Capítulo 8 - Arrebatada

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— Sei...

Depois ele apontou o dedo para a seringa-crucifixo.

— Isto é um Kristox. Ele convenciona ossos fraturados, não todos, apenas os mais fáceis de regenerar ou, em casos de deslocamentos, fazer voltar para o lugar. Há bem poucos dele por aí.

— Roubou de onde essas coisas?

Roubou? — repetiu ele. — Essa ofendeu!

— Tudo bem — comecei a mudar de assunto. — Para onde vamos exatamente? Preciso avisar meu irmão.

— Também não sei — ele começou a franzir a testa novamente. — Não posso levá-la a Édenia... Talvez achemos algum hotel no Arizona, só por enquanto! Ah, e não dá tempo de falar com seu irmão, lamento.

Eu virei o meu rosto para o outro lado, triste. Era horrível imaginar não ver meu irmãozinho novamente, aquilo não costumava acontecer nem em meus piores pesadelos. Mas então, de repente, percebi que a frente da lanchonete estava sendo ocupada por duas viaturas policiais, e que os carros já estavam completamente vazios, pois os policiais já estavam entrando no estabelecimento.

E seus olhos encontraram os meus quase automaticamente.

— Parados! — ordenou uma policial loira.

Todos os clientes na lanchonete ficaram atordoados com a situação, principalmente eu.

— Corre! — gritou Priam.

Demorei alguns instantes para me levantar da mesa e correr, pois eu estava chocada demais com tudo aquilo. Antes de sumir dali, eu vi Priam pular em cima da policial loira e depois enfiar uma de suas facas em seu peito. Em seguida uma fumaça negra e macabra começou a sair de dentro dos olhos da policial, rodeando o interior da lanchonete, possuindo o corpo de um cliente qualquer.

E naquele momento eu soube: eu não estava sendo perseguida exatamente por policiais, e sim, por demônios que haviam possuído seus corpos. Quando aquela ideia me veio em mente eu acelerei rapidamente meus passos.

Vi uma escada nos fundos que levava aos andares superiores e sem pensar duas vezes, eu comecei a subir os degraus, correndo sem olhar para trás, pois ouvia nitidamente o som de passos atrás de mim. Alguém estava se aproximando, e rápido.

Finalmente os degraus da escada acabaram, mas havia uma porta logo à minha frente. Eu girei a maçaneta, como qualquer um faria, mas para o meu azar, ela estava trancada.

Enquanto isso o som de passos nos degraus parecia cada vez mais alto. Chutei desesperadamente a porta. Sem sucesso. Chutei novamente com mais força, ouvi um barulho de algo quebrando, mas a porta continuava inacessível. Quando senti meu braço sendo puxado por alguém, uma força maior surgiu dentro de mim e eu me arremessei diante da porta a minha frente. Só vi uma passagem se abrindo e eu caindo de cara no chão.

Eu estava no telhado do prédio e havia uma escada de emergência na lateral que poderia ser minha única chance de sair viva dali. Sem hesitar, corri até ela, mas infelizmente alguém acabou conseguindo me impedir.

— PARADA OU EU ATIRO!

Olhei para trás e vi algo que eu não compreendia muito bem o que era. Ora era um simples policial negro apontando uma arma para mim outrora era um homem com um rosto demoníaco, revelando aqueles olhos vermelhos-sangue com esclera negra. Os dentes de tubarão também estavam ali, mais afiados do que nunca.

O policial jogou a arma no chão e avançou com suas garras em minha direção. Eu corri de costas, mas acabei caindo. Ele puxou minha perna, cravando uma, duas, garras em mim. Eu comecei a gritar exasperadamente, mas então repentinamente alguém se materializou atrás do policial e o arremessou para longe.

Não era Priam.

Era o garoto que me ajudara no supermercado. Usando o mesmo sobretudo ridículo de sempre.

Fiquei aliviada, pois por um momento eu pensei que estivesse completamente salva, mas foi quando outro policial com olhos vermelhos apareceu por trás dele, empurrando-o e depois avançando para cima de mim. E assim, jogando-me de cima do prédio. A última coisa que vi foi o olhar de desespero do garoto enquanto ele finalmente tirava o sobretudo.

Sentia o vento golpear minha roupa, e o chão se aproximar cada vez mais. O meu estômago doía com a sensação de queda. Eu podia ver o prédio passar rapidamente por mim.

Esse é o meu fim. Desculpe-me, Nathan; eu falhei.

Vi de relance um pássaro surgir no céu à cima de mim, mergulhando no vento com suas grandes e delicadas asas brancas. Ele se aproximou de mim quase instantaneamente. Então eu pude ver o pássaro com mais clareza. Na verdade, ele era híbrido. Tinha a ternura de uma bela ave branca e a gentileza do garoto pálido de incríveis olhos azuis.

Um anjo, pensei. Veio para me levar para o Céu.

Talvez eu tivesse caído no chão, e àquele ponto eu já estivesse morta. Isso era até bom, pois pelo menos eu não tinha sentido a dor da morte. Mas então, o anjo me apanhou no ar. Segurando-me forte em seus braços. Ele batia as asas com delicadeza — e aquele bater de asas parecia estranhamente familiar —, sobrevoando entre os prédios do centro de Riverdown. Contudo, ele não estava me levando para o céu.

Seus cabelos loiros flutuavam de acordo com o vento. O anjo me apertava forte contra seu peito nu, para não correr o risco de me deixar cair. O corpo esculpido daquele anjo era marcado por escuras e enigmáticas cicatrizes marmorizadas. Não consegui resistir ao desejo de tocá-las; eram frias, macias e ásperas ao mesmo tempo.

Ele aterrissou no telhado de um prédio. Com seus pés descalços pairando polegadas fora da mureta. Colocou-me devagar no chão, mas eu não queria que ele me soltasse. Apertei forte seu braço, tentando impedi-lo e olhei para seus olhos — pela primeira vez, sem medo de ver aqueles olhos vermelhos novamente — de um azul escuro e claro ao mesmo tempo, que o faziam penetrantes e únicos. Nossos rostos estavam tão perto que poderíamos compartilhar nossas respirações. E eu não queria que aquele anjo me soltasse nunca mais, pois em seus braços, eu me sentia... existente.

Calma.

Segura.

Abismada.

Essas três palavras me definiam naquele momento.

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