossas vidas—, completo em tom desanimado.

Aparentemente, o próximo passo desse ciclo é a faculdade e essa é uma coisa da qual eu odeio falar, apesar de também saber que é algo inevitável, se quiser ter um futuro perante ao padrão ideal da sociedade. Aparentemente, se você não nasce rico no Brasil, só tem duas alternativas: ou estuda ou encontra algum trabalho na base da cadeia alimentar. É claro que, no meio disso, você sempre pode tentar a sorte com a loteria ou entrar para o crime organizado, mas sou racional e honesta demais para cogitar essas alternativas paralelas.

—É. O resto das nossas vidas—, João Augusto concorda.

E, dessa vez, quando ficamos em silêncio é bizarro. Quase como se tivessem coisas não ditas entre nós e não soubéssemos como abordá-las. Ou talvez isso seja apenas comigo, cuja mente parece sempre estar inquieta e pensando em mil coisas diferentes de uma vez só. De qualquer forma, decido que é hora de ir, antes que os meus irmãos mais velhos passem a me ligar feito loucos, querendo saber o porquê da minha demora.

—Preciso ir—, colo-me de pé e bato a areia do meu short jeans sob o olhar dos meus melhores (e também únicos) amigos. — Nós nos vemos às onze, quando forem me buscar para a festa.

—Combinado! — Charlotte fala pelos dois.

Com um sorriso sem graça, aceno em despedida e caminho descalça pela areia até o calçadão, onde ponho os meus chinelos.

De forma aparentemente privilegiada, a minha casa não fica tão longe da praia, mas, ainda assim, tenho que andar um pouco para chegar até ela, o que me deixa exausta pelo sol escaldante. A caso de curiosidade, não sou a pessoa mais enérgica do mundo.

Quando me aproximo da minha casa, localizada no condomínio mais antigo da cidade, noto um caminhão de mudanças na casa ao lado da minha e isso me faz franzir o cenho em confusão, a princípio. Mas então me lembro vagamente de um comentário da minha irmã, Ramona, sobre a família do nosso antigo vizinho, o senhor Cristóvão, ter decidido vender a casa após a morte repentina do velho por aneurisma cerebral. Dessa forma, isso significava vizinhos novos.

Não sou lá muito fã da ideia, mas admito que fico um pouco curiosa. Com os olhos presos no caminhão de mudanças, caminho até os degraus de entrada da minha casa e me sento em um deles para observar o vai e vem de pessoas carregando caixas para dentro e para fora da residência ao lado.

É como ser testemunha de um verdadeiro caos. Fico tão imersa na minha curiosidade que me assusto quando sinto meu celular vibrar no bolso do short, de onde o retiro, notando uma nova mensagem de Cher:

"Acha que devo usar vestido ou jeans?".

Nem fico surpresa com o seu questionamento. Nada é mais Cher do que isso.

Eu estou prestes a respondê-la, quando ouço passos se aproximando e, em seguida, uma voz desconhecida fala, roubando a minha atenção:

—Oi!

Levanto o olhar do celular, encontrando uma garota pálida e repleta de sardas pelo rosto, com cabelos castanho-escuros presos em um rabo de cavalo e um sorriso enorme, parada bem na minha frente. Ela, definitivamente, não pertence a essa cidade.

—Oi— um pouco receosa, porque lidar com estranhos me causa isso, eu respondo. — Posso ajudá-la com alguma coisa?

—Na verdade, não. Quer dizer, não exatamente—, a garota se atrapalha e acaba rindo de nervoso. — É só que eu te vi sentada e sozinha aí e resolvi que talvez fosse uma boa ideia me apresentar—, explica a desconhecida, meio sem graça. — A propósito, eu me chamo Mariana Mendes, mas todos me chamam de Mari. Acho que sou sua nova vizinha. —, ela me estende a mão em cumprimento, e eu arqueio uma sobrancelha em resposta.

Não seja rude, digo a mim mesma, e então ergo a mão e aperto a sua, cumprimentando-a.

—Sou Alexandra—, respondo, por fim. — E não me interprete mal por cortar a conversa de repente, mas agora eu realmente preciso entrar. Seja bem-vinda à vizinhança, eu acho.

Não espero por uma resposta ou qualquer outra reação vinda da tal Mari. Sob o seu olhar confuso, eu simplesmente levanto do meu lugar no degrau e me apreço para entrar em casa, onde encontro uma atípica calmaria.

Estranhando a falta de alguma discussão geralmente recorrente nesse horário entre os meus irmãos, vou até a cozinha tomar água e sento sobre a bancada enquanto penso sobre a festa de hoje à noite. De fato, João Augusto está certo quanto a não ter sido nem um pouco difícil arranjar os convites. Difícil mesmo vai ser despistar os meus irmãos para que eles não percebam a minha ausência.

Quase como se quisessem me lembrar do empecilho que eles são em se tratando disso, ouço a porta de entrada bater e em seguida Anderson, o meu irmão do meio, adentra a cozinha usando uma calça jeans rasgada nos joelhos, camisa de banda e uma de suas típicas bandanas no cabelo – que ele jura que é legal, mas, sinceramente, só era legal no Cazuza.

—Ei, Pirralha—, Anderson me cumprimenta com um sorriso repleto de covinhas, que levam outras garotas à loucura e me fazem querer revirar os olhos, antes de seguir até a geladeira apenas para tomar suco diretamente da caixa. Um grande eca para Anderson Martins. — Onde está a Ramona? — Ele pergunta, dando continuidade à destruição da sua imagem perante a mim ao limpar a boca com as costas da mão.

—Provavelmente, no trabalho—, eu respondo.

Após a morte dos nossos pais em um acidente de carro há seis anos, sobraram apenas Ramona, Anderson e eu. E como na época Ramona era a única maior de idade de nós três, nossa irmã teve que trancar a faculdade de jornalismo e arranjar um emprego para nos sustentar e guardar a herança dos Martins para manter a casa e ajudar na educação de Anderson e na minha, o que significa comida na mesa e menos tempo dela conosco.

—Não gosto que ela trabalhe tanto—, Anderson comenta em tom preocupado. Ele sempre foi o superprotetor de nós três. — Posso não receber muito na papelaria, mas ainda assim é algo e ajuda nas despesas.

Apesar de todas as brigas que temos, Anderson e Ramona são aquele tipo de irmãos que eu não trocaria por nada nesse mundo.

—Acho que deveria arranjar um emprego também—, comento ao saltar da bancada e ficar de frente para ele.

Porém, o meu irmão não parece gostar muito da ideia e contorce o rosto em uma careta que me sugere reprovação.

—Não acho que isso seja realmente necessário, Alex.

Eu reviro os olhos.

—Posso economizar o que receber para o período da faculdade—argumento. — Caso não se lembre, esse é o meu último ano de colegial.

Anderson parece bastante tentado a começar uma discussão, mas sou salva disso pela chegada de uma Ramona carregando sacolas de compras do supermercado.

—Oi—, ela diz toda sorridente, mas, ao ver as nossas expressões irritadiças, logo o seu sorriso se transforma em preocupação — Aconteceu alguma coisa aqui?

—Nada—, resmungo.

Olho uma última vez para o meu irmão, que parece decidido a não aceitar a minha ideia, e passo por Ramona, subindo a escada até a terceira porta à direita, onde está localizado o meu quarto.

Devagar, fecho a porta dele e caminho até a cama, deitando-me nela. Ainda me sobram cinco horas antes de Cher e João virem me buscar para festa, o que significa uma dose de tédio iminente. Sem saber muito bem como usar o tempo, levanto-me e pego o meu caderno de esboços e meus lápis de cor na gaveta da escrivaninha para ir até a varanda, onde sento no parapeito com o intuito de desenhar.

Não sei quando começou, então acho que sempre gostei muito de desenhar. Por causa disso, pretendia fazer algum curso nessa área até alguns anos atrás, quando os meus pais foram assassinados por um maldito motorista bêbado e eu fui jogada em uma vida cheia de preocupações com relação à dinheiro.

Apesar dos nossos pais terem nos deixado certa quantia no banco e uma casa, Ramona, Anderson e eu decidimos que aquilo seria um último recurso caso as coisas ficassem piores, então estamos sempre contando os centavos e economizando ao máximo. É um tanto estressante. Por isso, apenas desejando esvaziar a mente, passo o lápis sobre a extensão do papel, criando traços, que por sua vez criam um desenho, que ao tomarem forma noto se tratar do rosto de minha mãe. De algum jeito, é sempre assim: eu viajo para o ponto da minha mente que mais me atormenta quando desenho.

De repente, assusto-me quando um barulho de violão sendo dedilhado soa e levanto o olhar, encontrando um garoto na varanda ao lado, o qual me encara enquanto faz isso. Eu franzo o cenho. Provavelmente, ele é um dos novos vizinhos também, e quando o garoto parece notar que o encaro de volta, ele deixa o violão de lado.

—Oi — o garoto sorri.

E eu provavelmente deveria falar algo agora, mas não faço a menor ideia do que falar sem acabar gaguejando no processo e deixando evidente que conversar com estranhos não é o meu forte, então apenas acabo ficando em silêncio por mais tempo que o necessário, o que faz o garoto me olhar estranho. Maldita timidez.

—Você por acaso fala? — Ele soa um tanto debochado ao inclinar a cabeça quando pergunta.

Droga.

Deixando o nervosismo assumir, decido deixá-lo no vácuo e levanto do parapeito, seguindo até as portas que levam de volta ao meu quarto. Porém, antes de fechá-las, posso ouvi-lo gritar com certo humor:

—Só para você saber, eu me chamo Pedro e sou seu novo vizinho!

Também posso ouvir sua risada em seguida, o que por algum motivo me faz corar em constrangimento. Eu não devia ter agido assim. Fala sério, que tipo de maluca eu sou?

Ponho meu caderno junto com os lápis sobre a mesa de cabeceira e volto a sentar em minha cama, notando que meu celular não para de vibrar.

Para resumir, são doze mensagens da Cher que dizem praticamente a mesma coisa:

"Eu vou te matar se não me responder!".

"Cadê você, Alex?".

"Não me deixa no vácuo!".

Percebemos aqui que, de forma nada madura, a minha melhor amiga não sabe lidar com pessoas que não a respondem de imediato. Infelizmente para ela, eu sou esse tipo de pessoa. Segurando-me para não encher o saco dela por seu drama, limito-me a responder o questionamento inicial sobre a roupa que ela deve usar hoje à noite:

"Vai de Jeans, Charlotte.".

XxX

O relógio na mesinha de cabeceira marca 22h 47m quando eu termino de me aprontar para a festa. Acabei vestindo uma calça jeans de cintura alta na cor preta, uma blusa branca soltinha e uma jaqueta também jeans. Nos pés, calcei os meus já gastos coturnos, e meu cabelo... Ele é escorrido demais para segurar qualquer coisa, então apenas o deixo solto, como sempre. O último passo foi só passar um pouco de base no rosto, delineador, lápis, rímel e batom. Digamos apenas que não sou uma grande amante da maquiagem, para além do básico.

Sobre a cama, meu celular vibra anunciando uma nova mensagem. Dessa vez, é do João:

"Cadê você?".

Dou uma última olhada no espelho para conferir minha aparência antes de responde-lo:

"Eu já estou indo".

Guardo o meu celular no bolso da calça e abro a porta do quarto com cuidado, para não acabar fazendo barulho demais e chamando a atenção dos meus irmãos. Dado o horário, o corredor está escuro, mas pelo barulho que vem da sala, alguém ainda se encontra lá.

Pé ante pé, desço a escada calmamente e tenho o relance de Ramona cochilando no sofá enquanto minha cena favorita de Titanic passa na TV. Aproveitando-me de seu sono, esgueiro-me até a cozinha e, o mais rápido e silenciosamente possível, saio pela porta dos fundos.

Mantendo o ritmo apressado, dou a volta na casa e noto que a moto de Anderson não está na entrada da garagem, o que significava que ele deve ter ido para a festa e que terei de tomar cuidado sobre encontrá-lo por lá. Felizmente para mim, até onde sei, as baladas do Roberto são lotadas o suficiente para eu não ter que me preocupar muito com essa possibilidade.

Caminho até o veículo parado do outro lado da rua e entro no carro da mãe do João, encontrando ele e Cher em meio a uma discussão. Porém, ao me verem, ambos param e sorriem, esquecendo completamente da briga.

—Finalmente, Alexandra Martins, — Cher diz. — Nós já estávamos cogitando a ideia de irmos embora sem você.

—Eu nunca trocaria a companhia da Alex pela sua, Charlotte. Não tenha ideias. — João Augusto desdenha, para completa indignação de nossa amiga.

Eu balanço a cabeça em negação, porque esses dois realmente são inacreditáveis.

—Já que estão tão apressados e eu já estou aqui, acho que nós podemos ir—, percebo.

Felizmente, eles assentem em concordância.

João liga o carro, que provavelmente pegou escondido da sua mãe, e dá partida no mesmo.

—Lá vamos nós—, diz ele.

XxX

—Caralho, agora eu sei o porquê das festas do Lucas Roberto serem tão comentadas—, João fala, assim que saímos do carro ao chegarmos no local.

Por causa da música alta que, com certeza, daria problemas com vizinhos, Roberto costuma dar suas badaladas festanças na fazenda da sua família. É na entrada dela que estamos agora, cercados de diferentes modelos de carros estacionados.

—Festa! — Grita Cher com empolgação, fazendo uma dança estranha com os braços para o alto.

João balança a cabeça em negação, olhando-a com claro desgosto.

—Ainda dá tempo de deixar ela presa no carro e evitar que nos mate de vergonha? — Ele me pergunta.

—Para de ser ridículo—, Cher lhe mostra a língua em uma grande demonstração de maturidade.

—Vamos entrar—, eu digo, interrompendo-os.

Sendo bem sincera, não quero que a minha noite tenha o seu início marcado por mais uma discussão besta entre os meus melhores amigos.

Quando nós enfim entramos no casarão da fazenda depois de sermos marcados por carimbos na entrada, sou momentaneamente cegada pelas luzes azuis e vermelhas típicas de balada. É tão perturbador que acabo tropeçando em um garoto, que, por consequência, derruba bebida no chão e me lança um olhar repreendedor, o qual se desfaz em uma expressão terrivelmente tarada.

—E aí? — Não faço questão alguma de disfarçar o meu nojo quando ele me lança uma piscadela. Tenho certeza de que está tão bêbado que nem se lembrará disso amanhã.

—Idiota—, resmungo.

—Deixa isso para lá—, João lança um olhar feio para o rapaz e depois me guia para longe dele com Charlotte.

—Vou buscar uma bebida para mim—, assim que chegamos do outro lado da grande sala lotada, Cher grita por sobre a música. — Algum de vocês também quer?

Faço um movimento de negação, mas João assente em concordância, o que me deixa um tanto surpresa.

—Me traz uma cerveja, por favor—, ele fala.

—Quem te viu, quem te vê, João Augusto! — Charlotte exclama, erguendo um polegar para ele e sorrindo em aprovação.

Depois disso, ela segue na direção onde um bar improvisado foi montado e me deixa sozinha com João.

—Desde quando você deu para beber? — Pergunto, minha voz soando mais aguda que o normal por ter de gritar para ser ouvida. — Que eu saiba, até ontem você se achava foda tomando achocolatado, Guto.

Ele ri.

—Decidi que quero ter todas as experiências de um adolescente normal antes de ir para a faculdade em Natal no ano que vem, e isso inclui beber de vez em quando e dirigir sem habilitação com o carro "emprestado" da minha mãe. —, ele faz aspas com os dedos para dar ênfase em emprestado.

—Válido—, digo, — mas saiba desde já que não serei eu a te carregar, se ficar bêbado—, aponto-o com o dedo indicador em tom de aviso.

—Eu não esperava isso de você mesmo... —, João retruca, dando de ombros.

Eu reviro os olhos.

É nesse momento então que o DJ da festa começa a tocar I Need Your Love do Calvin Harris, e como é praticamente impossível ficar parada ao som dessa música, logo eu vou para a pista e começo a dançar da forma mais estranha possível. Nunca fui exatamente boa nisso.

Enquanto me remexo, noto Cher seguir para onde João está e depois eles tomam caminhos diferentes, o que significa que agora eu estou literalmente sozinha em meio aos loucos. Porém, não me importo com isso de imediato. A solidão não me perturba quando há música.

Estou tão envolvida na dança, que mal noto que há alguém dançando comigo, até sentir uma mão boba na minha bunda. Fico tão assustada com isso que, por puro reflexo, viro-me de imediato e acerto uma tapa no indivíduo. Acabo o reconhecendo como sendo Marcos Assunção, um ex-colega de turma meu.

—Caramba, Alex, já te disse o quanto adoro uma gatinha brava? — Como o maníaco que é, ele parece achar a minha reação bastante divertida.

Eu, por outro lado, sinto-me encurralada. Estou completamente assustada e brava ao mesmo tempo, mas, para as pessoas ao redor, é como se nada estivesse acontecendo. Elas continuam dançando e isso me faz trincar o maxilar, temendo o que ainda pode vir.

—Por que você não procura outra pessoa para encher o saco, Marcos? Já acabou completamente com a minha noite, se quer saber.

Parecendo gostar disso, ele ri. É nojento.

—É que, dessa festa, você é a mais gatinha, Alexandra. Prefiro ficar bem aqui. —, ele se aproxima e, por reflexo, eu me afasto.

A partir daí o que acontece depois é quase um borrão na minha mente. Marcos me encurrala entre as pessoas e tenta me beijar, mas antes que isso de fato aconteça, alguém lhe puxa pela camisa e lhe acerta um soco, afastando-o de mim.

—Puta que pariu!

De repente, a música ao redor cessa e as pessoaspor perto ofegam em surpresa. Por um instante, penso que o agressor se trata deAnderson e quase enfarto aqui mesmo, temendo a bronca que levarei depois.Porém, quando ele me olha, não se trata do meu irmão. Reconheço-o como o garotoda varanda, de mais cedo. O tal Pedro.

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