Capítulo 23

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"A cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança" (José Saramago)

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Murilo está praticamente esmurrando a porta quando eu consigo abrir os olhos, minhas pálpebras estão pesadas a ponto de enxergar tudo meio turvo, então me sento devagar antes que minha pressão simplesmente vá para os ares e demore a voltar.

- LYRA – Mais uma batida forte, os vizinhos vão me matar ou chamar a polícia, e nenhum dos dois casos é uma boa ideia – LYRA

- Cale a boca Murilo senão eu acabo com sua raça

- Então abre a porcaria da porta

Me levanto titubeante e abro a porta e Murilo invade meu apartamento, seus olhos estão tão arregalados que pode ser que ele tenha que fazer cirurgia para colocar no lugar, esse tipo de cirurgia existe?

- O que você acha que está fazendo não atendendo a porcaria do celular?

- Eu estava dormindo sabichão

- E não escutou o celular gritando no seu ouvido?

- Ele não é tão barulhento como você é as vezes – Vou até a geladeira e pego uma garrafa de agua, não me digno a perguntar de Murilo quer, não estou com paciência para ser educada.

- O papai está preocupado com você

- Eu falei com ele só tem algumas horas

- Sim e o deixou lá pensando que estava com ódio dele

Franzindo a testa me sento no banquinho do balcão americano e não o respondo.

- Ele te contou?

- Sim – Ele vem até a minha frente e se senta – Por que não liga pra ele Lyra?

- Porque no momento estou absorvendo – Falo e depois rio baixinho – Absorvendo, parece que é só o que eu faço nesses últimos meses, absorvo como uma esponja, absorvo e fico calada.

- Então não fique, diga o que está sentindo.

- Estou com raiva, tá legal? Raiva de tudo, raiva da mãe que me largou em um orfanato, raiva de Alex que somente agora resolveu abrir a boca pra falar algo que preste e de Enzo por não ter me procurado.

Respiro e percebo pela expressão de Murilo e por minha garganta arranhando que estava praticamente gritando então abaixo o tom de voz.

- Mesmo eu sabendo que não tinha como ele fazer isso.

- É normal sentir raiva Lyra, principalmente você que passou por tanta coisa por conta do erro da sua mãe.

Assinto e continuo em silêncio vendo a água escorrer pela garrafa.

- Sempre quis ter uma irmã sabia? – Levanto os olhos pra ele e faço que não, surpresa pela mudança de assunto – É, eu vivia com a vovó e sabia que nunca iria ter uma irmã ou irmão, mais aí o acidente aconteceu e eu conheci você, toda marrenta, calada se balançando sempre no mesmo balanço, sempre olhando para o céu. E pela primeira vez pensei que eu adoraria ter você como irmã mesmo sabendo que era praticamente impossível alguém adotar nos dois juntos, mas tive esperanças, então ficava sempre grudado em você quando os adultos chegavam, era ridículo porque isso não significava nada, mas eu o fazia mesmo assim.

Suas mãos pegam as minhas com carinho e eu as aperto.

- Vou ser eternamente agradecido ao Enzo por ter nos deixado juntos e me permitido ter uma irmã.

- Mesmo comigo te enchendo o saco? – Ele ri e eu o acompanho

- Mesmo assim, não trocaria minha vida por nada nem ninguém, mas talvez eu pediria a alguém pra ter dar umas rasteiras só para ficarmos quites – Mostro-lhe a língua e ele me dá um peteleco no nariz, e então seu sorriso vai desaparecendo aos poucos – Mas você entende o que eu quero dizer não é? Não mudaria nada no passado Lyra, porque se algo mudasse eu não teria você e talvez não teria a mamãe e o papai e nem a Beca e muito menos os gêmeos, e eu odiaria passar por isso.

10 MinutosWhere stories live. Discover now