04. Musa

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10 de março de 1969

O barulho da máquina de escrever acompanhava o ritmo da rápida datilografia de Taehyung. Ele passava os dedos intensamente enquanto mantinha os olhos vidrados nas palavras que saiam na folha de papel. Quando finalmente terminou, jogou o corpo para trás na cadeira, sentindo as mãos e os pulsos doloridos depois de horas escrevendo ininterruptamente.

Suspirou esgotado e começou a analisar os colegas de trabalho nas mesas próximas empenhados em escrever. Eram dezenas de máquinas sendo usadas constantemente, o que provocava um barulho incômodo que nunca cessava. Às vezes os funcionários conversam uns com os outros e riam, mas nunca com Taehyung. Ele acabou se acostumando a escutar apenas o som das teclas.

— Senhor Kim — Seokjin saiu de dentro de sua sala e ficou encarando Taehyung. Gesticulou com a cabeça para chamá-lo e entrou novamente fechando a porta.

Tae revirou os olhos antes de sair de sua mesa em direção à sala do chefe. Sabia que poderia ser chamado, mas uma pontinha de esperança o fazia acreditar que Seokjin se esqueceria dele. Nunca esquecia. Bateu na porta antes de entrar no escritório, apesar de saber que ele estava esperando.

— Com licença.

— Feche a porta. — ordenou o chefe, sentado em sua mesa e mexendo em uma papelada.

Taehyung fez o que pediu e em seguida ficou parado em frente à mesa dele esperando que começasse o sermão.

— Bem, acho que o senhor imagina porque te chamei aqui. — falou arrumando os papéis em dois montes. Em seguida parou, apoiou os braços na mesa e finalmente olhou para Taehyung. — Quantas vezes mais vamos precisar ter essa conversa até finalmente entender que estamos em uma revista séria? Isso significa que não pode falar sobre sua vida noturna nos textos, porque as leitoras são donas de casa conservadoras.

Tae forçou uma expressão de surpresa. Colocou a mão no peito como se estivesse muito ofendido.

— Não escrevi nada demais. Você pediu para eu falar sobre roupas de festa e foi o que fiz. — Rebateu com convicção.

— Ninguém aqui é idiota, Taehyung. Entendi muito bem o que você quis dizer com essas sugestões de figurinos andrógenos e "unissex". — Fez aspas com as mãos enquanto falava a última palavra. Trancou o maxilar demonstrando claramente o quão irritado estava.

— Ora, por favor, nós estamos no século vinte. As mulheres já usam calças! — Gesticulou com as mãos enquanto falava e tentou defender seu ponto de vista, mesmo sabendo que era um esforço inútil.

— Não as que compram a nossa revista! — Seokjin perdeu a paciência. Tirou os óculos do rosto, apertou os olhos com a mão e respirou profundamente. Olhou para Taehyung exausto e continuou: — O público alvo da Musa são mulheres mais velhas, mães, avós. Elas querem ler sobre vestidos de cetim, não sobre ternos para mulheres e saias para homens. Vão encarar o que você escreveu como depravação e quem paga o pato é a revista. O texto não vai entrar na edição desse mês e vou ser obrigado a descontar do seu salário.

Taehyung não esperava por isso. Tentou buscar na mente alguma estratégia boa o suficiente para se safar, mas se deu conta de que tinha usado todo o seu acervo anteriormente.

— Você não pode fazer isso comigo, Jin. — Esboçou a expressão de súplica mais convincente que conseguia. Franziu as sobrancelha e deixou os cantos dos lábio baixarem. — Tenho contas para pagar.

— N-não me chame de Jin. — pediu desconcertado enquanto ajeitava os óculos novamente no rosto. Aquele jeito frio de falar escondia uma personalidade extremamente tímida. — Encare como uma punição.

Feriado NacionalWhere stories live. Discover now