Capítulo 6 - Interrogada

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Quando abri os olhos para o mundo novamente — com a alma ainda sem entendimento e nem capacidade de sensatez —, a primeira coisa que vi, ainda como uma imagem borrada e pueril, foram dois pares de olhos curiosos. Eram Helen e Nathan.

— Ela está acordando! — Exclamou Nathan.

Shhhh — fez Helen.

Eu estava num quarto de paredes brancas e impenetráveis, deitada em uma maca, lutando para continuar com os olhos abertos. Algo fazia cócegas embaixo de meu nariz. Confesso que demorei um pouco para perceber que era um tubo. Movi minha mão para tentar removê-lo, mas não obtive sucesso. Uma máquina à minha esquerda emitia um bipe persistente e ritmado. Uma cortina fina à direita me separava de um paciente que sofria com dor, ele chorava e gemia freneticamente e aquilo fazia meu estômago se revirar. Percorri brevemente o quarto de hospital com o olhar, e vi um vaso de flores e uma bolsa aberta com coisas minhas trazidas de casa sobre um criado-mudo ao lado da cama.

Olhei para o rosto de Nathan e acariciei sua bochecha. Seus olhos redondos e pequenos e seu rosto inocente. Ele sorriu para mim, feliz ao ver que eu estava bem. Lembrei-me que lhe prometi que ia chegar a tempo para assistir com ele seu programa favorito, e eu me odiei por um momento ao perceber que havia quebrado uma promessa. Eu nunca tinha deixado isso acontecer antes. Não com Nathan.

Virei meus olhos em direção à Helen. Ela estava com profundas olheiras. As unhas, normalmente perfeitas e pintadas, estavam roídas e feridas. Eu não conseguia me mexer sem sentir uma dor ali e aqui, mas tinha certeza que conseguia falar alguma coisa:

— O que aconteceu? — Não era exatamente essa pergunta que eu iria fazer, mas meus lábios se moveram tão repentinamente que eu não tive tempo de voltar atrás. É claro que eu sabia o que tinha acontecido. Eu lembrava-me de tudo. Imagens nítidas daquela noite não saíam de minha cabeça; os olhos vermelhos e a esclera negra, sangue, sangue e mais sangue. Os olhos de Tyler arregalados e inexpressíveis, os lábios azuis e o corte profundo da adaga em suas costas. — Tyler... ele...

Helen abaixou a cabeça e concluiu:

— Está morto.

— DROGA! — eu rosnei, sentindo meu rosto ficar molhado pelas minhas lágrimas. — E por que diabos eu estou viva? O que aconteceu comigo? Era para eu estar morta!

— Você sofreu um acidente, Lola — começou ela, com um olhar distante. — Você foi atropelada por um caminhão. Eu sei, eu sei, é uma grande loucura. Ninguém sabe como você saiu viva dessa. Seus amigos trouxeram você ao hospital. Lucy e Jessie estavam apavoradas, pensando que você já estivesse morta... Elas me ligaram assim que puderam, e eu e Nathan viemos imediatamente — houve uma pausa, ela parecia estar procurando coragem para continuar. — Na mesma noite, Tyler foi encontrado morto em um dos quartos de sua casa... Foi assassinado — quando ela voltou seus olhos para mim, ela estava chorando. — Falaram que você o matou.

— O quê?! Não, não! Eu não o matei. Foi um garoto que... que...

— Não precisa me explicar nada. Você é minha filha, eu acredito em você... — soluçou Helen. — Eu... só estava com muito medo de que você... não sobrevivesse — ela pegou um lenço de sua bolsa e tentou enxugar as lágrimas.

Um calor súbito tomou conta de mim, meu rosto ficou vermelho e meus punhos ficaram cerrados.

— Ah. Então agora você tem medo!? Por acaso você ficou quando me deixou sozinha com Nathan há nove anos!? — gritei, exasperada — Nathan não tinha nem um ano de vida, Helen... e você nos abandonou! Você literalmente nos deixou para trás! E eu tive que cuidar dele sozinha. Uma criança cuidando de uma criança!

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