07 ☠ Revelações

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Mharessa

Abri os olhos e a primeira coisa que eu vi foi um teto colorido familiar. Olhei para o lado e Júlia estava ali, com os olhos arregalados, sentada na cama onde eu estava deitada. Juquinha estava ao seu lado, deitado em um tapete bege.

— Oi, Mah! Você tá bem?

— Tô sim. Espera... 

Então tudo que ela havia me dito veio à tona. O meu irmão estava preso injustamente. O que seria dele agora? Eu precisava saber onde e como estava.

— Eu preciso ver o meu irmão. —  Digo, então lavanto apreensiva.

— Mharessa, acho melhor você descansar e pensar nisso depois. Eu sei que é difícil pra você, mas agora você precisa descansar um pouco.

— Você não entende! Isso é culpa minha, Júlia!

— Eu posso te ajudar se você me contar a verdade.

— Eu não quero descansar, Júlia. Você acha mesmo que pode me ajudar? É mais complicado do que você imagina.

— Como assim?

— Júlia, o meu irmão não matou o meu pai. E eu fiz uma besteira, não deveria ter deixado-o e agora eu me dei conta disso!

Júlia aproximou-se de mim, era nítido que ela não estava entendendo nada. Foi então que eu decidi contar tudo.

— Fui eu.

— O quê?

— Eu matei aquele homem.

Júlia parou e me encarou, boquiaberta. Eu podia imaginar tudo o que ela estava pensando naquele momento. Ela afastou-se de mim, sentiu medo assim como eu previa. Mas não saiu correndo como imaginava que faria, apenas ficou ali, parada, sem reação.

— Eu só quis defender minha mãe, Júlia. Todo mundo pensava que ela havia matado ele, mas não foi.

— O que aconteceu? — Questionou, extremamente calma. Não imaginava que ela fosse lidar com algo assim dessa forma.

Eu confiava na minha amiga e naquele momento senti que poderia  contar-lhe tudo. Pela primeira vez na vida, reconheci que eu tinha alguém em quem podia confiar, além do meu irmão. E então eu contei tudo. 

— Meu pai chegou bêbado em casa como sempre, mas dessa vez, pior que nunca. Ele derrubou tudo dentro da nossa casa e começou a bater nela, na minha mãe. Ele a empurrou, então ela caiu e bateu a cabeça. Ela começou a jorrar sangue. Muito sangue. Minha primeira reação foi bater com o jarro de vidro da mamãe na cabeça dele, em seguida, eu o matei com uma facada no peito. — respirei fundo, relatar aquilo para alguém finalmente, tirava um peso de mim. — O Thulio chegou e viu tudo que havia acontecido, ele ficou apavorado. Nós ligamos pra ambulância e contamos que estávamos na escola naquele dia. Porque realmente, era um dia de aula, mas eu havia saído mais cedo e o meu irmão estava no trabalho. Eu poderia ter deixado aquele homem vivo, mas eu quis matá-lo, entende? Ele destruiu a minha família e tudo que queria era que ele não existisse naquele momento. — Comecei a chorar, cada palavra saia da minha boca parecia ter um gosto amargo.

— E porquê o Thulio se entregou agora? Como descobriram?

— Alguém que viu ou ouviu algo estava nos chantageando, é tudo o que sei. Mas o que acontece é que eu sou a assassina, Júlia. Não meu irmão.

— Mharessa, foi em legítima defesa, você devia ter dito desde o início. O medo de vocês foi o que os levou até aqui.

— Júlia, eu sou uma assassina, você não entende? Eu queria matar ele, sempre quis! Eu não aguentava mais viver com aquele homem, sofrer tudo o que sofria. Eu não queria mais ele nas nossas vidas. — Repito, sentindo meus olhos arderem.

— Mha, você fez isso para defender a sua mãe, tudo bem. Você vai ficar bem. — Ela se aproximou de mim e me abraçou.

— Você quer um tempo para pensar?

— Não, Ju. Eu acho que está na hora de acabar com isso. — Profiro, decidida.

— O que pensa em fazer agora?

— Vou fazer o que deveria ter feito. Contar toda a verdade.

— Como você vai provar isso, Mha?

— Eu sei onde guardei a prova do crime.

♤♤♤♤♤

Eu havia escondido aquilo há meses e agora, aquele objeto que era a prova do meu crime, seria minha libertação. Após meu relato na delegacia e as provas entregues à polícia, não restaram dúvidas.

Meu irmão estava finalmente livre e eu, bem... não podia ir presa por ter menos de 18. Então deixei Juquinha com Júlia e fui para uma casa onde abrigavam jovens delinquentes, assim como eu.

Eu não havia visto meu irmão, mas a Júlia me ligou e disse que ele havia acabado de sair da cadeia e que viria me visitar  em breve. O alívio que eu senti ao ouvir aquilo fez com que me sentisse melhor.

Os dias dentro daquele lugar me fizeram refletir várias coisas, mesmo que na maioria do tempo eu estivesse com a mente ocupada realizando tarefas conduzidas pelos coordenadores da febem. Talvez se desde o início estivesse perto do meu irmão, tudo isso teria acabado há muito tempo.

Mas agora, finalmente acabou.

Por mais que eu não saiba quanto tempo continuarei aqui, sei que logo o verei e isso me traz um certo conforto. 

Talvez agora eu possa começar a imaginar um futuro... O futuro que a mamãe sempre disse que eu teria um dia: "colorido e feliz". Ela sempre me dizia que eu precisava ver beleza em meio ao caos, que isso é o que nos mantêm vivos. Era o que ela sempre fazia.

Mesmo sofrendo tanto, ela continuou com o meu pai porque queria ajudá-lo a se livrar do vício. Ela o amava.

Mamãe costumava dizer que no início de seu casamento ele era diferente. Quando as dificuldades financeiras vieram, quando ele já não tinha mais o emprego que achava que o faria crescer, ele entregou-se ao vício. Ele esqueceu que tinha uma família, ele não viu que tinha tudo que precisava. E que havia beleza em meio ao caos, sim. Nós poderíamos ter saído juntos dessa. Mas sua ambição sempre falou mais alto. 

Para mim, ele nunca foi um pai de verdade.

Ele nunca me levou para passear em uma tarde, nunca me colocou no colo, estava sempre ocupado demais.

Ele nunca me deu um beijo antes de dormir.

Ele me cobrava coisas que ele queria que eu fizesse.

Eu não sentia sua falta, sentia raiva.

Sentia raiva porque ele matou quem mais o amava, quem mais queria o ajudar.

Sentia raiva porque ele tirou uma parte de mim.

Mas eu estava aqui. Mamãe sempre me dizia que não importa o que aconteça, se estamos vivos, precisamos viver.

Eu estive por muito tempo morta em vida. Talvez seja a hora de mudar essa realidade.

Mais Forte do Que Pensamos  (COMPLETO) Where stories live. Discover now