Capítulo 36

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O ato de respirar.

Absorver o ar pelas narinas, onde é umedecido, filtrado e esquentado, então levado através da faringe e da laringe até chegar na traqueia, onde se divide pela bifurcação que os leva para o mais íntimo dos pulmões humanos, enfrentando assim mais um infinito processo até ser dispensado da mesma maneira que foi absorvido. Algo tão complexo que comumente é chamado de "inspirar e expirar", como se a vida de cada indivíduo existente não dependesse disso.

O inflar de pulmões que parece simples, mas pode se tornar difícil de ser feito, quase impossível. É o oxigênio extraído dele que faz o coração pulsar, os neurônios trabalharem e impede que qualquer parte do corpo se desintegre. Sem ele não existe nada, então é fácil compreender como pode se tornar complicado suportar o peso de algo que deveria ser natural e aprendemos ainda durante a gestação.

Eu sentira esse peso que parecia arranhar as paredes do peito a cada respiração; uma dor sentida por semanas e meses. Mas naquele momento... naquele momento não havia nada melhor que poder fechar os olhos e sentir aquela ação puramente de sobrevivência, sem estar preocupada com algo ou alguém.

Anne estava bem, minha mãe estava fazendo o tratamento psicológico e vez ou outra eu ligava para ela, o que sempre a fazia chorar.

— Estou com tantas saudades de você, Clara. Quando você vai poder vir nos visitar? — mamãe dizia, enxugando as lágrimas e me fazendo desejar, mais que tudo no mundo, poder atravessar o oceano apenas para conseguir abraçá-la.

Ela havia voltado a ser minha mãe, a mãe que eu sempre pude contar e que estava do meu lado sempre que precisava.

Depois do dia do terraço, Henri cumpriu com sua palavra e, apesar de tudo, eu nunca soube como o agradecer por isso. Ele não salvou apenas a mim do meu inferno particular, mas tirou minha mãe e meu irmão do risco de terem que encontrar um outro lugar para viver. Para cumprir a promessa de Sebastian, pelo ao menos uma vez na semana ele vinha ver Anne e um dia insistiu tanto em nos levar a uma competição de cavalos que haveria, que eu acabei cedendo. Foi um dia animado e ver o brilho no olhar de Anne era mais que suficiente para saber que havia valido a pena pedir para Tony que eu pudesse sair mais cedo naquele sábado.

Quando estava atrasada ou com pressa, Henri também me dava uma carona até a Universidade, a lanchonete ou hospital, nos retornos de Anne. Devagar, havia se tornado um amigo. E eu sabia que se precisasse, poderia contar com ele mesmo que isso lhe custasse o atraso do voo para Paris, onde enfrentaria o pai em mais uma reunião que eu descobri serem mais constantes que imaginara. "Ande, entrem logo e eu levo vocês. Caso me atrase eu jogo a culpa no trânsito daqui até Bordeaux, ninguém terá nada para argumentar", dizia ele sempre que eu tentava recusar a oferta.

Depois de dias ausentes no que imaginamos ser uma visita para os pais da namorada, certa manhã Jason resolveu aparecer no nosso apartamento com Kiara. Ela era uma garota inteligente e notoriamente o merecia, parecia fazê-lo feliz e era impossível não perceber a maneira como seus olhos brilhavam a cada vez que a olhava. Nós combinamos de um dia irmos a algum lugar juntos e desde então, havia os visto apenas na Universidade algumas vezes, onde não trocávamos mais que três frases antes de cada um seguir seu caminho.

Eu não havia perdido um amigo — de forma alguma —, mas sabia que naquele momento haviam sentimentos e pessoas que vinham antes da amizade na sua lista preferencial.

— Clara, você ainda não está pronta?! — Anne exclamou irritada, batendo na porta do quarto. — Já está quase dando a hora!

Dois dias antes, Henri havia nos convidado... convidado não, havia nos informado que iria nos levar em "um lugar" e Anne estava ansiosa para saber onde era. Havíamos planejado de nos encontrar em frente ao condomínio pois, como ele mesmo dissera, se fossemos sozinhas perderia toda a graça.

Do Outro Lado do AtlânticoWhere stories live. Discover now