08. Opostos

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28 de Abril de 1969

Taehyung nem se lembrava da última vez que teve um sonho. Todas as noites era obrigado a lidar com a insônia, com angústia e com o vazio existencial que a ausência dele causava. Só uma pessoa durante todo esse tempo foi capaz de apaziguar seus pensamentos e o afastar momentaneamente das lembranças terríveis.

Jungkook.

Não queria associar esse fenômeno a explicações românticas, já tinha passado havia muito tempo da idade de fantasiar sobre o amor. As razões eram simples: não estava interessado em Jungkook, mas naquilo que ele poderia proporcionar. Não estava interessado no casamento dele, nem no dinheiro, nem na influência, nem nada. Só queria distrair seus pensamentos com as lembranças dos lábios dele.

Estava se dando o direito à alienação pelo sexo. Simples assim. Desde que trocaram carícias no Versalhes não conseguiu pensar em outra coisa e foi apenas uma amostra do que fantasiou realizar. Havia algo em Jungkook que causava uma atração sexual muito forte, quase predadora. Talvez fosse a diversão pelo mistério — Jungkook era virgem no que se tratava de outros homens e instigá-lo era sempre muito divertido, como explorar um território novo e desafiador.

Sim, pretendia usá-lo. E daí? Tinha plena consciência de que seria recíproco. Se isso significava esquecer um pouco dos problemas estava disposto. Então, em outras palavras, aquele jovem rapaz tinha enorme potencial em se tornar para ele a mesma coisa que o LSD era para muitas pessoas. Um refúgio entorpecente e prazeroso.

Retornou de suas divagações para a realidade, tomando consciência de onde realmente estava. Sentado em sua mesa na revista, sozinho, almoçando um sanduíche de salada de geladeira. A maioria dos outros funcionários comiam fora e os que ficavam se reuniam na cozinha, mas Taehyung preferia ficar sozinho — em parte porque gostava do silêncio, mas também porque não era bem-vindo nos círculos.

Terminou o almoço, jogando a sujeira no lixo. Levantou-se para ir até a cozinha tomar um copo de água e quando chegou até lá viu um pequeno grupo de colegas cercando a pequena tv para ver o noticiário, como sempre. Eles não se importam com sua entrada, sequer o cumprimentaram, mas Taehyung agradeceu por não precisar fazer contato. Pegou um copo no armário e encheu com água da geladeira.

— "Novos desdobramentos do caso do menino Peter — O repórter disse na TV e Tae paralisou no momento em que ouviu. Sentiu um arrepio percorrer todo o corpo e aguçou os sentidos para entender melhor. — Testemunhas e evidências vinculam o caso ao principal suspeito, Maxwell Ramli. Morto depois de tentar reagir à ação policial, senhor Ramli tinha passagens pela polícia..."

O áudio da televisão foi ficando cada vez mais distante e abafado e Taehyung começou a mergulhar na própria consciência, ouvindo apenas o som da sua respiração. Como se entrasse dentro de um poço, foi afundando no escuro de si mesmo, sentindo uma vontade enorme de gritar, mas cansado demais para isso. A ardência na garganta era similar a engolir uma porção de espinhos. O peito começou a subir e descer mais rápido e quando se deu conta já estava se afogando naquela sensação horrível. Odiava ser tão sensível, mas ficava simplesmente apavorado quando se dava conta das proporções que aquela história estava tomando. Tinha a sensação de que tudo o que Max foi estava escorrendo entre seus dedos e não havia nada que pudesse fazer para impedir.

Deixou o copo escorregar da mão estilhaçando no chão. Foi só então que recobrou a consciência do próprio corpo. Todos passaram a encará-lo, mas ele não teve tempo de perceber, saiu da cozinha apressado deixando a sujeira de cacos para trás.

Taehyung já não sonhava mais, porque suas noites eram sempre vazias e tristes. Sempre que as coisas começavam a melhorar algo acontecia para puxá-lo de volta ao fundo do poço. Era como se não tivesse o direito de ser feliz como os outros. Estava amaldiçoado.

Feriado NacionalWhere stories live. Discover now