Partida

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Eu fiquei olhando ele de longe. Eu sabia que aquela seria realmente a última vez e não como das outras em que prometi a mim mesma que iria esquecer o rosto dele, mas sempre acabava voltando para os braços dele quando a memória das linhas que compõem aquela face começavam a ficar embaçadas, prestes a sumir.

Como doeu vê-lo partindo. Foi tão triste a imagem da mochila preta nas costas, arrastando a bagagem pesada, levando com ele tudo o que a gente viveu.

Mordo meus lábios até sangrar. Desde cedo eu aprendi que não há nada como uma dor para esquecer de outra. Acho que, por isso, eu sempre me machuquei. Sempre andei cheia de feridas não saradas, que volta e meia eu costumava magoar.

"Por favor, não vá!" Meu coração te pede, mas eu não estou aí para que tu possas escutar a minha voz. O grito está calado na minha garganta, por onde o choro desce engasgado.

Penso em dar o primeiro passo até você e te impedir de embarcar. Seria a primeira iniciativa que eu teria dentro da nossa relação, mas como sempre, nós não chegaríamos a lugar nenhum. Meu corpo sabe disso, tanto que me paralisa. Então você cruza o portão de embarque e finalmente minhas lágrimas podem irromper em paz.

Só que elas descem desesperadas, acompanhadas de soluços viscerais. Que dor de merda essa de abrir mão. As pessoas vêm amparar a pobre sofredora encolhida no chão. Afasto todos eles, já que afastar os outros é o que eu faço de melhor.

Escuto palavras sem sentido durante horas. Algumas sei que foram de conforto, outras de pena e até medo, houveram também os xingamentos. Tudo bem, sei que ficar sentada no chão do aeroporto, com o rosto inchado e descabelada não é a mais bonita das imagens. Na verdade, seria muito fácil me tomar por uma doente mental.

Acendo um cigarro, mesmo sabendo que é proibido. Já que uma dor alivia a outra, nada melhor que uma morte para impedir a outra. Sinto que dessa vez nem a morte do meus órgãos com as toxinas do cigarro serão capazes de desacelerar a morte da minha alma. Ele levou um pedaço grande dela na mala e pra falar a verdade, eu nem sei quanto de mim sobrou.

Um guarda fardado vem me repreender. Ele se agacha diante do meu rosto justo na hora em que exalei a fumaça. Não foi de propósito, mas quando é que eu não estrago tudo?

Apesar disso, o senhor gorducho não parece estar irritado e isso chama minha atenção. Será que terei uma segunda chance para desacatá-lo?

- Por que o cigarro mocinha?

Ele me surpreende com a pergunta bastante atípica. Reparei em seus olhos e vi que eram castanhos. Achei bonito.

- Porque me alivia. - Respondi exausta e exalando a fumaça outra vez.

- Muita coisa para suportar não é mesmo? - Ele disse complacente.

Virei o rosto, mas uma lágrima escorreu em resposta, desmascarando minha vontade de chorar. Eu nem sabia que ainda tinha lágrimas. Corri para limpar antes de encará-lo novamente.

- Se importa se eu fumar com você?

Ele pediu e eu prontamente estendi o maço de cigarros.

- Só que não podemos fumar aqui.

Entendi o recado.

- Vamos lá pra fora. - Ele sugeriu.

Uma parte de mim deseja ficar aqui, exalar mais uma baforada de cigarro na cara dele e quebrar as regras. Outra grande parte minha nem deseja se mover, eu até mesmo apagaria o cigarro para não ter que levantar daqui.

Permaneci imóvel por um tempo para parecer um pouco rebelde, mas aí ele me ofereceu a mão para levantar, de uma forma tão gentil que eu não pude resistir. Eu não resisto a essa sensação de ser cuidada e nem à gentileza.

- Qual o seu nome? - Ele me perguntou quando finalmente fiquei de pé.

- Baby.

Era o único que eu sabia responder.

BABYWhere stories live. Discover now