5 - Job 01: Não existe homem inteligente

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Frederico "Fred" Simas era para quem o conhecia o maior engenheiro civil da sua geração. Mas entre ser graduado com honras e minors aqui, MBA dali, e reconhecido especialista em sei lá o quê por um instituto de tecnologia americano, estava um jovem desapontado que passava as tardes se questionando se a vida valia a pena. Encontrava-se desempregado e sem patrimônio, dedicando a melhor parte dos seus dias à TV. Tinha sido um notável engenheiro na época anterior à crise, tendo sido inclusive um sócio-acionário da empresa onde trabalhava. Mas antes tivesse ele terminado como subalterno de alguém: Fred aprendeu da pior forma que quando o funcionário perde o emprego, ele perde sua renda; e que quando o capitalista perde o emprego, ele perde sua renda e o patrimônio que gerava aquela renda. Sentia que sua promoção não tinha sido mais do que uma armadilha dos seus patrões. Não bastou a crise econômica assassinar a construção civil no Rio de Janeiro, vieram à tona suspeitas de que a empresa do Fred teria realizado negócios ilegais com vários figurões do governo do estado que se encontravam então na prisão. Bastou que um dos seus antigos chefes se sentasse diante das autoridades para que o nome dele também se juntasse à lista de investigados. Diante de prejuízos e visitas de policiais às seis da manhã, o rapaz se viu entregando mais e mais dinheiro nas mãos de juristas engravatados para que eles guardassem a empresa contra os outros da raça deles. Um dia percebeu que a firma se encontrava falida, nenhum prédio novo havia sido construído, e todo o seu dinheiro estava então nas mãos de pessoas cujo entendimento de matemática não passava do dez mais dez. No fim salvou-se da justiça quando seus advogados foram capazes de provar o evidente, que ele fora responsabilizado pelas ações de alguém mais poderoso. Entretanto, sua vitória foi pírrica: tornou-se de uma vez desempregado, falido e mais um eterno preso que a justiça soltou.

Para piorar tudo, sua vida pessoal também não era um exemplo. Fred era feio. Jamais ouviu sequer um elogio de uma mulher que não fosse a sua mãe. Faltava-lhe também a confiança dos outros homens, que o achavam chato e retraído. Aceitou com bravura o fardo que o isolamento lhe impunha: trabalhou dez vezes mais do que os outros em troca daquilo que eles tinham por direito, sem esforço algum. Entretanto, não via recompensa mesmo após tantos anos de sacrifício. A crise o deixou com absolutamente nada da vida além do sofá-cama do irmão Rui Simas, o intrometido gerente de banco que por acaso ouviu a lendária história da Mila e do Pierre.

O único consolo do rapaz era a gravação que ouvia todos os dias do Salmo 23 na voz do Batman, seu herói de infância. A gravação era um lembrete de que nada faltaria a Fred, e que ele não estava caminhando sozinho através do seu vale da morte pessoal. Ouvia o salmo todos os dias mas a cada vez acreditava menos. Sentia-se apodrecendo dentro das próprias roupas. Pensava em todas as madrugadas que tinha passado estudando abstrações matemáticas só para acabar vivendo às custas do irmão. Podia trabalhar em algo, mas mal encontrava um novo sonho e já se sentia cansado, antecipando todo o trabalho que seria torná-lo realidade e quão pouca felicidade extrairia daquilo. Estava deprimido. "É muita surra para pouca cenoura," era como descrevia a vida. Fred não se lembrava da última vez em que fora feliz, muito menos saberia dizer se existia no mundo felicidade que compensasse todo o sofrimento que as pessoas passam. Considerava-se ainda um sortudo entre as outras pessoas por pelo menos ter tido oportunidade e disciplina para ser alguém. Ainda não estava neurótico a ponto de se achar o mais azarado dos homens mas já não conseguia compreender como é que metade da humanidade (a que tinha uma sorte pior que a dele) achava motivação para sair da cama de manhã. Um dia ouviu Tim Maia e compreendeu o próprio destino: uns nascem para sofrer, outros nascem para rir. Ele tinha nascido para sofrer.

Era Frederico Simas quem Mila tinha de resgatar até o fim do mês. Seu sucesso significaria um mês de aluguel pago no apartamento da Begônia mais algum dinheiro extra para sobreviver. "Cê tá anotando, amorzinha?" perguntou Rui por telefone. Ele já imaginava quanto dinheiro pouparia e quantas brigas de casal evitaria se ela conseguisse colocar o irmão de volta na sociedade. Já Mila falava com ele no primeiro ônibus de volta ao Rio, abraçada em um caderno coberto de anotações. "Tô anotando tudo. Mas eu ainda não sei quem é esse cara."

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⏰ Last updated: May 27, 2020 ⏰

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Alguém lê, por favor. Eu precisava muito de opiniõesWhere stories live. Discover now