INTENSA CONEXÃO - PARTE UM

By Autora_Jenniffer

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By Autora_Jenniffer

Mirom Rotam

Sentado à mesa, analiso os arquivos do meu alvo dos anos em que esteve na mira da polícia e da SSU. Eles são espertos, sabem como contornar a lei e se safam com facilidade, principalmente tendo parceiros no alto escalão.

Uma quadrilha que atua há anos no mercado de tráfico humano, talvez tráfico de órgãos também, sem nunca terem sido apanhados e trancafiados no seu devido lugar. Cada um dos nossos alvos, tem passagem pela polícia e já ficaram por pelo menos dois dias na cadeia, variando de suspeitas de tráfico de drogas, brigas de trânsito e porte ilegal de arma de fogo, mas nenhum indiciamento de tráfico internacional de mulheres.

Sinto alguém se aproximar, levanto meu olhar e observo Alyna se sentar à mesa, perto de mim. Ela cruza as mãos, pigarreando, procurando palavras ou assunto para puxar. Volto a estudar os arquivos sem me importar.

— É... — Começa, nervosa.

Tiro uma foto do clipe e estendo em sua direção.

— Foste esta mulher que enganaste sua família? — pergunto.

Alyna apanha a foto da Zuri, seu semblante surpreso muda para raiva em instantes enquanto encara a cafetina. Ela engole em seco, suas mãos começam a tremer e ergue o rosto com espanto.

— Como... sabe que é minha família?

— A pergunta deveria ser o que não sei, Alyna. — Ela desvia seu olhar, mordendo o lábio inferior.

— Não revelei a ninguém que... Gana é minha irmã. — Sorrio de lado, prendendo meu olhar no arquivo e viro a página.

— Não é preciso, é visível o envolvimento pessoal nesse caso — comento.

Alyna fica em silêncio por um tempo, tamborilando as unhas sobre a mesa.

— Você é estranho — diz, baixinho. — Sim, foi ela que enganou Yelena e nosso pai, a mesma que a buscou em frente de casa com a promessa de que cuidaria bem dela. — Meneio a cabeça sem falar nada.

— Se quiseres — umedeço os lábios e lhe dou uma opção —, posso deixá-la a sós com a Zuri por alguns minutos.

— Sério? — indaga em um tom melodioso.

Estalo a língua, observando os monitores.

— Só me dar a resposta.

— Você faria isso?

— Por que não? — Volto minha atenção para Alyna, seu rosto fica pálido com essa possibilidade de estar em frente à mulher que destruiu sua família.

— As regras... — murmura. Solto uma risada baixa, fechando os arquivos.

— Os mais temidos, são aqueles que quebram regras, Alyna. — Ela comprime os lábios, pensativa.

— Certo — diz, inspirando fundo. — Quero ficar a sós com ela.

— Feito!

— Obrigada por... isso. — Balanço a cabeça, dispensando seu agradecimento.

— Não estou fazendo isso por bondade, é patético achar isso. — Alyna franze o cenho.

— Por que então? — Sorrio sem responder, deixando com que tire suas próprias conclusões.

Apanho outra pasta de arquivos, só que dessa vez a de Luba, a outra cafetina que é mais difícil de ser vista, por ficar mais dentro do cortiço e comete seus crimes na penumbra da madrugada.

A única passagem na polícia é por porte ilegal de arma, teve sua prisão ao ser parada por uma blitz a dois anos atrás, todo o resto é um mistério que começo a sentir interesse em desvendar.

— Tu não se pareces com sua irmã — comento, sem olhá-la.

— Fiz... alguns procedimentos estéticos para não me parecer com ela — revela em um sussurro.

— Se tornaste advogada e diretora da ONG por causa da Gana? — indago, deixando os arquivos de lado.

Recosto na cadeira e a observo. Alyna engole em seco, visivelmente nervosa, escolhendo as palavras que irá usar. Ela me olha, soltando um suspiro exasperado e relaxa o corpo.

— Muitas coisas aconteceram desde que Yelena foi sequestrada — diz, afastando os longos cabelos avermelhados do ombro. — Foram dias de puro terror. Quando percebi que não teria minha irmã de volta, que os órgãos públicos não estavam interessados no caso dela, decidi estudar direito, me especializar em direitos humanos e entrar em uma ONG específica. Durante anos tentei criar laços com pessoas importantes e com privilégios, muitas me ajudaram sem nem perceberem o interesse oculto através de uma amizade — finaliza, encarando as mãos trêmulas.

— Como sabia que sua irmã não estaria morta? — Alyna umedece os lábios e dá de ombros.

— A fé — responde.

— Tu trilhaste esse caminho somente para ajudá-la? — questiono, intrigado com sua determinação.

— A princípio sim. — Ela olha para Hamlet conversando com alguns membros das forças especiais. — Porém, descobri que o buraco era mais fundo e através da Yelena, decidi lutar por todas. — Alyna me encarar. — Nenhuma mulher merece ser desrespeitada dessa maneira, Mirom.

Apesar de não compreender muito esses sentimentos toscos, assinto, desviando meu olhar de volta para os monitores com câmeras de segurança espalhadas pela cidade.

— Ninguém pode saber do nosso envolvimento — Alyna diz, receosa.

— Conflitos de interesse — completo.

— Sim — replica, inspirando fundo. — Mirom?

— Quer informações sobre ela, certo? — pergunto. Ela assente.

— Como ela está?

— Acabada — respondo sem tilintar.

— Em que sentido?

— Em todos — apenas anuí em resposta, entediado.

Levanto-me de uma vez, encerrando o assunto. Deslizo as mãos para dentro do bolso da calça e me aproximo dos monitores, assistindo o fluxo da cidade que não para.

Recosto na mesa, escutando conversas ao fundo, sem o interesse de me envolver. Fico tão absorto no silêncio doentio da minha mente, que sinto a fisgada do corte em meu braço causado por uma lâmina afiada em mais uma tentativa sombria de ser levado. Isso realmente não ajudará, não irá resolver meus problemas ou mudar minha mente.

Mesmo que esteja perdido em algum lugar com as mãos sujas, e sangue nas mangas, continuo caminhando em busca de uma saída para conseguir um pouco de ar para poder respirar.

Meu olhar se prende no monitor com a câmera que monitora a floricultura e a cobertura de Ruslan. Ele foi a porra do motivo de eu ter aceitado esse caso, de estar aqui, prometi que o protegeria e falhei na primeira oportunidade e aqui estou, tentando não cometer outra vez o mesmo erro.

Seus cabelos ao vento são como lençóis balançando suavemente pelo céu, são esplêndidos. Ela ri para sua amiga, sua face parece brilhar pelo sol, iluminando todo o pátio do colégio, ofuscando qualquer um que esteja próximo a ela. Gostaria de conseguir sentir algo além de nada, só que de alguma forma sinto vontade de conversar com ela, dizer-lhe que és linda e que me fascina. É confuso!

— Tu gostas dela? — Artem pergunta ao se aproximar.

Não tiro meus olhos da garota de cabelos loiros, a mais linda de todo o colégio, também a mais cobiçada e popular, todos querem ficar perto dela.

— Não — respondo, vagamente.

— Qual é! — Artem empurra meu ombro com o seu. — Sei que tu gostas dela, é visível, só idiotas não perceberiam. — Desvio meu olhar de Ordak e analiso a expressão de deboche do meu primo.

— Tudo para ti é brincadeira? — indago, colocando as mãos no bolso.

— Depende desse tudo — retruca, dando um gole no seu refrigerante de latinha. — Se quiseres, posso lhe dar dicas de como chegar em garotas.

— Dispenso — digo, voltando a observá-la.

— Cuidado — ele murmura. — Há gaviões rondando-a.

— Ela é popular e rica — replico —, somos apenas meros bolsistas. — Artem estala a língua, me oferecendo seu refrigerante. Recuso.

— E por isso ficará apenas olhando a garota? — Não respondo. — O que tu te sentes só olhando-a?

— Nada — digo.

De fato, não consigo sentir muita coisa, os sentimentos confusos não são amor, mas... posse, como se ela me pertencesse e que ninguém tivesse o direito de se aproximar.

— Como assim nada? — Artem questiona, pasmo.

— É como uma borracha que acabei de comprar e alguém pegou.

— Ela não é um objeto, é uma pessoa, Jesus! — Ele repreende.

Olho para meu primo que me encara com a testa franzida, tentando me ler.

— Ela pode ser minha — digo. Artem sorri.

— Garotas podem ser bons objetos — replica, por fim, contorcendo os lábios com uma expressão estranha. — Depois podes jogá-las fora.

— Não compreendi!

— Como não? — Ele respira fundo. — Objetos a gente usa e joga fora quando não é mais útil, garotas podem ser assim também, a gente as usa, depois dispensa e escolhe outra para se divertir.

— Não me referi a isso.

— Sei... — murmura, dando um gole no refrigerante. — Sugiro que seja rápido, porque Ruslan está a esquadrinhando.

— Ela não dá moral para ele.

— Qualquer garota dá moral para Ruslan, Mirom. Não sejas cego! — rebate.

Mordo meu lábio, fitando o perfil de Artem.

— Olha lá — diz, apontando com o queixo. — Abra teu olho, Ruslan não é santo como todos acreditam que ele seja. Ele é perigoso e fura olho.

Sigo seu olhar, prendendo em Ruslan parado à frente de Ordak e de sua amiga sorridente, conversando com a cesta de rosas nas mãos que traz todos os dias. Ele é conhecido como cupido, o responsável por juntar casais jovens, mas a única coisa que desperta é o interesse de todas as garotas desse colégio.

Trinco os dentes por ele estar perto da Ordak e fecho o rosto com raiva.

— Ele sempre consegue o que quer — Artem murmura. — Vá lá se tu a quer. — Falando isso, ele se afasta e vai para perto de um grupo de garotos brigões que ele faz parte.

Volto minha atenção para Ruslan que mantém uma conversa divertida com as garotas. Fecho as mãos em punho, Artem está certo, não posso deixar que ele a tome de mim.

Afasto-me da parede em que estava encostado e vou me aproximando deles, escutando-os conversando mais nitidamente. Quando paro ao lado de Ruslan, todos ficam em silêncio, me olhando com estranheza.

Examino o belo rosto de Ordak, buscando um motivo por ter ficado fascinado por ela. Seus traços são delicados, pincelados. Seus olhos castanhos se prendem nos meus e nada acontece, não sinto nada a não ser posse.

— O que estão conversando? — indago, nada amigável.

Ordak franze a testa.

— Por que você está se intrometendo em nossa conversa? — ela responde, sua voz saindo afiada.

— Estava lhe dando um bilhete anônimo — Ruslan fala para mim.

Olho para ele, que me analisa um pouco assustado.

— Quem foi o babaca? — indago, seco.

— Anônimo, idiota! — a amiga responde. Olho para ela, seus cabelos presos em um coque, tem a aparência de um botão de rosa.

— O que quer? — Ordak indaga.

— Ele é meu primo — Ruslan conta. — Está sempre comigo — diz, tentando amenizar a situação.

— Uma lástima — ela fala desdenhosa e se levanta. — Um garoto legal como você ter laços com um estranho solitário.

— Mirom é legal! — Ruslan rebate, parecendo ofendido.

Ordak me fita com desprezo, um olhar o qual convivo diariamente. Tiro um chocolate do bolso e lhe ofereço.

— Comprei pensando em ti — digo. Ela solta uma risada, revira os olhos para a amiga e me encara.

— Desculpa, não aceito nada de garotos estranhos — diz.

— Apenas pegue!

— Ou o quê? — desafia. Trinco o maxilar. — Se toca garoto!

— Me tocar? — murmuro, não a compreendendo. Ela ri.

— Você é pobre, não tem onde cair morto e... já lhe falei que é estranho? — Ordak dá um tapa em minha mão, fazendo-me derrubar o chocolate. — Se você desaparecer, ninguém irá sentir falta, e sim alívio por um garoto bizarro ter sumido para sempre.

— Ei, tu pegaste pesado. — Ruslan repreende-a.

— Sugiro que se afaste dele, Ruslan. — Ela me olha mais uma vez, o desprezo em seu olhar é visível. — Ele te fará mal! — Ordak passa por mim, esbarrando em meu ombro com força.

Fico ali, petrificado sem saber como reagir. Suas palavras me afetaram dolorosamente, não entendo por que as pessoas me tratam dessa forma. Abaixo a cabeça e analiso meu moletom escuro e largo, notando que estou com capuz que oculta parte do meu rosto.

Esses tecidos servem apenas para esconder meus hematomas, os cortes em meus braços, o sofrimento causado em um garoto que só quer ser amado... ninguém compreende que por baixo desses panos largos, há um garoto que pede por socorro.

Olho para Ruslan, ele está trincando os dentes enquanto assiste as meninas se afastarem, chocado com o que aconteceu. Ele solta a cesta bruscamente e se agacha, apanhando o chocolate entre murmúrios.

— Não ligue para o que ela disse — fala, se levantando e me estendendo o chocolate.

— Tu queres roubá-la de mim? — indago. Ruslan me olha com espanto, choque percorre seu rosto.

— Não! — Ele balança a cabeça. — Tu gostas dela? — Umedeço meus lábios, pegando o doce de sua mão e o colocando de volta dentro do bolso.

— Não... não sei! — respondo, dando de ombros,

— É a primeira vez que conversa com ela? — Nego com a cabeça.

— Já tentei algumas vezes — revelo. — Em todas fui tratado dessa forma.

— Mas que... cacete! — diz com raiva, apanhando sua cesta e começando a andar de volta para sala de aula.

— És ridículo!

— O quê?

— Sua raiva — respondo.

— Como não ficar com raiva? O que ela tem de bela por fora, tem de feio por dentro — consta, exasperado.

Ficamos em silêncio por um momento, meus pensamentos presos nas palavras de Ordak, que não são diferentes das do meu pai. Olho para Ruslan que parece continuar com raiva e distante.

— Ficaste com ciúmes? — ele pergunta ao perceber que estou observando-o. Entorto meus lábios, buscando uma resposta que faça sentido.

— Não — replico, por fim.

Ruslan apenas balança a cabeça, pensativo.

— Tu és um cara legal, és meu primo — comenta. — Ela é esnobe por tratá-lo daquele jeito, irás se arrepender. A vida sempre cobra seu preço.

— O que tu estás sentindo? — pergunto, não conseguindo compreendê-lo.

— Decepção, pois ninguém deveria tratar as pessoas dessa forma desprezível.

— Pessoas boas não merecem viver — digo, atraindo seu olhar. — Tu não deverias viver! — Ruslan arregala os olhos.

— Não? — balanço a cabeça.

— Tu és bom, o mundo lhe fará sofrer. — Ele fica em silêncio por um tempo, absorvendo minhas palavras.

Ele para rente ao degrau do segundo andar e olha para o pátio pelo patamar.

— Ninguém é bom ou ruim, o que acontece é que se estragam ao que parece ser mais atraente — diz, pensativo. — Dentro de cada um de nós, Mirom, existe um lado ruim, aquele que faz com que a gente julgue o outro, que inveje e que deseje fazer maldade na primeira oportunidade, um lado vingativo. Mas você pode ser bom contigo, dar o seu melhor a si mesmo.

— Tu e sua filosofia irritante — murmuro, mal-humorado.

Inclino-me sobre a mureta, deixando meu olhar vagar pelo pátio lotado de alunos, fitando rostos sorridentes sem entender a felicidade de cada um.

Será que um dia serei capaz de sentir o que eles sentem? Será que um dia sorrirei como eles sorriem? Eu sou um antissocial que não consegue lidar com a tempestade obscura dentro de si. Eu odeio minha vida, odeio minha voz e me sinto mal por isso

É obvio que sinto dor, mas não me importo, eu me acostumei com esse sentimento, com as surras, os socos, a fome, os xingamentos... Tento, toda noite escutar alguma voz em minha mente vazia, a qual me instiga a fazer coisas ruins. Quero pedir para que me ajude a entender essa confusão emaranhada, que me salve de mim mesmo.

Faço uma careta quando uma fisgada de dor sobe por minha costela, a mesma em que meu pai desferiu três chutes ontem à noite por eu ousar pedir comida.

— Eles se formaram — Ruslan diz, se referindo a um grupo de alunos localizados debaixo de uma grande árvore. — Próximo passo é ir para faculdade, assumir a vida adulta.

— Não deve ser ruim ter o controle de sua vida — comento.

— O pior da vida adulta é descobrir que as suas inseguranças da adolescência são reais. — Ele se inclina e olha para baixo. — Não poderemos mais fugir dos problemas chatos, deixando que nossa mãe os resolva para nós. Lá fora tudo há consequências.

— Tu tens medo? — pergunto, ainda observando o grupo que gargalham com os resultados em mãos. — Tens medo de ir para o mundo?

— Sim — responde. — Tenho muito medo.

— Por quê? — olho para Ruslan. Ele dá de ombros.

— As pessoas são piores lá — diz, apertando os lábios, perdido em pensamentos. — Elas nos machucam... são ruins. — Ele me olha, triste. — Tu tens medo? — pergunta. Inspiro fundo.

— Tenho medo de continuar sozinho — respondo, baixinho. — Tenho medo de ninguém me amar de verdade quando sair.

— Bobagem — ele retruca, passando os braços por meus ombros. — Se ninguém o amar, eu te amarei mesmo que venha a se distanciar.

— Tu irás me ouvir quando eu falar?

— Sempre!

— E tu sentirás a dor comigo?

Viro a cabeça, encarando seus olhos verdes fitando o além, pensativos. Ruslan sorri, assentindo.

— Sim — confirma, encontrando com meu olhar. — Nossa amizade não se romperá, é um laço tão forte que nem a morte pode quebrá-la.

Fico encarando seu rosto de menino, buscando por palavras mentirosas, mas Ruslan não mente... mesmo que as pessoas venham a mentir, ele sempre me olha diferente do que o resto do mundo, como se fosse capaz de enxergar dentro de mim. Ele é uma parte minha que foi destruída.

Desvio do seu olhar, assistindo o grupo se dissipar.

— O que tu farás quando sair do ensino médio? — pergunto. Ruslan retira os braços dos meus ombros e volta a se inclinar na mureta.

— Acho que vou estudar paisagismo ou agronomia.

— Não me surpreende — resmungo. Ele ri.

— E tu?

Umedeço meus lábios, ponderando se conto ou não. Não tive coragem de revelar meus planos para ninguém, muito menos para minha mãe, que no fim de semana passado, o qual passei o dia com ela e seu namorado investigador, tentou descobrir coisas sobre mim mais do que sou capaz de lhes contar. Mas Ruslan é diferente, tenho que lembrar-me disso.

— Me alistarei no exército ucraniano — revelo.

— Como dizes? — indaga, surpreso. Sinto seu olhar preso em mim. — Por que o exército?

— Porque poderei matar pessoas ruins. — Sorrio, diante desse pensamento. Ruslan arfa. — Serei aquele que limpará a sujeira das ruas, que fará justiça através da lei e... salvarei indivíduos indefesos.

— Que pensamento de herói — Ruslan brinca.

— Não serei um herói — faço uma pausa. — Serei um vilão.

— Todo vilão é o herói de sua própria história — ele retruca.

Ficamos em silêncio por um instante, até eu não conseguir mais ficar calado.

— Alistar-me no exército é mais do que estou decidido a cometer, é se importar com um país que não se importa com seus moradores, é lutar pelas pessoas quando mais ninguém luta por elas. — Inspiro fundo. — Quero escrever minha história perfeita, provar ao mundo que eu sou digno de ser visto e elogiado...

— E depois?

— Talvez me tornar um investigador da SSU.

— Por causa do seu padrasto? — pergunta cheio de curiosidade.

Em parte, sim, penso.

Alexey é jovem e foi o responsável por ter ajudado minha mamãe a sair de um relacionamento extremamente abusivo, onde, assim como eu, apanhava sem um motivo específico, vivendo aprisionada e definhando aos poucos, sua vitalidade era sugada por um amor mentiroso.

Ela se casou com dezoito anos e um ano depois me teve, vivendo anos em um inferno até conhecer meu padrasto, Alexey. Um homem legal que a tirou das garras do meu pai, porém, me abandonaram, não porque quiseram, mas porque meu pai soube enganar a justiça por ter uma grande influência e conhecidos, tirando minha guarda dela, que ainda luta para me ter de volta.

É confuso toda essa luta que traçam e não me contam.

— Quero acabar com pessoas inescrupulosas que nasceram para destruir vidas de pessoas inocentes — digo.

Como meu pai! — falo, mentalmente.

— Um soldado de valor? — Ele cantarola, orgulhoso.

— Um soldado que busca se encaixar em algum lugar para chamar de seu — replico, respirando fundo.

— Tu já tens um lugar que és seu.

— Não tenho — rebato, recordando de tudo que passo dia após dia, da solidão que me afoga e sufoca.

— Tem! — afirma, convicto.

Viro-me para ele, seus olhos verdes brilham cheio de vida, tão diferentes dos meus que são cobertos pela escuridão.

— Onde? — pergunto, franzindo o cenho.

— Aqui — Ruslan aponta para seu peito. — Seu lugar está aqui em meu coração. Seu lar! — Faço uma careta, fazendo-o rir.

— Não seja mariquinha! — provoco.

— Estou falando sério — diz.

— Sim... eu sei...

Pisco, despertando da lembrança que me arrebatou, meus olhos ainda presos nos monitores, voltando aos poucos à vida real. Detesto essas memórias, talvez jamais tenha merecido pessoas que demonstrem amor por mim, porque as duas que fizeram, eu as perdi e feri, machuquei aquele que esteve sempre ao meu lado. Ruslan foi o único a me olhar e dizer que tinha orgulho de mim, quando outros não me compreendiam e apenas apontavam quando errava.

Desencosto da mesa, desviando meu olhar. Estou sendo ridículo... patético, porque nasci para desmoronar sozinho, não preciso de memórias, já vesti as cicatrizes e não há nenhum ontem e amanhã que me importe.

Olho para trás ao escutar a movimentação. Horbenko aparece em meu campo de visão, vestindo um terno vinho e gravata azul escuro. Ele fala algo para Hamlet e caminha até a mesa no centro com uma mão no bolso e a outra rodando um terço, exalando confiança.

Horbenko tem um espírito inquieto e selvagem, não tem medo dos desafios que aparecem em seu caminho, sempre disposto a dar o seu melhor até o fim, sem medo ou desistência. Ele arrasta uma cadeira e se senta relaxado, me olhando com um sorriso irônico.

— Gosto de te ver — ele diz, sarcástico.

— Gostaria de poder dizer o mesmo.

— O que temos acredito que não irá gostar — diz, meneando a cabeça. — Vai ficar irritadinho — Honberko estala a língua —, ou não!

Desprendo meu olhar dele quando vejo Dollov e Alexey entrar com expressões nada amigáveis.

— Temos um problema — Alexey diz, se sentando.

— Mas nada que não possa ser resolvido — Honberko completa.

Dollov ergue uma pasta que segura quando o encaro. Ele a joga sobre a mesa, ajeita seu sobretudo e se senta, percorrendo a mão por sua barba cheia e escura, visivelmente irritado.

— Espero que não seja problemas com jornalistas — comento, abrindo a pasta.

Horbenko solta uma risada.

— Em parte é sim — Dollov responde. — Esse é o laudo dos peritos do laboratório forense, confirmaram nesta manhã a causa da morte de Denys Havryil.

— Suicídio? — Olho para eles, que negam com um aceno de cabeça.

— Seria fácil se fosse — diz, Honberko. — O exame toxicológico deu positivo para cianeto.

Ergo as sobrancelhas, espalhando os documentos pela mesa. Cianeto foi utilizado por muitos espiões capturados durante a Guerra Mundial para evitarem os interrogatórios. Uma pequena dose de 1 mg seria o suficiente para uma morte rápida e fulminante. Ainda é muito utilizado por criminosos que escondem microcápsulas no dente e quando são capturados, eles os mastigam para não revelarem seus segredos.

— De acordo com o perito Yosyp e Marko — Alexey prossegue, colocando as mãos cruzadas sobre a mesa —, o laudo foi concluído e o resultado seria mantido em sigilo para não atrapalhar as investigações.

— Seria? — questiono, franzido a testa.

— Parte do resultado foi vazado — Honberko revela. Sinto meu sangue começar a pulsar de raiva. — Creio que isso tenha acontecido por causa do pai político cheio de influências. Está estampado por todos os tabloides a causa da morte de Denys e esperam por respostas mais concretas, como por exemplo, a divulgação do assassino. — Inspiro fundo, acalmando os nervos.

Dollov esfrega as mãos e continua jogando mais informações.

— Os peritos analisaram o copo, os frascos, os comprimidos e a amostra biológica de Denys. No copo e no líquido foi encontrado a substância de cianeto, que em contato com o organismo humano é capaz de provocar morte fulminante.

— Foi queima de arquivo! — Alyna se intromete ao se aproximar. — Ele sabia alguma coisa que poderia colocar em risco essa quadrilha.

Alyna cruza os braços, me olhando com ansiedade. Ela está certa, afinal, morto não fala.

— Tanto ele quanto a garota que assassinou, tinham informações — digo, rangendo os dentes.

— Precisamos descobrir onde ocorreu o homicídio antes de Denys descartar o corpo — Alexey fala, batucando os dedos.

— E se ele a tiver matado dentro do carro? — Alyna sugere, nos encarando. — Os cafetões costumam deixar algumas garotas nas ruas, os clientes as pegam de carro e só Deus sabe o que eles fazem com elas e o lugar que as levam.

Meneio a cabeça, recordando-me de quando visitei o bordel, um lugar que espero nunca mais pisar, a não ser para limpar toda aquela imundice.

— Resultado forense do veículo saiu? — pergunto a Horbenko.

— Ainda não — responde, contrariado.

— A sorte sorriu para nós, no final das contas — Dollov fala, se ajeitando na mesa e atraindo nossa atenção. — Além deles descobrirem essa substância no organismo da vítima, os peritos encontraram um fio de cabelo que tem compatibilidade com o DNA da Zuri.

Balanço a cabeça, muito satisfeito com esse resultado. Folheio os documentos, encontrando o laudo do DNA e os dados da mulher. Ergo meu olhar, percorrendo cada rosto presente.

— Os laudos periciais vão ser de grande importância para o indiciamento dela, como principal suspeita do crime — digo. — Vamos solicitar a prisão preventiva, mas sem ligá-la ao tráfico humano e exploração sexual, assim manteremos o sigilo da real investigação.

— Como faremos? — Hamlet pergunta no canto da sala.

— Vamos entregar o caso para Semen — revelo, esfregando a testa. — Assim a SSU se manterá na surdina enquanto assistimos ele fazer o trabalho, porque nosso objetivo é tirar uma cafetina do caminho e não nos envolver em um caso comum de assassinato.

— E consequentemente o governador terá sua resposta. — Alyna acrescenta, se sentando ao lado de Dollov.

— Não podemos nos envolver, viraríamos um alvo direto, quanto mais sigilosos formos, melhor para nossa investigação. — Dollov fala.

— No caso do Denys — Honberko se levanta —, não faria sentindo a SSU estar envolvida, geraria perguntas das quais não poderíamos responder — finaliza, parando ao lado de Hamlet.

— Vamos nos manter perto — falo, juntando os documentos —, acompanhar a operação e o depoimento, fazer com que Semen não mergulhe mais a fundo atrás das merdas de Zuri. Se ele fizer a ligação dela com o tráfico de mulheres, seus dias estarão contados. — Fecho a pasta.

— Precisamos montar uma emboscada — Horbenko sugere —, um encontro com um suposto comprador, por exemplo. — Assinto, gostando de sua ideia. — Infiltramos um dos nossos para ser o comprador sem que Semen saiba e gravamos a conversa. Seria uma prova a mais.

Fito o rosto de Hamlet, que presta atenção em toda conversa.

— Precisaremos do informante — digo, a voz saindo áspera. Hamlet pisca, olha para os lados e percebe que estou falando diretamente com ele.

— Não é possível entrar em contato com ele — informa, engolindo em seco.

— Como não? — indago com raiva.

Hamlet aperta os lábios, desviando do meu olhar irritado.

— É o informante que entra em contato conosco — fala. Todos ficamos em silêncio.

— Fale mais sobre ele — peço.

— Não sabemos muita coisa — Alyna diz. —, pelo que sei, sua equipe foi abatida pelos traficantes e ele foi o único que sobreviveu, decidindo se manter lá dentro para acompanhar tudo de perto até que uma nova equipe se formasse. Anos se passaram desde então.

— Quero a ficha de todos que participaram das investigações —

informo. — Preciso saber quem estava à frente, os motivos que os levaram a desistirem, e como foram assassinados.

— Irei atrás disso para ti — Alexey confirma. Meneio a cabeça e continuo.

— Será difícil descobrir a identidade desse informante, desde que tudo foste excluído, mas sempre há uma brecha. Se tiver passado anos, levou tempo suficiente para gerar confiança e subir de posição.

— Você tem alguém em mente? — Dollov pergunta.

Inclino a cabeça um pouco para o lado, repassando tudo que escutei sobre o esquema deles e dos membros, fazendo uma associação significativa.

— Ainda não, mas terei em questão de dias — respondo. — Se ele estiver disposto a nos ajudar, se realmente for confiável, ele precisará manter contato, não estou disposto a lidar com pessoas incomunicáveis. — Me afasto da mesa. — Hamlet e Alyna, tens até amanhã de amanhã.

— Claro — ela murmura, mordendo sua unha.

— Ótimo — apanho a pasta e estendo para Alexey. — O que tu descobriste sobre as mulheres na boate Michnyy Klube? — Ele pega a pasta e recosta.

— Nada — responde. — Até o momento está limpo.

Trinco os dentes, querendo de alguma forma encontrar uma sujeira das grandes para ter Nikita na cadeia, ele sempre está a um passo à frente da lei.

— Irei atrás do nosso comprador antes do caso voltar para as mãos de Semen — falo. Ele meneia a cabeça já sabendo quem será.

— Ficaremos na espreita, lhe aguardando — Dollov fala, confiante.

— Só precisamos dessa mulher na cadeia — digo, indo embora.

No momento em que Zuri for presa, a verdadeira guerra se iniciará e as ruas se tornarão um campo de guerra, muitos não mais respirarão. Desceremos em um abismo fundo para buscar vidas roubadas e a única forma de sobrevivermos a tudo, é esquecendo das malditas regras.

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