Cigarro, carona e casa

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Está chovendo lá fora. Fumei todo meu maço de cigarros agora estou enjoada e preciso de mais nicotina poluindo meu pulmão, assim pelo menos eu ficaria mais tranquila, ciente de que a morte está próxima. O carro é velho e balança horrores, além de ter um cheiro de aromatizante vencido de laranja. Minha cabeça está doendo. Sempre que choro ela dói. Nem chorar eu posso.

Um pensamento rápido como um cometa ilumina minha mente: "e se ele estiver te sequestrando?" Contudo, estou fraca demais para contra argumentar essa possibilidade e também se estiver me sequestrando, esse pobre coitado não ganhará nada em troca. Não tenho nada além de uns trocados e um coração partido. Não acho que ele vai se interessar.

Tenho a sensação de arrancaram uma parte de mim, fundamental para que eu continuasse vivendo. Meu corpo está inerte e mal tenho forças sequer para pensar. Cansaço. Cansei de lutar e neste momento, me entrego para o que a vida quiser fazer de mim, mas de preferência que me leve embora de um vez.

A última vez que senti algo assim, porém um pouco menos intenso, foi quando saí de casa depois de uma briga feia por causa do marido da minha mãe. Ela também não tinha sorte com os homens e eu não sei dizer quem de nós duas é a mais desgraçada.

- Chegamos, Baby. – Celso me avisa e claro, pronuncia meu nome com certa incredulidade de que ele seja verdadeiro.

Permaneço imóvel dentro do carro. Nem sequer olho nos olhos do homem que veio me acolher. A chuva lá fora me dá preguiça, como se meu corpo estivesse atado ao banco do carro e seus fios de linho me puxassem para dentro do estofado.

- Tudo bem, não precisamos ir agora. – Ele liga o ar condicionado do carro numa tentativa de me deixar mais confortável, porém eu estou com frio. Ainda assim não faço objeções. Eu quero mesmo me martirizar e me fazer sofrer, vai ver assim o meu corpo acorda.

Pairou sobre nós um silêncio, porém ele não era nada desconfortável. Muito pelo contrário, eu sentia que podia repousar um pouco e relaxar. Fechei meus olhos por alguns instantes. A escuridão ajuda a aliviar minha dor de cabeça.

- Você gosta de música? – Celso quebra o silêncio.

Olhei para ele pela primeira vez desde que entrei neste carro. Assim que ele conseguiu me arrastar para fora do aeroporto, pois eu não cedi de livre e espontânea vontade, ele sentou comigo na calçada. Muito gentilmente me ofereceu seu próprio maço de cigarros. Disse que a esposa não gosta que ele fume em casa, então aquele era o paraíso para ele, além do mais, ele nunca tinha companhia e que por isso, era bom me ter por perto.

Me senti usada novamente, mas só por alguns instantes. As pessoas se aproximam de mim apenas por interesse, mas não havia falsidade nas palavras dele, então fiquei mais tranquila. Tudo o que vi foi um homem empático tentando salvar o dia de uma garota deprimida. Então deixei que ele acendesse o meu cigarro e ficamos ali por horas, até que o maço dele acabou. Ofereci o meu. Só tinham mais três já que eu tenho fumado demais. Ele negou e foi a deixa perfeita para que ele me oferecesse uma carona.

Aceitei por conveniência e consideração ao meu novo amigo fumante. Dei-lhe o meu endereço e quando chegamos perto do meu prédio, assim que estacionamos o carro, eu comecei a chorar. As lágrimas vinham incontrolavelmente para me envergonhar na frente deste homem, meio meu amigo e meio estranho.

Me encolhi no banco do carro, pensando no peso da realidade. Eu sabia que entraria em desespero assim que pisasse em casa, que vomitaria ao sentir o cheiro de sujeira e álcool. Eu sabia que não suportaria a dor da ausência. Se eu soubesse desenhar, desenharia o desespero como um mar de rabiscos confusos, pretos e acinzentados que sugam a sanidade de uma pessoa. Era assim que eu me sentia.

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