Algumas horas atrás.
Assim que entrei no refeitório para tomar o café da manhã, meus olhares se prenderam com a mulher que eu não deveria ter passado a noite junto - apesar das lentes escuras, sei que está me olhando - tarde demais agora. Para que ficar se martirizando?
Aconteceu, precisamos seguir em frente e ignorar a presença de uma certa brasileira.
Esse hotel é perfeito, ao saber que iriam hospedar vários pilotos de fórmula 1, de diferentes nacionalidades, e suas equipes. Avisto algumas das comidas típicas que seria encontrado em um café da manhã irlandês.
Selecionei uns tomates fritos, torradas, batatas, ovos fritos, linguiças e bacon. Meu assistente olha para mim com uma expressão de julgamento.
— O que foi? — Indago. — Seu prato não tá muito diferente do meu.
— Eu não tenho uma dieta séria e restritiva, não é mesmo Liam. — Ele fala e eu dou uma risadinha. — Tudo isso é saudade de Dublin?
— Qual é, eu não posso ser tão irlandês assim. — Olho novamente para o meu prato. Em mais lugares deve ter um desjejum parecido com o nosso.
— Você, amigo, é o estereótipo da Irlanda. Tirando esse cabelo ruivinho e mais todas as suas coisas que fazem ser você, pode ser que sobre uma descendência em algum outro lugar no mundo. — Ele dá uma olhada para meu prato. — Basicamente, só falta o feijão.
— Pois é, procurei mais não tinha, acho que a maioria come em outra refeição.
— Pode ser. — Responde Regan.
— Você também estava procurando, né sacana?
— Como um bom irlandês.
Sentamos em um lugar e percebo que acabei de ficar de frente com o meu segredo, Lisa Ferraz.
Ela come algumas frutas tropicais e está com óculos escuros no rosto, dou um sorrisinho quando me lembro do que disse assim que saí do quarto dela.
Pelo menos essas lentes me impedirão de encará-la de uma vez.
Suspiro olhando para o teto.
— Parece que alguém comemorou a vitória de ontem. — Regan, meu assistente e melhor amigo, fala.
— Como? — Com o susto derrubo meu talheres na mesa, no canto do meu olhar percebo que a cabeça de Lisa vira para a minha direção, ela abaixa levemente o olhar. Talvez olhando para meu prato e franziu o cenho.
Ela não gostou da minha escolha de café da manhã?
— Esses chupões aí no seu pescoço, tá parecendo um adolescente com esse seus olhos arregalados que foi descoberto fazendo algo errado.
Ri, disfarçando meu nervosismo.
— Se soubesse o que fizemos, com certeza não estaria tão surpreso por alguns chupões. — Quem me dera se eu lembrasse.
Regan ri também e nós perdemos nas histórias de quando éramos adolescentes e frequentamos as mesmas escolas.
Como eu, ele também é irlandês. E embora eu esteja favorecendo os estereótipos irlandeses, meu melhor amigo não é ruivo.
Ele tem os cabelos de tons escuros e olhos de cor azul glacial. Apesar das íris em um tom mais claro, Regan lembra muito o ator Tom Welling quando ainda fazia Smallville, uma série que conta a vida do super homem na adolescência.
Série ótima, assim como outras cinquenta e poucas que também tenho para indicar.
Terminamos de papear e percebo que os irmãos Ferraz abandonaram o salão a um bom tempo.
— Pronto para voltarmos para Dublin? — Indaga Regan.
— Sempre.
Saio da SUV, após muita insistência do motorista, carregando minha própria bagagem. Com o concierge do prédio não tive muita sorte.
— Boa noite, senhorita Ferraz, deixe-me ajudar com isso. — Ele aponta para as minhas malas.
— Fique tranquilo, consigo levar.
— Senhorita, eu insisto, sou contratado para isso e meu chefe está de olho. — Fala me oferecendo uma piscadinha.
Ele tem um ponto.
— Certo, muito obrigada.
Entramos no lobby e a riqueza desse lugar me atinge bem na minha cara, é impossível não pensar que cada acessório desse lugar custa mais que meu rim. E olha que provavelmente meu rim seria comprado em reais e não em libras esterlinas.
Eu ajeito a coluna automaticamente ao passar por aqui!
Todos os funcionários que estão na recepção me cumprimentam e eu aceno para eles.
Ao chegar ao elevador entro e seguro a porta para o rapaz que está levando minha bagagem.
— Ah! Não, senhorita, vou pelo elevador de serviço. — Quando provavelmente faço uma careta que irei insistir, ele mostra as malas novamente. Certo, é regra.
— Tudo bem, então, você poderia deixar no trigésimo terceiro andar? — As coberturas são duplex e a saída de emergência é no meu closet, é mais interessante do que subir alguns degraus com duas malas grandes.
— Claro!
E assim ele se vai.
Coloco minha biometria no elevador e é selecionado automaticamente o último andar.
O tempo do deslocamento é consideravelmente rápido e quando as portas se abrem dou um suspiro.
Nunca vou me acostumar a morar em um lugar desses, pelo valor do imóvel e por ser uma cobertura o tamanho é relativamente pequeno com 219 metros quadrados.
Mas o diamante desse apartamento é a sala de estar. Ela tem uma vista incrível e é possível ver a London Eye por aqui.
E como alguém como eu pode morar em um lugar como esse?
Bom, a Lanzot tem alguns apartamentos por Londres e esse é um deles. Entretanto, ele ficaria disponível para o piloto principal da equipe, ou seja, Theo.
Meu irmão sempre preferiu casas, sendo assim, fez um acordo com a empresa e pediu para que eu morasse aqui ao invés dele.
E como o apartamento estava vazio e não estava rendendo nada, eles aceitaram. Parece que eu vivo um sonho.
Ao abrir a porta, entrando em minha casa, vendo a vista exuberante.
Subo as escadas para ir em direção ao meu quarto. Ele, em si, não é tão grande, mas não eu não perderia o banheiro nem de graça.
E por banheiro eu quero dizer a incrível banheira de frente para um painel de vidro que me permite ficar pelada para o mundo sem que ninguém me veja.
A frase ficou meio estranha, mas seguimos em frente.
Vou direto para o closet e abro a saída de emergência, a chave sempre fica presa na porta, então faço bem rápido.
Pego minha malas e decido que preciso arrumar antes que eu durma. Agilizo separando o que é para lavar e o que posso guardar.
Uma hora depois, depois que tudo está no devido lugar - pausa para xingar meu irmão e dizer que consigo ser organizada - ouço a campainha soar.
Rapidamente dou uma passada no banheiro e me olho no espelho.
Minha aparência não está das melhores mas decido que está boa o suficiente.
Assim que abro a porta encontro um belo par de olhos.
— Olá, vizinha. — O belo moreno me encara.
— Olá, vizinho. — Espelho o mesmo sorriso que ele está me presenteando.
— Como a temporada de fórmula 1 acabou, presumi que você estava voltando hoje.
— Estava contando os dias, Hunter? — Falo me aproximando mais dele.
— E se eu estivesse? — Ele se inclina em minha direção.
— Estivesse, não, estava que eu sei.
— Talvez você esteja certa...
— Como sempre. — Falo e ele revira os olhos.
— Eu estava com saudade — Ele diz me dando um selinho, mas logo se afasta. — e isso é um problema.
Meu corpo fica tenso. Sei que ele não confundiria o que temos como algo mais, desde o início dessa nossa relação. Somos o que consideram amigos com benefícios.
É prático, simples e gostoso. Ele também, porque, Deus, que homem!
— Comprei uma empresa nos Estados Unidos, vou ter que me mudar para lá.
— Sério isso? — Pergunto triste. Ele se tornou um amigo muito próximo, será triste perdê-lo.
— Sim, vou me mudar a quarenta e cinco dias, mais ou menos.
— Caramba, Hunter, não sei nem o que dizer. Vou ficar muito triste com sua partida. — Falo o abraçando. — Mas comprar essa empresa foi bom para você?
— Foi sim, o ramo é muito forte lá e Nova York é essencial para mim, agora. — Ao escutar meu estômago roncar ele dá uma risada. — Venha, vamos te alimentar, aproveito e te conto tudo sobre a nova fase da empresa.
— Você é sempre tão perfeito, Hunter, mas não quero incomodar.
— Eu insisto, vamos comer, também estou morrendo de fome. — Seu sorriso arteiro me dá indícios que não é sobre a janta que ele está falando enquanto me arrasta gentilmente para o apartamento dele.
É tão sutil que nem percebo que já estamos dentro da sala de estar dele.
Pode ser bom passar essa noite com ele, meu corpo tem que aprender a ser paciente e não se entregar para ruivinhos arrogantes. Emito um som meio esquisito, está entre um suspiro e um gemido. De frustração, só para deixar claro.
Merda, não devia estar pensando nele. Vou aproveitar a companhia de Hunter e o mês que ainda temos juntos.
É isso esse é meu plano para tirar um certo irlandês da minha cabeça.