♾ 01 | Alone

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Ela começou sua nova vida colocando-se sentada, envolvida pelo silêncio e pela umidade da neblina fria.

Seu campo de visão era restrito, mas não era difícil concluir que estava em uma floresta, a poucos metros da margem de um rio. Ver a água trouxe-lhe, instantaneamente, a percepção do estado de suas próprias roupas. Úmidas e coladas na pele. Teria ela saído de dentro daquele rio? Subitamente, o frio a abraçou e esse pareceu abrir a porta para outros diversos sentimentos.

Uma descarga de medo subiu por sua espinha. Um formigamento estranho apertou-lhe a nuca. Teve vontade de chorar, só que as lágrimas não vinham.

Onde ela estava? O que estava acontecendo?

Não conseguir responder àquelas perguntas só não foi mais desesperador do que sua conclusão final sobre si mesma.

Sua mente estava vazia.

Não havia lembranças. Não sabia seu nome ou sobrenome, tampouco quem eram seus pais.

Informações aleatórias inundaram seus pensamentos. Fatos, imagens e detalhes do mundo. Sabia como era a neve ou a chuva. Conseguia se imaginar comendo uma maça, dirigindo um carro e escalando uma montanha. Sabia como era a aparência da lua refletida na superfície da água e da sensação da areia da praia entre seus dedos dos pés. De repente, imagens de pessoas vieram ao pensamento, mas não reconheceu ninguém. Os rostos eram substituídos por formas embaçadas e sinistras. Não era capaz de se recordar de ninguém que conhecesse nem de uma única conversa.

Precisava saber o que estava acontecendo. Com toda a certeza deveria existir uma explicação razoável para a falta de lembranças. O pensamento a tranquilizou levemente, suficiente para que pudesse estudar seu redor com mais atenção. Seus olhos focaram o céu cinzento, parcialmente encoberto pelas altíssimas copas das árvores. Não saberia dizer se aquele era o início ou final dia; do ponto onde estava sentada, era difícil definir a exata localização do sol.

A névoa combinada com a floresta escura davam um ar um tanto quanto fantasmagórico ao ambiente. Achava estar envolvida pelo silêncio, mas seus ouvidos não demoraram a distinguir o cantar longínquo de pássaros e o som da calma correnteza do rio. Ela mirou as águas por cima dos ombros, buscando algo que indicasse que havia saído dali. Talvez um barco ou uma balsa, uma boia, mas nada havia. Teria nadado da margem oposta até ali? Ela apertou os olhos, se esforçando para tentar enxergar através da neblina. Não era um rio largo e parecia calmo o suficiente para se atravessar. Mas por que ela faria isso? O que teria desse lado da margem que a fizesse querer entrar na água em um dia tão frio?

Sua atenção foi, então, tomada por algo mais, num ponto bem próximo de onde sentava-se. Parecia uma espécie de bolsa comprida, displicentemente jogada na terra. Intrigada, colocou-se de pé pela primeira vez, o formigamento na nuca se intensificou no mesmo momento. Aproximou-se do objeto e antes de se abaixar para analisá-lo, olhou ao redor novamente.

Ao examinar a bolsa comprida de perto, logo concluiu que não se tratava de uma bolsa.

Era uma aljava de couro, com uma porção de flechas em seu interior. Seus lábios ergueram-se levemente num sorriso. Por algum estranho motivo, aquele objeto trouxe-lhe uma sensação agradável. Era um sentimento bem parecido àquele de reencontrar algo que perdeu. Um alívio, um calor no peito. Mas como podia? Não tinha nenhuma lembrança coerente na mente, nada que a associasse com aquela aljava. Só que ainda assim, sentiu uma conexão, como se de qualquer modo, o objeto a pertencesse. E mesmo que não, não parecia que alguém viria busca-lo tão cedo.

Mas onde estava o arco? Sua pergunta foi respondida poucos segundos depois, quando seus olhos curiosos o encontraram aos pés de um arbusto.

Ela tinha uma arma em mãos. Mas de que isso adiantava? Saberia usar? Achou melhor verificar suas habilidades mais tarde, decidindo-se por procurar abrigo ou uma alma viva que respondesse suas perguntas.

Up Higher | Bellamy BlakeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora