♾ 04 | Strangers like me

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Celina sonhou com coisas estranhas.

Primeiro, ela se viu deitada no centro de uma sala com paredes de vidro. Achava estar sozinha, até alguém chamar seu nome e a voz ecoar repetidas vezes pelo ambiente. O rosto do homem era embaçado, assim como o rosto de todas as outras pessoas que Celina tinha na mente. Ele falava com ela, mas a voz soava deformada, às vezes num volume tão baixo, que Celina só conseguia ver os lábios se movendo, sem sair som. De repente, o sonho tomou um ritmo mais intenso e a garota se viu fugindo do homem, gritando, até apanhar um instrumento afiado de uma mesa de metal. Ela não agia por vontade própria, era uma mera espectadora dentro do próprio corpo. Quando Celina passou a lâmina afiada no pulso, o homem gritou e tudo ao redor virou fumaça.

E o sonho mudou. Dessa vez, ela corria em um campo aberto, sabe-se lá na direção de quê, só sabia que não podia parar. O céu tinha cores rosadas e alaranjadas, também tinha dois sóis. Continuou correndo até as pernas amolecerem e quando ameaçou parar, um sibilo alto obrigou-a a olhar para trás.

Uma serpente de pele metálica e olhos amarelos.

Era absurdamente veloz, deslizando entre a relva com facilidade maior do que Celina podia correr. Ela queria acelerar o passo, ela tinha energia para ser mais rápida, mas as pernas não obedeciam aos seus comandos.

Quando o réptil deu o bote, Celina enxergou a si mesma nas pupilas verticais do animal, e antes que pudesse ser mordida, ela foi engolida pela escuridão das pupilas.

E o sonho mudou novamente. Havia escuridão e silêncio. O espaço ao redor não parecia ter um limite ou borda, era como se estivesse presa no infinito. Foi então que um objeto curioso se materializou em um ponto aleatório, não muito longe de Celina. Era um espelho, flutuando no ar como se não houvesse gravidade. Intrigada, a garota se aproximou do objeto.

Ela não reconheceu a pessoa refletida ali. Quem era? Celina espiou por cima dos ombros, procurando pela dona daquela imagem. Mas só havia ela. A garota refletida no espelho era ela.

A conclusão do fato a fez soltar um grito de pavor.

Celina acordou sentindo o coração bater na garganta. Quase caiu da rede onde dormia e precisou de alguns instantes para se lembrar de onde estava. A visão das bancadas de uma cozinha e o som de roncos distantes a trouxeram de volta a realidade. Estava em segurança, ou quase isso.

Celina encolheu o corpo em posição fetal e enterrou a cabeça entre os joelhos. O que estava acontecendo? Por que não lembrava de nada? Onde ela estava? O que significavam todos aqueles pesadelos? A voz do homem sem rosto, os olhos profundos da serpente, o reflexo no espelho... Cada um dos elementos provocou um arrepio forte em sua espinha. Aquilo precisava significar alguma coisa. A ausência de lembranças provocava uma angústia tão dolorida quanto a mordida em sua perna. Celina precisava de respostas ou perderia a cabeça, se é que já não tinha perdido.

Mesmo sabendo que não tinha descansado o suficiente, ela não tentou dormir de novo. Optou por estudar o teto e escutar o silêncio, o que menos queria era fechar os olhos e ser obrigada a vivenciar os horríveis pesadelos novamente. Perguntou-se que horas seriam - talvez umas 5h30, 6h00? Quando Hastiin acordaria? Ele não parecia ser do tipo que dormia até tarde, muito pelo contrário. Celina podia enxergá-lo acordando antes do sol nascer, pronto para fazer seja lá o que fosse na floresta. Ele não demoraria muito mais para mostrar a postura carrancuda na cozinha. E aquilo acendeu uma luz dentro dela.

O que Hastiin faria com ela? Ele salvara sua vida, mas e agora? O rapaz não tinha motivos para ajudá-la. Na verdade, se Celina realmente fosse Skairkru, as intenções de Hastiin com ela podiam passar longe de serem boas. O mais prudente, talvez, seria seguir o plano que havia pensado na noite anterior, de continuar seu caminho rumo à... Bem, rumo a respostas.

Up Higher | Bellamy BlakeWhere stories live. Discover now