A carta

43 8 6
                                    

John, meu bem,

Eu sempre quis te chamar assim, mas as palavras permaneceram trancafiadas dentro da minha boca, contidas pela língua inerte e pelos meus dentes. E as chaves? Ah, as chaves...Eu as joguei num abismo, cujo som que ecoava gritava: medo, medo, medo. Era como um mantra na minha mente. De certa forma, foi o medo que acendeu e que apagou as chamas desse amor. Karma? Acho que não. Ainda sou incrédula neste quesito, mas eu te tomei de Vitória, depois ela te tomou de mim.

É lindo ver como na vida tudo se paga. Cedo ou tarde, queiramos ou não. A verdade sempre vem e quando ela chega, ela dói. Perfura o íntimo da alma e faz a carne estremecer. Medo. A verdade vem de mãos dadas com o medo.

E então chegou nossa hora. O momento das verdades do nosso "relacionamento" virem a tona. Mas que verdade? Me pergunto até hoje John. Não tínhamos nada, nem sequer mentiras, nem sequer amor que a verdade pudesse nos arrancar. Sobrou-nos então o medo, que é a recompensa de covardes como nós. O desespero também veio junto. Sentimentos são como uma corrente, sabe. Um atrai o outro e te enlaça. A começar pelo menor e mais "inofensivo", aí vem um outro valentão que nos derruba e nos aprisiona dentro de nós mesmos. Como uma transa, que leva a outra e que juntas conduzem ao caos.

Meu bem. Você nunca foi meu, muito menos me fez bem. Cada dose de você era como uma dose de veneno. E eu te provava satisfeita. Tantas vezes me deliciei enquanto estava cega de amores e doente de carência. Me banhei na suas palavras e nas suas falsas promessas. Me embriaguei e me iludi. Nem percebi que eu morria aos poucos, que você era daqueles venenos que matam lentamente, que sugam as forças do corpo e da alma até que sobre apenas choro e agonia.

Eu desejei morrer tantas vezes, num golpe fatal e fulminante, como daquela vez em que fiquei presa no elevador do seu prédio. Mas que patética essa minha ideia de morte por amor. Você não valia tudo isso e eu achando que a imprestável era eu. Que bela lavagem você fez no meu cérebro. Nem sequer me deixou partir em paz.

Me prendestes a te chegar a tua hora de partir e nisso o destino foi bom comigo. Você fez o que eu nunca teria coragem de fazer. Arrebentou nossas correntes e me livrou dessa prisão. Confesso que, em meio ao meu desespero, uma parte minha suspirou aliviada: "Nossa, finalmente paz!" Eu estava livre, porém cega demais para reconhecer e além do mais, a liberdade às vezes dói. E dói mais ainda não saber o que fazer com ela. Era meu caso. Eu tinha asas para voar e ainda assim preferi me aninhar em casa. Eu nunca tive peito de encarar minha liberdade. Ela me assustava mais que tudo em minha vida. É que ser livre também significa ser vulnerável e eu não estava pronta pra lidar com tudo isso. Te entreguei tudo que me era mais sagrado e você não pediu, eu sei, mas eu quis te entregar. Só que você despedaçou tudo.

Você sabe. Você sabe bem, que eu me privei de ser livre para viver por você. Fiquei presa às amarras do passado, anestesiando-me com o álcool e com o cigarro.

Uma observação importante agora: parei de fumar. Decepciono John? Eu espero que sim! E espero que você pare de fumar também. Te ensinei alguns vícios, mas agora é hora de parar. Uma hora a gente precisa parar de se enganar e encarar a vida. A não ser que você queira que as cinzas te consumam. Escolha.

Acredite em mim, há mais vida por aí do que nós costumávamos ver e viver. Você sabe, morando lá fora por tantos anos então deve ter visto muito coisa bonita por aí. Eu te desejo coisas boas, porque não sou uma pessoa ruim, mas não antes que você pague por tudo que me fez. Cedo ou tarde, você há de pagar pelos seus pecados. Cada um deles. Pouco a pouco. Vamos ver se você sobrevive ao seu próprio veneno.

Castigo. Foi assim que me ensinaram a nomear. E eu gostei. Prefiro esta denominação ao famigerado karma. Também fui castigada e na verdade, pago até hoje. O maior e mais pesado, que me persegue avidamente até hoje: Baby. Esse personagem que você criou para mim, esse nome miserável. Superei quase tudo, menos a sensação que ele me traz. São momentos de sufoco. É o passado que tenta me arrastar de volta. E aí eu escuto: "medo, medo, medo".

Nessas horas difíceis, me agarro a Marcos até que o devaneio passe e eu possa ter certeza que meus pés estão firmes no chão outra vez. Normalmente, essa certeza vem quando Marcos me envolve em seus braços e me beija, ainda sonolento, ainda cansado. Ele está sempre aqui. Nunca acordei e vi a cama vazia. Ele não me deixa cair, entende? Acho que não. Você não entende dessas coisas. Não vou continuar falando dele pra você, apesar de que pode ser que você se inspire e ta aí uma coisa que te faria bem. Mas vou parar. Tenho medo que ao te contar da minha felicidade, o universo me castigue por compartilha-la com quem só me fez sofrer.

Eu me formei. Faz seis meses. Jornalismo. Irônico, não é? Eu prefiro pensar que foi necessário. Descobri que meu trabalho é mais gratificante do que tudo. Até mesmo maior que meu amor por Marcos e olhe que eu o amo muito. Falei de novo sobre ele aqui. Peço perdão ao universo. Você não merece saber do que me faz feliz, por isso também não te conto sobre tantas coisas mais.

Você era o pouco de felicidade que eu tinha e ainda assim preferiu me deixar, mas eu sei que estava errada. Hoje eu sei que foi errado permitir que você se tornasse tudo pra mim. O planeta terra poderia parar de girar em torno do sol, mas eu não deixaria de rodar ao redor de você. Me perdoo todos os dias porque assim como o veneno, preciso de doses diárias de cura. Vou tomando aos poucos. Vou me reerguendo. Assim é a vida. Aprendi recentemente que ela é cheia de altos e baixos, cheia de amores e decepções, idas e vindas e também de gratidão. Falando nisso, eu te agradeço por ter partido da minha vida, pois tudo melhorou daí pra frente.

No presente, concluo muitas coisas sobre o passado. Percebo que, afinal de contas, tudo foi necessário. Ainda escuto teus sussurros bagunçando minha mente de vez em quando, mas quer saber, na maior parte do tempo, eu mesma me sussurro coisas boas porque no fim, eu fui e tenho sido a cura de mim mesma. Tudo que eu precisava estava em mim e os desenhos que estampam o futuro nos meus olhos agradecem por isso.

Cecília.

BABYWhere stories live. Discover now