Relato 2 - Dia 2

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Enquanto vemos os números crescendo, vemos os boatos e as notícias falsas. Vemos pessoas falando que tudo é exagero da impressa, que foi uma conspiração chinesa. Vemos pessoas que não entendem o real problema, que não são do grupo de risco, e por isso não veem que estamos à beira de um colapso.

A indiferença chega a machucar, só velho morre, que são apenas 3% e por aí vai.

Esquecem que 1% é pouco, mas 1% de muito é muito.

Mas a vida que segue, a quarentena mostrou que o cachorro se leva para passear, mostra maridos conhecendo esposas, esposas conhecendo maridos.

Mostra que pintar o cabelo, a unha, tirar a sobrancelha, tudo isso pode ficar para depois.

Tem quem faz o "quarentreino", e treina em casa, mas tchau para a academia veio sem peso na consciência.

Idas e vindas a supermercados são feitos com uma lista da família toda.

Bar? Futebol? Não, isso não tem mais. Mas ficar sem futebol nem foi tão difícil, a parte mais difícil é segurar os velhos em casa, velho no dicionário pode ser sinônimo de teimoso.

Ficar em casa não é tão difícil, claro, sendo sustentado por Netflix, Twitter, Facebook.

Inclusive, o fato de não sair de casa transformou o Twitter em um centro de apologia a sexualidade, agora que ninguém mais se ver é normal encontrar concursos para os peitos, bundas, e pintos mais bonitos da internet. Os chamados RabaAwards, PintoAwards.

Isso sem contar as pessoas que não sentem diferença e já consideram o próprio estilo de vida como uma quarentena.

Há até quem arrumou tempo para ler.

Passar a reparar nos detalhes da casa, contar azulejos e pisos, verificar quantos traços existe entre a pia e o chuveiro, virou um hábito.

Os desafios rodam a internet, é embaixadinha com papel higiênico, postar o treino do dia, postar a foto de grupo tirada de uma live entre os amigos e por aí vai.

E os aplausos?

Aplausos na varanda por profissionais da saúde, por garis, a favor do governo, contra o governo, por maridos que aguentaram suas esposas nas últimas 24 horas.

E as listas?

Lista de tudo, liste os melhores de cada esporte, liste seus ídolos, os passatempos evoluíram, enquanto fico jogando buraco com minha esposa em casa, vejo que a internet continua com a socialização mundial a todo o vapor.

Ah, e o preço e corrida pelas coisas, álcool em gel a preço de ouro, acabando em todos os lugares, papel higiênico em falta, mas o pior é remédios que nem foram confirmados para o tratamento da doença acabando nas farmácias e deixando as pessoas que realmente precisam dele sem nada.

Em qualquer lugar é pandemia, paro de jogar um jogo apocalíptico, leio um livro onde a humanidade seguiu a diante, e assisto filmes como pandemia, contágio, infectados etc.

Vivemos um Black Mirror real. As pessoas morrem de verdade. Não podemos piorar a situação.

Diário de uma quarentenaWhere stories live. Discover now