Estrelas cadentes e pedidos inconcebíveis

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Em um futuro utópico, a longos anos de distância (ou poucos)

Se alguém me perguntar que dia é hoje eu provavelmente não vou saber responder, talvez seja terça, ou sexta se bem que está com cara de domingo e ainda sim não é uma resposta exata. Faz dias que não vejo o sol e a lembrança dele já é vaga demais e sinto a falta do calor e da presença dele, mesmo que machuque minha retina, eu desejo passar o dia olhando para ele quando voltar.

Se voltasse.

Não quis ir para nenhuma das cerimônias religiosas ou as festas de despedida de alguns amigos. Pessoas que sequer irei lembrar assim como não vão lembrar de mim, assistir a pessoas sendo inconsequente naquele momento não era o que eu queria. Mamãe fez o último jantar e há muitos pratos na mesa, meu pai se deixou levar pela brincadeira dos filhos mais novos enquanto contava suas histórias de glória como um pai Viking contava sobre seus deuses e eu, quieto na lateral esquerda da mesa acabei sorrindo e lembrando de quando era eu a ouvir essas histórias com tanto entusiasmo e acreditava sim que ele era um herói. Comemos a sobremesa junto a comida, sem pegar leve no refrigerante, as crianças puderam assistir TV sem ir escovar os dentes antes como de rotina, não ajudei mamãe a lavar a louça e nem tirar os pratos da mesa.

Me despedi deles, com lágrimas silenciosas de quem não podia fazer nada para ajudar ou para reverter situações que a séculos sabíamos que ia acontecer, beijos e abraços amorosos foram deixados em mim e retribui com todo o amor do mundo, assim como fiz com meus irmãos. A mais nova, sem os dentes da frente e o mais velho que tinha bochechas cheias como as minhas. Eles me atacaram em abraços de boa noite fazendo a minha felicidade ser saber que para eles o mundo não era ruim.

Guardei na mochila velha uma garrafa de vinho pela metade com apenas uma taça, e olhando pela janela gravei cada detalhe de saturno, estava ali, reluzente, mais bonito que o normal, tão perto quanto eu estava perto de meu próprio consciente. O jardim de grama cortada já estava úmido, pedrinhas coloridas decoram cada ponto como se fossem espelhos refletindo a luz que vinha do céu. Meu coração pegava fogo, se não fosse por toda a carne que me protegia do lado de fora eu provavelmente já teria virado cinzas. O espetáculo das estrelas estava digno de ser apreciado, podíamos ver as galáxias a olho nu e sorrir com o contraste de cores que elas possuem que são bem mais bonitas do que é mostrado nos livros ou na internet. Consegui ouvir a música saindo pelo celular de Jungkook enquanto ele estava sentado em cima de um pano amarelo com a cestinha de frutas e besteiras aberta na sua frente e como sempre já mastigando as uvas fresquinhas, e sorriu quando me viu, lindo. Mais do que o céu estava.

Os planetas iriam entrar em colapso hoje, sim, eles se chocariam um ao outro. Como se um buraco negro estivesse nos sugando para um fim real porque, dessa vez, não restaria nada de nós. Cresci sabendo disso, mas ainda estavam longe, poderíamos ver como vimos a lua, nos afastamos do sol, perdemos vidas antes mesmo de tudo começar e quando os anos se passaram tudo se aproximou da Terra mais rápido do que os cientistas previam.

E não, não seria possível ir para outra galáxia, morar em Marte ou ficar no vácuo dentro de uma nave feita pelos Estados Unidos pois não restaria nada.

Sentei ao seu lado, sentindo que minhas pernas estavam bambas pela primeira vez. Tenho plena certeza que em todos cantos do mundo, casais estavam assim, ou longe um do outro, já outros estão chapados para não se desesperar quando acontecer. E isso não era de regra, estavam do jeito que queriam, lendo um livro com uma xícara de café na varanda curtindo o silêncio interno que infelizmente não falava mais alto do que o coração dentro do peito.

Ele dizia que estaríamos juntos em qualquer lugar, que se tudo se transformasse em estrelas, iremos brilhar um ao lado do outro. Eu queria concordar com ele, ser um pouco esperançoso mas sentia que isso era apenas um jeito de não deixar o desespero tomar conta de tudo. Pelo tempo que estive deitado ao lado dele, sonhei acordado.

Me imaginei correndo pelas ruas de Busan, sendo o adolescente inconsequente ou o estudioso pelo qual meus pais se orgulhavam tanto, brincando com meus amigos, andando de mãos dadas com Jungkook entre os becos coloridos dos bairros pequenos, vendo o lado bom das coisas em cada esquina, rindo das coisas boas que até então estavam acontecendo a cada segundo. Nas festas que nossos amigos faziam, no meio da sala quando a música lenta começava a tocar, com as melodias se tornando memórias bonitas, eu estaria nos braços dele e ele nos meus como se tudo fosse sobre o amor e sendo sincero, acho que o mundo viu agora verdadeiramente o que é o amor.

Tarde demais.

Quando tivemos chance, antes, vimos que ninguém aproveitou a oportunidade para dar amor, para ser gentil, para ouvir, aproveitar tempos ruins de um jeito proveitoso para nossas almas se é que temos alma. Porém, jogamos cada segundo na lama, pois não amamos ninguém do jeito que devíamos. Mamãe costumava dizer e estava totalmente certa, de que o amor não era apenas carnal, entre um casal, entre pais e filhos, amigos, família e sim amor era um aparato de atos. Como ajudar alguém que você nunca mais vai ver, como dar carona a um estranho, como alimentar quem precisa e como o simples ato de pedir desculpas quando tropeça em alguém pela rua. Amar é sobre tantas coisas e ninguém sabe amar direito, ninguém aproveitou tanto quanto agora.

Alimentamos a política de só amar algo quando ele está acabando.

Ouvindo a risada do meus amigos em algum lugar na minha cabeça, sentindo os carinhos de minha mãe e as histórias de meu pai, contornei o rosto de Jungkook com os dedos, o ouvi dizer meu nome várias vezes em um intervalo de tempo que parecia ser tão minúsculo quanto uma formiga. Beijei seus lábios bonitos por um tempo que não pude e nem deveria calcular e mesmo sabendo que tínhamos coisas a falar, não pronunciamos nada, não precisava. Imaginei o futuro e ali mesmo me matei antes de estar morto.

Lembrei que antes de sair do casa, Saturno me mostrava seu brilho, invadindo o meu lar a cada segundo assim como via os outros que estavam distantes, assim como Júpiter e Marte passaram por mim ainda sem destruir tudo, entretanto daquela vez não teria escapatória. Nas poucas horas que passaram, tudo o que eu sentia ficava claro nas minhas expressões, no meu modo de falar como nos desenhos animados antigos que usam a comédia física para expressar em seus personagens o que sentiam. Seria bizarro estar assim se a ocasião não fosse essa já que por muito tempo expressar sentimentos era considerado errado.

Tive o melhor das coisas e ainda sim me arrependo de não ter curtido muitas delas. Como ler mais livros e me entregar as metáforas dos autores que narram histórias de viagens e jornadas longas de seus personagens, ou apenas ler poesias curtas e reais em livros de folhas velhas da biblioteca particular de meu pai que era um bom incentivador, lia todas as noites exatas dez páginas antes de dormir. Ouvir mais músicas sem me limitar a um gênero qualquer. Dar e receber prazeres carnais, chorar mais vezes e até sentir dor por coisas idiotas.

Pediria desculpa a todos que machuquei, até a todos que amei por ter faltado com algo, por não ter sido melhor, entretanto, somos humanos não é mesmo? E pelo menos em uma coisa todos concordavam, era o verdadeiro fim.

Com uma linha tênue e confusa de pensamentos, deitado agora na grama verde e quase morta, mandei mentalmente para todos aqueles que eu sentia um afeto enorme, um adeus. Sabia que meus pais já tinham colocado as criança para dormir e que olhavam para o céu juntos assim como eu, o mesmo céu que os juntou e que agora iria os destruir.

A música ainda tocava no celular de Jungkook, que olhava para mim assim como eu o olhava e via o reflexo do céu em seus olhos e com uma confissão silenciosa deixamos que tudo fosse tão rápido quanto iria ser.

Ouvi o estrondo ensurdecedor que o vento forte trouxe, como uma quebra na proteção gigante que as nuvens davam a nós. O céu desabava em cima de nós e sim, senti medo, tentei proteger a minha verdadeira imagem de amor como se não fossemos sentir dor e olhando para o céu, parti com um eu te amo mal expressado pelas voz embargada.

Fui embora e sei que fui quando deixei de sentir o peso dele no meu corpo, quando deixei de sentir meu coração bater. Minha última lembrança foi que vi Saturno pela Janela e que decidi eternizar aquilo como um sonho, igual aqueles que terminam num susto e que me fazia correr para o quarto e agarrar minha mãe. Tirei o melhor até daquilo, como uma criança grava a experiência de supostamente ter visto uma nave alienígena passando pela Terra quando era apenas uma estrela cadente. E com as retinas fixas no céu, mortas, quando a estrela cadente dessa vez, vinha de encontro a mim, fiz meu último pedido.

Que quando voltássemos algum dia a ser de carne e osso, que fossemos melhores.

Seja melhor.

Vi Saturno pela Janela; jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora