UM

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Dor. Era tudo o que eu sentia.

Eu rolava pela cama, me contorcia e esbravejava. A cicatriz me acordou. Eu havia pensado que fosse cólica ou dor de barriga, mas era apenas a marca reentrante pulsando como um coração. Ela atravessava toda a minha barriga, espalhando-se em três pequenos ramos ao longo do caminho. Quando tudo estava bem - quando essa dor terrível era transferida para o meu peito - eu chegava em algo perto da paz, por que nada se comparava a ela. Mas quando a cicatriz despertava de seu sono profundo, ela assumia uma cor rosada e, aos poucos, parecia se alargar.

Já havia trocado de remédios várias e várias vezes. Nenhum conseguia de fato amenizar meu sofrimento. E ninguém também vinha a meu socorro nessas noites que eu passava em pura agonia, mesmo que eu me sentisse vigiada a todo o momento.

 Girei tanto pela cama que o mundo virou de cabeça para baixo. Alisei minha barriga, pedindo aos céus que a dor fosse embora. Era um grande vazio que sentia dentro de mim, vezes mais doloso do que a fome. Se já não conseguia enxergar nada por conta da escuridão, tudo pareceu piorar quando a porta do meu quarto foi aberta.

Cobri meus olhos com meu braço e vi uma silhueta escura se aproximar de mim com algo em sua mão. Parecia uma seringa, se eu pudesse confiar em minha mente. Estiquei minha mão em súplica, a voz presa em minha garganta, mas a sombra apenas me deu um tapa e apertou meu braço, enfiando a agulha em mim sem dó nem piedade. Eu arfei, me contorcendo pelo chão, enquanto o líquido queimava minhas veias.

Em menos de 10 segundos eu perdi minha consciência, não sem antes meter uma bofetada em quem me apertava.

Aparentemente, não fora só uma bofetada. Mesmo agonizante de dor, com um poderoso sedativo correndo pelas veias, eu consegui arrancar sangue do enfermeiro na noite passada. E agora eu estava sendo punida por isso. Não aqueles que me deixam noite após noite em infelicidade, sozinha e abandonada, ou aqueles que enfiam medicações sem permissão em minha boca. Ou ainda aquela empregadinha maldita que corta um cacho meu quando fecho meus olhos para dormir. Não. Nenhum deles. Apenas eu. Somente eu.

—  Angelina, peça desculpas.

É assim que eu me sinto na maior parte do tempo. Solitária. Incapaz. Despedaçada. Deslocada. Não havia escapatória. Eu nasci para desempenhar apenas uma função. Era simples e bem clara. Não parecia haver como que eu pudesse ser tão incapaz de desempenhar o papel que toda mulher nos quatro cantos da Terra sonha em realizar. Mas quando se tratava de mim, nada parecia ser impossível.

- Angelina, eu estou falando com você. Obedeça.

Obedecer. É a única coisa que eu tenho feito em toda a minha vida. Não questionaria se me dissessem que fora a primeira palavra que eu aprendi. Por um momento sorrio comigo mesma diante desse pensamento. Mas outro, mais sombrio, ocupa a minha mente.

𝐍𝐨𝐢𝐭𝐞 𝐄𝐬𝐭𝐫𝐞𝐥𝐚𝐝𝐚 - 𝐋𝐢𝐯𝐫𝐨 𝐔𝐦Onde histórias criam vida. Descubra agora