06 ☠ Despedidas

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Seu Luís passou a noite no hospital, então permaneci ao seu lado, caso precisasse de algo. A enfermeira perguntou se ele tinha família, ele respondeu que tinha apenas uma amiga e seu cachorro.

— Sou a neta dele — prontifiquei-me a falar.

Seu Luís pareceu surpreso, mas em seguida abriu um sorriso satisfatório, sorriso este que me fez sorrir também. Segurei sua mão, então ele adormeceu.

Na manhã seguinte acordei com ele me chamando, repentinamente.
— Precisa de algo? Chamarei a enfermeira!

— Estou bem, não preciso.

— Estamos juntos nessa, né? Você não precisa ficar sozinho.

Ele respirou fundo e sorriu.
— Seu lugar não é na rua, menina. Você precisa encontrar um lugar seguro para ficar.

— Está dizendo que não posso mais ficar com vocês? — desatei, senti meu tom soar irritado. E realmente estava.

— Tô dizendo que essa não é vida pra você. Eu já estou acostumado, você não. Melhor ir embora.

— Mas você vai precisar de ajuda aqui e eu quero te ajudar! Eu preciso ficar aqui. — Contestei, relutante.

— Vá, menina. Você precisa ir, eu sei. Ficarei bem, prometo. Só queria te pedir um favor...

Suspirei, triste, mas fiz que sim com a cabeça.
— Leve o Juquinha com você, por favor.
— Não! O Juquinha te protegeu, não pode ficar sem ele!
— Por favor, é a única coisa que te peço! Eu já sou velho, sei que cuidará melhor dele. Fico melhor sozinho, não chamo tanta atenção.

— Você tem certeza?

Ele riu, segurou a minha mão e me puxou para mais perto. Envolvi-o num abraço. Parecia bobagem, mas eu já o considerava. Não queria ir embora.

— Tenho certeza. Espero que um dia a gente se encontre.  — disse, então fechou os olhos e ajeitou a cabeça no travesseiro do leito onde estava. — Agora vá, minha neta.

Às vezes, não se trata do "ter um lar" e sim do "ser um lar para alguém". Fui embora do hospital sem olhar para trás, com mil coisas na cabeça. Eu realmente precisava seguir o meu caminho.

****


E lá estava eu, sozinha novamente, uma mochila e o Juquinha no colo, andando estrada à fora. Dessa vez, eu tinha um destino, precisa fazer isso. Só precisava vê-la mais uma vez antes de sumir. Na verdade, não sabia o que iria fazer depois, mas queria vê-la antes.

Quando enfim o ônibus parou no ponto da minha antiga casa, desci com o Juquinha e andei em direção a casa da Emy. Aparentemente não tinha ninguém na casa, então resolvi andar um pouco e quem sabe, arranjar algo para o Juquinha.

Consegui um pão e um pouco de ração com um vizinho que me conhecia, o meu mais novo cachorro parecia ter gostado. Estava comendo quando percebi que alguém conhecido se aproximava, corri e me escondi com o Juquinha atrás do primeiro post que vi na frente. Por sorte, ela não me viu.
Senti vontade de sair correndo e abracá-la, sentia falta da minha amiga Júlia.  Mas esse não era o objetivo agora.

Caminhei de volta à minha antiga casa, no exato momento em que cheguei à rua, eu a vi.

Estava linda, como sempre foi. Os cabelos ruivos balançavam com o vento, um sorriso lindo e espontâneo se formava em sua face, me fez bem ver que estava bem. Foi então que vi, ela não estava sozinha. Um garoto conversava algo com ela, não conseguia distinguir o que era, mas a fazia sorrir. O garoto se aproximou da Emília e tocou o seu rosto, beijando-a em seguida.

Fechei os olhos e saí correndo com Juquinha nos braços enquanto lágrimas incessantes caiam de meus olhos, eu não queria ver aquilo. Não que ela não tivesse o direito de beijar alguém, eu só não tinha certeza de que aguentaria perdê-la também.

Caminhei para longe dali por algumas horas, até resolver parar, suava muito, estava exausta. Sentei no viaduto do baldo, ninguém passava por ali. Lá de cima eu podia vislumbrar os carros passando, as pessoas em suas vidas aceleradas e comuns. Eu sempre achei uma droga viver como todos vivem, mas parece que se você quer viver e ser considerado alguém, você tem que se adequar à farsa, né?

Já não queria mais ser considerada ninguém. Eu já morri há muito tempo.

— Sabia que te encontraria aqui.

Levantei rapidamente, de súbito. Como sabia que estava ali?

— Como descobriu?

— Você já me contou onde vinha quando não estava bem, esqueceu?
Eu vi você lá na frente da padaria do seu Armando.

— Impossível! Você vê tudo, Júlia. — Ri e corri para abraçá-la. — Senti muito sua falta!

— Eu também, Mha. Vamos para minha casa? Acho que temos o que conversar.

— Melhor não, Jú. Minha vida está uma confusão, eu não quero te meter nessa.

Ela segurou minha mão, olhando firme em meus olhos.

— Eu quero te ajudar. Bem, eu falei para minha mãe que você passaria uns dias lá em casa porque seu irmão está viajando à trabalho, então tá tudo bem.

— Ok, mas não vou ficar muito.

— Acho que mais do que nunca você precisa contar o que tá acontecendo, o seu irmão esteve aqui.

— Quê? Não, ele não fez isso!

Ela puxa o ar e solta uma lufada devagar, abrindo e fechando os olhos.

— Mharessa, seu irmão está preso. Há alguns dias ele esteve aqui procurando por você e agora foi preso acusado de ter matado o pai de vocês. Isso é verdade?

Meu coração acelerou, eu não estava assimilando as palavras da Júlia, não podia ser verdade.

— N-não, diz que não é verdade!

— Ao que tudo indica, foi uma denúncia anônima.

Senti minhas pernas enfraquecerem aos poucos e perdi o equilíbrio. De repente, tudo ficou escuro.

Mais Forte do Que Pensamos  (COMPLETO) Onde histórias criam vida. Descubra agora