Prólogo

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Kael, triste, arrumava em uma sacola as roupas de sua mãe, eram vestimentas simples, que foram compradas com muito esforço, outras tinham vindo de doações, mas sua mãe não se importava, vaidosa como era, mas com poucos recursos, ficava apenas feliz de poder ter algo de cor viva e bastante florido, as cores vibrantes e estampas eram sua marca, para alguns pareciam exageradas se combinadas, mas era assim que se sentia bem, Kael sempre foi mais discreto, sua mãe sempre lhe dizia que havia puxado a seu pai, pois ele sim, gostava de vestir cores sem graça, era engraçado lembrar o quanto sua mãe se esforçava em fazê-lo vestir vermelho, amarelo e laranja, mas nunca tinha obtido êxito, e agora, Kael apenas lamentava, queria poder vestir todas as cores que sua mãe dizia serem as mais bonitas e desfilar pra ela, vendo o sorriso se espalhar em seu rosto.

O cheiro de lavanda que sua mãe adorava ainda estava forte nas roupas, e aquilo lhe tomava, os olhos ardiam, e a cada peça de roupa acrescentada a pilha, ficava ainda mais difícil controlar as lágrimas que começavam as escapar, um nó apertava sua garganta, mas tinha de se manter forte, por seus irmãos, pois agora só tinham uns aos outros, e ele como o mais velho, tinha a responsabilidade de apoia-los. Kael havia feito vinte um anos a dois meses, ainda lembrava o rosto animado de sua mãe que lhe esperava de mais um dia de procura por emprego, com um bolo simples em suas mãos, não tinha cobertura e nem essas velas sofisticadas, mas que tinha sido feito com todo amor, rodeado por seus irmãos, todos cantaram parabéns, felicitações, abraços e beijos vinham de todos os lados e Kael não poderia pedir nada melhor que isso, mas se soubesse que apenas um mês depois perderia sua mãe, teria trocado seu pedido de aniversário, agora ele percebia que seus grandes problemas, como a falta de um emprego, não era nada se comparado a vida de sua mãe, sem dúvida, se naquele dia ele soubesse da dor que estava por vir, teria pedido aos céus que ela jamais fosse tirada de sua vida.

Kael terminou de arrumar as sacolas, ficando apenas com um único lenço colorido que sua mãe tanto gostava de passar em volta dos cabelos. Quando saiu do quarto com as sacolas cheias e as depositou no chão da sala, seus irmãos que tentavam distrair-se assistindo televisão o olharam com pesar nos olhos, fixaram atenção sobre as sacolas e aconchegaram-se mais uns aos outros, Aquiles despreparado deu um suspiro sofrido, mas assim que notou o que tinha feito se recompôs e tentou colocar um semblante o mais natural possível, aos seus quatorze anos buscava ser adulto e maduro, querendo ser forte por seus irmãos mais novos, e aquilo destroçava Kael, Aquiles não deveria estar reprimindo seus sentimentos de tal maneira, ele não precisava ser forte, ele estava aqui para isso, seria forte por todos.

Dor, medo, perda, era tudo a que se resumia o interior de Kael, mas ainda assim só conseguia pensar em seus irmãos, Aquiles em algum momento iria desabar, e Kael apenas queria estar lá pra ele, Emílio estava com doze anos e Lucia com oito, na primeira semana choraram o dia inteiro e as noites iam para o quarto de sua mãe e lá soluçavam sofregamente, e de exaustão adormeciam lá mesmo, mas agora um mês depois, apesar da tristeza, haviam momentos em que conseguiam distrair-se, e Kael agradecia aos céus por isso, crianças não mereciam passar por todo esse sofrimento.

– Crianças, não querem ficar com alguma coisa da mamãe pra vocês... guardar algo pra lembrar dela... talvez... – Kael tentou argumentar, mas Aquiles o interrompeu.

– Eu não preciso de nada para poder lembrar, ela... – Aquiles suspirou, tentava parecer forte, e Kael sabia depois de tantas brigas que tentar fazê-lo se abrir não era a melhor forma de agir com ele, então apenas tentava deixar as coisas seguirem seu curso.

– E vocês, não querem ver algo? – Perguntou aos outros irmãos.

Emilio se levantou de onde estava, e se agachou junto as sacolas, abriu uma e retirou um casaco que sua mãe vestia quase todos os dias para ir ao trabalho, cheirou e seus olhos inundaram de lágrimas, voltou ao sofá e foi a vez de Lúcia, que ao ver todos as roupas de sua mãe reunidas ali começou a chorar e entre soluços murmurava que não queria que Kael se desfizesse delas.

Destinado a vocêWhere stories live. Discover now