OITO

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— Quem você acha que eu sou?

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— Quem você acha que eu sou?

Comprimi meus lábios, mas estufei meu peito.

— Você não é nada convencional – sussurrei.

Sua mão desceu pelo meu cabelo, desembaraçando uma nova mecha, os olhos presos aos meus no espelho.

— Talvez não seja um médico de verdade.

Ele riu.

— Não acha que eu sou médico de verdade por que eu não machuco você?

O frio atingiu minhas entranhas.

— Você me deixou sofrer quando eu tive uma crise.

— E os sedativos lhe fizeram bem?

Terminando a mecha que penteava, ele a trouxe para frente, colocando-a por cima do meu ombro direito. Sua mão descansou por lá, dedos compridos roçando meu pescoço. Ignorei o arrepio que senti e tentei me concentrar na conversa.

— Sua metodologia me ajudou, de fato, mas ainda é estranha. Mamãe o trouxe para cá e aparentemente confia em você. Estou decidindo que caminho tenho que seguir, como uma princesa.

— Nossos caminhos se encontram, sua alteza – ele disse, com um tom zombeiro e rouco – Ambos queremos a cura para você. E acredito que ela está mais perto do que você imagina.

Balancei a cabeça, descrente. Uma das duas regras mais importantes de mamãe – não chegar perto das escovas de cabelo e sempre obedecer os médicos – estavam em confronto na situação que eu me encontrava.

Meu olhar se encaminhou para a porta. Se ela entrasse no quarto nesse exato momento, teria voado para cima de mim. Com a própria escova que penteava meu cabelo tão gentilmente agora, ela teria a jogado no meu rosto. Depois, chamaria pelos enfermeiros que teriam me arrastado pelos pés até o Quarto Escuro. Era onde eu ficava quando desobedecia. Não via o tempo passar e nem recebia comida. A escuridão não me permitia ver nada e sem tomar os medicamentos, meus pensamentos eram a única companhia. Eles me diziam coisas que eu nunca faria. Me ensinavam como arrombar a porta. Me mandavam correr. Se algum homem de jaleco passasse por mim, eu devia bater sua cabeça contra a parede. Me mostravam como era fácil seguir pela rota certa, onde eu daria numa porta escondida na cozinha. Eu a abriria com a chave que ficava guardada dentro do pote de açúcar.

Mas não me atreveria a dar mais um passo sem antes ir atrás da sala dos arquivos. Eu tinha certeza que tinha ouvido, entre os sussurros exasperados dos médicos, sair da boca da minha mãe, que tinham levado algo meu para a sala de arquivos. Foi ai que meus olhos se abaixaram para suas luvas ensanguentadas e a forte luz em meus olhos escondeu de mim toda a verdade.

Só que, tudo isso eram alucinações, não eram? A história verdadeira não foi essa. Aconteceu como papai e mamãe me disseram. Fomos emboscados, saqueados e violentados. A coisa toda foi tão grave que tiveram que recorrer a um batalhão de médicos e tentaram me concertar. Entretanto, eu podia sentir vívido no céu da minha boca o gosto metálico. Ver e sentir a faca me abrindo, os pontos me costurando, e depois tudo voltando e voltando e voltando e voltando e voltando.

𝐍𝐨𝐢𝐭𝐞 𝐄𝐬𝐭𝐫𝐞𝐥𝐚𝐝𝐚 - 𝐋𝐢𝐯𝐫𝐨 𝐔𝐦Where stories live. Discover now