Capítulo 35

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O som abafado do celular rompeu o silêncio absoluto da madrugada fria.

Eu sabia que era Max e estava contra a parede. Mas acima de tudo, através de sua compostura que eu não era capaz de imitar, ele havia se auto encurralado. Max era parte daquilo tanto quanto eu, talvez até mais, na verdade. A fazenda ainda era sua casa, entretanto, preferia enfrentar nossa única opção de tirar nossa mãe daquela situação a viver de uma maneira cada vez mais difícil, apenas por não querer perder o lugar onde ainda conseguíamos sentir nosso pai.

Max Wesley tinha apenas dezessete anos e conseguia ser muito mais sensato que eu. Quatro anos a mais de vida não causavam efeito nenhum quando era eu quem estava jogando na defensiva por todo aquele tempo.

Respirei fundo e atendi a ligação.

— Que horas são aí? — ele perguntou, acrescentando em seguida: — Se estiver muito cedo eu ligo depois.

— Quatro e meia da manhã.

— E o que você está fazendo acordada a essa hora, Clara?

Mordi o lábio inferior, observando as sombras que eram formadas na parede pela luz da lua que ainda entrava no quarto através das cortinas.

— Eu acho que não preciso te responder.

Do outro lado da linha, um suspiro pesado era soltado.

— Como você está? — perguntei.

— Já estive melhor.

Engoli em seco, sem saber o que dizer. Eu estava na mesma situação que ele, mas como irmã mais velha era meu cargo consolá-lo ou pelo menos dizer algo otimista. No entanto, não queria mentir e também não tinha certeza se qualquer palavra desse gênero poderia ter algum resquício de verdade.

— Eu também não queria isso, mas precisamos ser fortes. Precisamos fazer isso pela mamãe — murmurei, a voz falhando, depois de algum tempo em silêncio.

Max sabia que com essas palavras eu estava entregando a corrida, não havia como eu continuar lutando se a maré me empurrava cada vez mais para baixo. Não fazia sentido submeter minha mãe e meu irmão a uma situação como aquela só pra nos dar o luxo de andar entre as videiras onde um dia meu pai havia caminhado. Não era possível eu vencer a guerra com todas as batalhas perdidas.

— O senhor Marshall disse que se realmente formos vender a fazenda ele tem interesse — ele respondeu, baixo demais para soar natural. — Você sabe como é, os rumores se espalham rápido mesmo quando ninguém disse nada. As pessoas adoram discutir a vida alheia.

— Nossa mãe já sabe?

— Não. — A resposta veio rápida. — Fiz tudo o que pude para impedir que chegasse aos seus ouvidos até agora, até o último segundo possível.

— Como será que ela irá reagir diante disso tudo? — sussurrei apenas para mim enquanto me levantava da cama e caminhava até a janela transparente que abri. As luzes da cidade sempre tão belas, tão fortes. Mesmo condenadas a clarearem a cidade apenas enquanto todos dormem, elas permanecem incansavelmente em seus postos protegendo a todos de serem engolidos pela escuridão da noite. — Onde ela está? — perguntei, mais alto dessa vez.

— No quarto. Dormindo, provavelmente.

— E quando você pretende falar com ela?

— Não sei, em breve.

Eu não conseguia vê-lo, mas sentia a hesitação sob aquelas palavras proferidas com cuidado e escolhidas com cautela. Conhecia Max o suficiente para saber que a maneira como sua voz tremia minimamente significava que, naquele momento, ele sentia o mesmo que eu e, talvez, também lutasse para não deixar os lábios tremerem conforme o silêncio se seguia.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora